2016 foi definitivamente um dos melhores anos para o nosso género predilecto – o Terror – , com inúmeras “gemas”. Mas será que com o Os Olhos da Minha Mãe encerramos o ano com chave de ouro?
Um filme de terror, ao contrário do que muitos pensam, não precisa de assustar. Pelo contrário. O género terror baseia-se num dos sentimentos mais básicos do ser humano, ou seja, o medo, na tentativa de provocar incómodo, ou até mesmo adrenalina. Por exemplo, eu que já vou com 978 filmes de terror vistos, será muito difícil ser assustado, mas continuo a sentir-me incomodado (no bom sentido) com muitos deles, e o Os Olhos da Minha Mãe é um daqueles casos quase perfeitos.
O filme tem uma história um tanto básica, em que Francisca, a nossa actriz principal, fica desde muito cedo órfã, devido a um acontecimento violento que acaba com a vida da sua mãe. Assim, terá de tomar as responsabilidades de dona de casa e responsável também, pelo próprio pai, uma pessoa que de pai, tem muito pouco.
No decorrer da sua vida, e devido a este acontecimento, Francisca cria um fascínio inexplicável pela tortura, pelo sentimento de ter alguém à sua mercê. Vive no meio do campo, isolada de mais crianças/amigos, e tudo o que tem é o seu pai, a pessoa que matou brutalmente a sua mãe e que está em cativeiro.
O filme, todo ele, é em preto-e-branco, algo que já não é muito comum, embora tenha havido recentemente Human Centipede 2, que artisticamente não chega nem aos calcanhares deste. O ritmo do mesmo é sempre pausado, sereno, calmo, até mesmo nas situações onde poderia ser mais atribulado. É ao bom estilo europeu, onde se dá ênfase à técnica, e ao storytelling, em vez do visual pelo visual.
Os Olhos da Minha Mãe dá a perfeita sensação que faz parte de um sonho, aliás, é um grande pesadelo, e nós estamos a visualizá-lo de forma exclusiva, quase pelos olhos da Francisca, pois fora a introdução e talvez o último acto, o filme é quase um monólogo dela, como se estivesse ela a sonhar tudo o que estamos a ver. E é aí que o filme gere a sua magia, pois torna-o diferente dos outros. Faz parecer por vezes o The Witch, não pelos cenários nem pela história em si, mas sim, pelas pausas, pelo ritmo lento do desenrolar da história, e, principalmente, pelo sentimento de angústia.
Não posso dizer que haja muita acção gráfica como esperávamos, muito pelo contrário. Se não fossem duas ou três cenas onde se vêem os efeitos da tortura, o filme, visualmente, teria uma classificação de maiores de 13 anos. Mas o que sobressai do filme é a parte psicológica, como foi com Babadook, todo o processo mental de Francisca, uma mulher que se nota ter perturbações mentais devido a tudo o que acontece na sua vida.
As cenas estão todas, mas todas mesmo, muito bem construídas. O realizador usa e abusa de grandes planos e de planos acima das pessoas, como a cena do “banho” ao pai, que é bela e perturbadora ao mesmo tempo. É uma cena que gerou um desconforto enorme, mas ao mesmo tempo não podia deixar de ficar deslumbrado pela mesma, pois foi feita de uma forma fabulosa.
Além disso, não podia deixar de falar sobre a inserção subtil da nossa cultura portuguesa no filme. Sinceramente não pesquisei sobre o porquê da escolha, mas é muito bom ver e ouvir fado num filme que não seja português.
Há pequenos pormenores interessantes que ajudam a criar atmosfera e que nem nos apercebemos; por exemplo, quando estão a dar filmes antigos na televisão, esses mesmos estão a descrever os sentimentos da cena do próprio filme, como se fosse um narrador, indirectamente, e isso só se percebe talvez para o fim do filme, o que faz com que tenhamos de rever todo o filme à procura destas subtilezas.
É claro que, como em quase todos os filmes, há aspectos menos bons, talvez negativos. Um deles é a performance da Francisca mais nova, na sua infância. Não senti muita empatia entre ela e a mãe, e talvez seja essa a intenção. Além disso, e mesmo com toda a teoria de que isto seria um sonho, eu que trabalho há vários anos no sector do áudio, tive um enorme problema com a sonoplastia do filme. Há várias situações em que sentimos que o som foi inserido posteriormente, como se fosse dobrado ao bom estilo dos filmes italianos da altura. Digo isto especialmente na altura da infância da Francisca e na cena do “banho”, foi desnecessário e fez com que o filme perdesse um pouco da sua força.
Fora isto, tenho de dar um ênfase muito especial e positivo à “nossa” Kika Magalhães, que faz um papel muito único, de uma psicopata passiva e que adicionou muito a toda a atmosfera do filme. Conseguiu que nós entrássemos no ambiente, nem que fosse entre 2 dos 3 capítulos do filme (1. Mãe 2. Pai 3. Família) em que ela entra.
Em suma, por muito que não possa aconselhar a todos, é um filme gótico, mórbido, deprimente, e que mostra a solidão conduzida a uma certa loucura pessoal, mas no bom sentido. É um filme que faz com que o espectador entre num mundo de sonhos (ou pesadelos depende do ponto de vista), e que principalmente veja que o terror não é apenas o que se vê, mas sim o que se sente… Mesmo com alguns aspectos menos conseguidos, Os Olhos da Minha Mãe conseguiu fechar solidamente o ano de 2016, e com um toque, ou dois, portugueses.