“Mutant Blast” – Um ponto de viragem no cinema português

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Há momentos na história do cinema de um país que se tornam em pontos de viragem, para a indústria e para os públicos.

Portugal está a atravessar um momento muito particular e bem-vindo, com o salto do cinema de autor que dominava o panorama para a aceitação do cinema comercial, que ao contrário da convicção de grande parte da massa crítica, tem um lugar importante na criação de plateias, podendo até servir como droga de iniciação para pratos mais exigentes.

Mutant Blast estreou esta semana nas salas de cinema portuguesas e pontuou com ressonante exclamação aquilo que por cá desejávamos, uma voz independente com desejo de entreter, sem compromissos. Depois de um longo caminho na produção de curtas metragens memoráveis, fazendo as delícias de quem troca DVDs e passa por festivais de cinema de terror, Fernando Alle chega ao circuito comercial com a sua primeira longa. Trata-se de uma aventura pós-apocalíptica que junta um super-soldado geneticamente modificado, uma ativista com aptidões marciais e um tipo ressacado, juntos em busca de um abrigo que os salve da horda de zomb… mutantes à solta.

Mutant Blast

Falar muito acerca da trama é estragar a experiência e a catadupa de surpresas que teimam em aparecer ao longo do filme. Tudo aqui parece funcionar perfeitamente, como se todos os envolvidos no projeto já dominassem a linguagem há décadas, sendo apenas traídos pelo orçamento diminuto. Mas é injusto falar de orçamento quando falamos de Mutant Blast, é essa falta de meios que (possivelmente) também leva ao descomprometimento e à melhor tónica possível para um filme de género – não se levar a sério. Os efeitos especiais são propositadamente exagerados, as personagens têm todas uma personalidade distinta, o humor e o “timing” do mesmo não podia ser mais certeiro e agradavelmente brejeiro, enfim, chamaria-lhe uma tempestade perfeita, não tendo ela sido preparada a régua e esquadro.

Podia ser picuinhas e apontar algumas falhas, claro que existem, mas será que isso interessa quando apanhamos uma sala de cinema em perfeita comunhão a rir e a bater palmas de forma espontânea? Não me parece, nem pareceria sério julgar qualquer filme fora do seu contexto. Para além de uma divertida aventura de ficção científica, este filme é uma carta de amor aberta a todas as referências a que os amantes do cinema de género partilham, tornando-as ao mesmo tempo em algo único e subvertendo as expectativas. Como quem não quer a coisa, a certa altura temos uma criatura mutante a ter um discurso que é hilariante e profundo em partes iguais, acerca do lugar de cada um no universo. Isto é o contrário de pretensiosismo, é entreter sem condescendência e (pasme-se) niguém ficou fora da piada.

Uma prova da linguagem universal de Mutant Blast tem sido a recepção no circuito de festivais internacionais, festivais de grande importância na indústria e que, por exemplo, juntaram este filme a uma das raras exibições do último filme de Martin Scorcese no grande ecrã. Antes de falar mais um pouco do realizador, queria também mencionar o trabalho dos atores, em especial Maria Leite, Pedro Barão Dias e Joaquim Guerreiro, elementos fulcrais para que tudo funcione e cuja química inegável é um festim para os olhos.

O realizador, Fernando Alle, é capaz de ser o homem mais trabalhador na indústria cinematográfica portuguesa, o equivalente a um William Castle, que nos anos 50, não só fazia os filmes, mas andava em tour com eles, fazendo a promoção em cada sítio por onde passava. Não se admirem se nesta semana passarem por um cinema e ele estiver a entregar flyers e a perguntar que filme vão ver, não é pedinchar, é criar uma experiência com cada espetador, é ter a certeza absoluta de que a pessoa vai gostar do que está na tela e mostrar que há opções para lá do Joker e da Maléfica.

É fruto desta perseverança que a Troma, uma das produtoras (verdadeiramente) independentes mais afamadas dos Estados Unidos, decidiu produzir o filme. Depois de ter enviado as primeiras curtas, já promissoras, decidiu pagar do seu próprio bolso a viagem que o levaria até Lloyd Kaufman, o co-fundador da empresa, para poder aprender um pouco mais do oficio que tanto ama. Ao fazer isto juntou-se a outros nomes que começaram a sua carreira na Troma, como Samuel L. Jackson, Trey Parker e Matt Stone (South Park), Eli Roth e James Gunn, entre outros. A primeira semana de exibição de um filme é aquela que dita o sucesso do mesmo e se mais semanas para ele virão. Aqui sugerimos Mutant Blast, contra cultura da boa.

 

Texto por: José Santiago

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