1845. Os navios da Royal Naval, Erebus e The Terror, deixam Inglaterra com o propósito de descobrir a Passagem do Noroeste. Por outro lado em 2018, a AMC apodera-se da história, que aí teve início, e estreia a série televisiva antológica, adaptando o romance homónimo do americano Dan Simmons.
Sendo um produto emitido pela AMC, esperamos a priori de uma série que explore o sobrenatural e inverosímil, a obscuridade, o hediondo e repulsivo, bem como as criaturas derivadas do dito belzebu – em The Terror, os requisitos a esse nível são cumpridos na totalidade. Esta 1ª temporada inicia-se dando ao espectador, à partida, o seu desfecho, ou seja, quem está a consumir fica em posse do final, mas com a consciência que há um imenso caminho até aí – é proposto isso mesmo, um caminhar lento tendo como horizonte aquela primeira conversa entre Sir James Ross (Richard Sutton) e o inuíte.
Daí recuamos a Setembro de 1846, já em pleno mar alto, deslumbrando os imponentes navios Erebus e The Terror em direcção ao seu propósito – nestes primeiros episódios, principalmente, somos brindados com planos superficiais assombrosos, revelando um carácter fotográfico muito interessante numa série, que não sendo a preto e branco, move-se sobretudo monocromaticamente.
O objetivo seria encontrar a traiçoeira Passagem Noroeste, mas dificuldades avizinham-se. Os capitães Sir John Franklin (Ciarán Hinds) e Francis Crozier (Jared Harris), com uma relação cordial mas tensa, nem sempre concordam nas deliberações e as embarcações acabam por ficar presas no gelo algures perto do Árctico, com a nuvem da doença a pairar sobre eles. Oito meses depois, aproveitando a chegada da primavera, são enviados dois pequenos grupos para confirmar em que direcção o gelo está a derreter e por onde será o caminho a seguir – incidentes acontecem e existe o primeiro contacto com a Lady Silence (Nive Nielsen) e a consciência da existência desse urso demoníaco, Tuunbaq.
Perceciona-se uma rara presença feminina ao longo de toda a série o que lhe confere muita melancolia e sobriedade em demasia – pelo menos até onde foi possível – tendo tudo que ver com o que se pretende contar. A experiência continua com a luminosidade estando intimamente ligada aos acontecimentos dispondo de uma palete com um branco ofuscante, um cinza cerrado de nevoeiro, laranja de fogo vivo, ou tons escuros como breu. A banda sonora está lá e cumpre mas o visual inunda o espectador.
Não obstante, as personagens fazem muito do trabalho para nos captarem a atenção no desenvolvimento da história, sendo bom exemplo disso o vilão declarado, Cornelius Hickey (Adam Nagaitis), com qualidades sórdidas absolutamente impactantes e necessária ao enredo – esta personagem é o catalisador da discórdia, insubordinação e até do motim – a sua atitude chega a ser cómica, tal a sua complexidade. É imprescindível, de igual forma, fazer referência a personagens como Dr. Henry Goodsir (Paul Ready) e Thomas Blankly (Ian Hart) pela sua tenacidade, em diferentes valências, bem como o seu espírito de sacrifício – são personagens que guardamos.
A narrativa tende para uma conjuntura de crise, tendo o grupo uma faca de vários gumes constantemente a investir: a doença que ninguém consegue travar, a fome enraivecida que só o canibalismo poderá calar, a besta que os quer ver mortos, a rebelião e os segredos desta tripulação – sucumbida pela loucura (antevista no início por uma bússola) e reduzida à primitividade do ser humano.
The Terror é retrato cru e uma alegoria categórica do que é o ser humano quando despido do sentido educacional, institucional e racional – o animal submerge quando as necessidades básicas são reprimidas e a besta desperta violentamente. Uma vez mais trazendo à baila a temática que o carácter do bom e do mal são apenas granulados infinitamente misturados, irrigados e insuflados com forte influência do ambiente exterior – todos nós, em alguma circunstância, somos corrompidos de alguma forma.