“O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” um filme que será rapidamente esquecido?

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Perante a breve temporada de prémios, chega-nos um filme que será injusta e rapidamente esquecido, “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”.

O Sacrifício de Um Cervo Sagrado conta a história de Steven, um cardiologista de sucesso, vive tranquilamente com a família enquanto regularmente convive com o filho de um falecido paciente. Após algumas revelações, fenómenos inexplicáveis acontecem.

O filme foi escrito e realizado pelo grego Yorgos Lanthimos, responsável pelo bom “A Lagosta”, de 2015. É um realizador muito autoral e criativo, com um enorme interesse em estudar a natureza fria, distante e insensível do ser humano.

Se em “A Lagosta”, era explorada a filosofia do amor humano com plano de fundo numa sociedade distópica e apática com regras incertas, em “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”, a ideia é desenvolver, com o mesmo background, temas como vingança, revolta juvenil, obsessão, sexualidade, desmoronamento familiar, culpa, desonestidade, hipocrisia, insanidade, morte e sacrifício (claro).

Ao contrário da última oferta do realizador, que não é isento de momentos arrastados e causadores de sono, este é o seu filme mais interessante. A maior parte da discussão tem inspirações pessoais do realizador, assim como na peça da Grécia AntigaIfigénia em Áulide”, o último trabalho de Eurípides.

Como um drama de terror psicológico, o filme é desnorteante, bizarro e, por vezes, perturbador, ainda assim, assustador não é. A começar pela banda sonora estridente e irritante e imprevisível. Pelo contrário, a música fala connosco, conta-nos a história e complementa a evolução (ascendente ou descendente) do estado de espírito dos personagens e dos seus respetivos arcos.

O trabalho de câmara engenhoso do Yorgos Lanthimos é lindíssimo, a começar pelos sensacionais tracking shots, que ostentam um cinema ainda subutilizado, mas extremamente eficiente na construção da atmosfera única do filme, claramente pegando muitas outras influências do Kubrick.

A fotografia é limpa e objetiva e casa perfeitamente com a atmosfera e com os personagens, que são propositadamente quase isentos de sentimentos expressados facial ou corporalmente, sem deixar os diálogos demasiado monótonos ou monocórdicos. As emoções são genuínas e expressas através de pequenos e raros gestos e frases, mesmo os atores estando desprovidos de emoções.

O Colin Farrell está deslumbrante. Poucos são os atores que conseguem estabelecer a sua presença desta maneira. Há muito conflito introspetivo, o personagem passa por diversas experiências inesperadas e todo o seu desenvolvimento é honesto. É um médico tipicamente arrogante, teimoso e orgulhoso. No entanto, o temor pela sua família é genuíno.

A Nicole Kidman é o coração do filme. Apesar da sua igual falta de expressão, ela transmite rapidamente o seu medo e  estabelece-se como uma mulher emotiva. Ela e o Colin Farrell têm uma excelente química e a relação deles é credível e positivamente estranha.

A Raffey Cassidy e o Sunny Suljic são uma ótima dupla. Destaque para a Raffey Cassidy, que tem uma participação mais importante. A atriz ganha um protagonismo merecido e a personagem torna-se mais profunda e interessante gradualmente.

Mas quem rouba todas as suas cenas é o Barry Keoghan, que está irretocável. Ele é imprevisível, misterioso, irrequieto, tenso e ameaçador. Tudo o que ele diz e faz gera dúvidas enormes. Nunca temos a certeza daquilo que ele quer, mas sabemos que o caminho até lá será cruel. Até já se começaram a criar teorias sobre o personagem.

O filme tem outros personagens secundários, mas que quase não passam de figurantes. Dentro do estudo do lado mais frio e distante daquela sociedade, era possível desenvolver algumas frases soltas e esporádicas e utilizar alguns personagens de maneira equilibrada sem deixar o filme arrastado.

Ver também:Mãe! | Filme de Darren Aronofsky é flop total ou sucesso por acontecer?

“O Sacrifício de Um Cervo Sagrado” é bizarro, apático, tenso e essencialmente diferente e original. Certamente um dos melhores de 2017. Tal como “Mãe!”, do Aronofsky, tem potencial para se tornar num futuro clássico subvalorizado, ainda assim sem gerar tanta controvérsia. É capaz de aborrecer muita gente, mas, no fim, ver algo inusual é sempre refrescante face aos filmes da Marvel e Star Wars.

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