Crítica | The Big Short – A Queda de Wall Street, de Adam McKay

© 2015 Paramount Pictures. All Rights Reserved.
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Janeiro 2016. “99 Casas” e “The Big Short: A Queda de Wall Street” chegam aos cinemas portugueses numa altura crucial…

Na mesma semana em que se anunciou que o Governo Português decidiu limitar as penhoras das habitações de famílias com dividas, e ainda no rescaldo do bailout ao BANIF, estreiam dois filmes relacionados a grande crise imobiliária de 2007/2008.

“The Big Short: A Queda de Wall Street” descreve-nos todo o processo que levou à crise, desde as suas raízes até cerca de 2008, com a falência do banco Lehman Brothers, e o filme “99 Casas” mostra-nos o pós-crise, com as penhoras das casas às famílias em divida. Quase que os podemos ver como complementares, e recomendo a visualização de ambos. A conclusão é a mesma: são as famílias, sobretudo as mais pobres, que são as mais afectadas por um sistema financeiro que funciona como um jogo de casino, viciado e fraudulento baseado em grande parte no desconhecimento das regras da economia e na ganância pessoal.

Mas vamos-nos cingir neste artigo ao filme “The Big Short: A Queda de Wall Street”. Este filme baseado em factos e pessoas reais, com argumento baseado no livro homónimo de Michael Lewis (famoso pelo seu livro anterior “Moneyball” adaptado ao cinema), acompanha a evolução de quatro investidores que identificam antecipadamente a bolha no mercado imobiliário. Logo no inicio estes investidores são descritos pelo narrador (um dos  investidores) como sendo “estranhos” ao sistema, uma espécie de nerds e geeks que funcionam “fora da caixa”, baseados em factos e racionalidade, invés de ganância, emoção e comportamento de rebanho.

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Enquanto a maioria dos investidores na altura da bolha imobiliária usavam as suas capacidades sociais de vendedores para convencer as pessoas comuns a investir instrumentos financeiros que ninguém compreendia e para bater o sistema e que no final foram os perdedores, os nerds e geeks financeiros com a sua capacidade intelectual conseguiram perceber a verdade para além do senso comum. E a verdade é simples, nenhum investimento financeiro pode-se valorizar eternamente.

Nenhuma das personagem personifica mais esta questão do racionalismo como o investidor de fundos Michael Burry (interpretado por Christian Bale), um médico convertido em investidor de fundos, que embora nunca seja dito, tem todos os sintomas de “sofrer” de Asperger: excêntrico, introvertido e com dificuldades de comunicação e de relacionamento social, que se apresenta vestido de calções e chinelos. É um síndrome típico em pessoas associadas a profissões como matemática, engenharia ou mesmo medicina, e que em muitos casos são verdadeiros génios ou “savants”. O que lhes falha em termos sociais, é compensado em inteligência e raciocínio lógico.

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É Burry o primeiro a perceber que existia a bolha financeira, os mecanismos que a provocavam e a identificar que vários indicadores já apontavam que o sistema iria colapsar sem que ninguém desse conta. É por isso também primeiro a criar um produto financeiro que pudesse apostar que o mercado imobiliário iria ruir. Os bancos que aceitaram a “aposta” riam-se do excêntrico investidor, como sendo um tolo de quem se poderiam aproveitar. No final o fundo de Burry irá ter um ganho de 489% mas Burry desiste do fundo por considerar que todo o sistema financeiro está viciado e é fraudulento por força das grandes empresas multinacionais e dos políticos.

Após Burry criar os primeiros instrumentos financeiros que apostam contra o mercado imobiliário, os outros três investidores retratados no filme tomam conhecimento de forma indirecta de que alguém estava a apostar ao contrário da maré, e invés de ignorarem, investigam se haveria alguma razoabilidade, e chegam à mesma conclusão: a bolha existe e é insustentável. São eles o narrador e trader Jared Vennet (Ryan Gosling) o desbocado e justiceiro gestor de hedge funds Mark Baum (Steve Carrell), que se juntam para investir de forma igual a Burry.

A queda de Wall Street © 2015 Paramount Pictures
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Mais tarde aparecem mais dois jovens investidores com uma empresa de garagem que sem querer lêem um prospecto de Vennet e decidem fazer a mesma aposta, aliando-se a um ex-banqueiro de Wall Street também desiludido com o sistema, agora tornado survivalista e paranóico, anti-establishment, Ben Rickett. Este personagem é interpretado por Brad Pitt de forma contida e com aspecto envelhecido e com barba, que dificilmente percebemos ser Brad Pitt.

Ao longo do filme são explicados os mecanismos que permitiram criar a bolha, descrevendo conceitos complexos como MBS (Mortage Backed Securities), CDS (Credit Default Swaps) ou CDOs Sintéticos (Collateralized Debt Obligations), mas que tentam explicar de forma simples através da técnica de “cutway gags”, em que o enredo principal é suspenso, para passar uma curta cena lateral, e regressar novamente à acção principal.

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Neste caso os “cutway gags” apresentam por exemplo o cozinheiro Anthony Bourdain a explicar o que são CDOs usando como metáfora uma caldeirada de peixe, ou a cantora teenager Selena Gomez a explicar outro conceito usando como exemplo as apostas no casino. A ideia que pretende passar é que estes mecanismos complexos são uma cortina de fumo, os bancos procuram tornar o sistema complexo de propósito, de forma a que as pessoas normais não consigam compreender o que se passa, e não possa ser facilmente investigado e supervisionado de forma a controla-lo por dentro e agirem de forma fraudulenta e sem ética.

Outra técnica usada no filme é o “derrube da quarta parede”. Vários personagens interrompem a acção para se dirigirem aos espectadores e revelarem algum segredo, ou esclarecimento adicional. Estas técnicas permitem tornar um filme potencialmente maçador sobre o sistema financeiro, num filme com bastantes momentos cómicos e divertidos, com um humor inteligente que nos arranca gargalhadas, o que torna o filme excelente.

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No final do filme as personagens principais, apesar de ganhadoras, percebem que é uma vitória amarga, tinham razão e ganharam dinheiro mas a economia mundial ficou de rastos, os principais responsáveis por criar a bolha são salvos pelos bailouts dos governos pagos pelos contribuintes, e quem sofreu as consequências são a população mais pobre. As regras do sistema financeiro não mudaram nada. Nos créditos finais é apresentada uma estatística que resume o resultado da crise: 8 milhões de pessoas perderam o emprego, 4 milhões de casas penhoradas.

É um excelente filme em termos técnicos, com bastante humor e excelentes interpretações. Penso que será um dos melhores filmes do ano.  É sobretudo essencial para o público em geral que deseje compreender as causas da crise e  do que ainda se passa no sistema económico e financeiro. Como disse Brad Pitt (que é produtor do filme): “é uma história que precisa de ser contada, porque nada mudou”.

Ver também: Crítica: “The Revenant: O Renascido” de Alejandro Iñárritu

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