Idiotas, ponto. – Risonho rumo ao ridículo

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A permanência de qualidade (temática ou técnica) dos conteúdos cómicos (cinematográficos ou televisivos) portugueses é um dos aspetos mais difíceis de manter no nosso progresso audiovisual.

Nos recentes anos, tem sido quase impossível não vermos comédias desastrosas. Desde um “Balas & Bolinhos”, passando por “13 Pecados Rurais” e “Mau Mau Maria”, até chegar a um “O Pátio das Cantigas” ou aos deprimentes trailers de “Tiro e Queda”, a comédia mais mainstream (principalmente de elenco) é um dos maiores alvos de chacota dos críticos nacionais (e com razão). No entanto, ainda há esperança. Não que a nova série original da RTP seja uma incontestável obra-prima, mas, sim, uma aula de escrita perfeitamente acessível e agradável para os estreantes guionistas à espera que uma boa história apareça na sua cabeça.

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A recente adição à ficção nacional é proveniente da mente de Diogo Lopes. Acompanha três amigos no eventual decorrer das suas conversas sobre os detalhes mais insignificantes do dia-a-dia, pacientemente se esforçando (individual ou coletivamente) para evitar os acontecimentos mais absurdos e inconvenientes.

A veia novelesca nacional é uma praga nos conteúdos audiovisuais. Desde telefilmes até séries cruel e injustamente editadas para estrear igualmente nas salas de cinema, já muitas histórias promissoras sofreram nas mãos de diálogos expositivos, artificiais, autoexplicativos e simplesmente foleiros, de elencos mal dirigidos e uma continuidade insana de encher chouriços. Com sorte (e talento), não foi o que aconteceu aqui. Começando no bar do costume, percorrendo Lisboa, até chegar a enterros, escritórios e sofás, “Idiotas, ponto.” acha uma narrativa altamente carismática em apenas colocar o seu público ao lado do trio de personagens de maneira orgânica, através do desenvolvimento assertivo (e até ambíguo) das suas caras habituais, assim como as breves conclusões de arcos engraçados, sem jamais puxar para o politicamente correto.

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Tenho a certeza que, se os direitos do novo trabalho do criador de “A Vida Também é Isto” fossem adquiridos pelo estrangeiro, tal como aconteceu com “Amnésia”, o público americano apontaria muitos “problemas” relativos ao humor dos seus protagonistas.

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Que acaba por não ser nada de mais, pelo menos para o sujeito que vos escreve – um assíduo consumidor de todo o tipo de humor (desde as comédias americanas nonsense mais inteligentes até aos solos de stand-up de humor negro mais agressivo). Humor bizarro, sexista, machista, racista, comportamental, de constrangimento e nonsense não encontra aqui o seu expoente máximo. Mas certamente mantém-se numa nota alta. E, auxiliado com a simplicidade técnica do seu criador, consistente num trabalho de câmara minimalista e estático, bem como uma fotografia subtilmente saturada, “Idiotas, ponto.” prioriza exatamente aquilo que devia – texto e interpretações – ocasionalmente elevado por takes longos e uma edição conveniente entre transições. Destaque também para a banda sonora, especialmente para o tema do genérico.

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E o que seria de um bom texto sem um bom elenco? O trio principal é obviamente o maior (e melhor) atrativo. O Carlos do André Nunes (brilhantemente escolhido), é deliciosamente parolo, inofensivo, ingénuo, fraco, medroso, risível, azarado e isento de autodefesa e autorespeito. É um homem bem-sucedido, mas constantemente ridicularizado, oportunisticamente utilizado e enganado por qualquer um.

O João do Duarte Grilo é facilmente o mais carismático e moralmente complexo dos três. Um advogado que, na execução, poderia acabar por ser mais uma caricatura facilitada. Mas o ator de “Fado” vende perfeitamente aquele lado vigarista, provocador, irónico, com doses incorrigíveis de malícia, arrogância e chico-espertismo.

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E o Rui do Salvador Sobral possui uma hilariante burrice e descontração, demonstrando uma incapacidade de dizer duas coisas acertadas consecutivamente e de sair de relações com mulheres desequilibradas.

E o mais curioso é que a série, por muito que se divirta com as mentes pequeninas tipicamente masculinas dos seus protagonistas, inclui presenças femininas igualmente (ou mais) impactantes. A Inês Aires Pereira, a genérica atriz de novela de “Sara”, está novamente solidamente empenhada, aqui com mais espaço e tempo para estabelecer a sua personagem, desenvolvendo uma personalidade provocadora e ácida (Eu quero vê-la mais vezes!). A Matilde Breyner consegue imenso com muito pouco, mantendo-se novamente elétrica e engraçada. A Teresa Tavares, juntamente com o que tem feito em “Circo Paraíso”, está a voltar à ficção em boa forma com personagens difíceis e instáveis. Terá simplesmente de recorrer a outras caracterizações e abordagens se quer se superar. E a Ana Brito e Cunha está espetacular, extremamente inconveniente, detestável, venenosa e autoritária.

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De resto, do grupo das competentes, estão Sara Salgado, Sónia Balacó, Filipa Amaro, Sofia Arruda, Carla Chambel, Helena Canhoto e Inês Patrício. No entanto, como um fã gigante da Joana Pais de Brito, fiquei insatisfeito com o que fizeram com a sua personagem. O que aconteceu é que a aparição levemente engraçada da Leonor Seixas ocupou demasiado espaço e interrompeu aquele que podia ser uma interação mais simples. Ambas estão relacionadas com o Salvador Sobral, mas a última era descartável. Inutilizando a Leonor Seixas, era possível fazer muito mais com a Joana Pais de Brito. De resto, temos também ótimas prestações de Sabri Lucas, Rui Luís Brás, João Veloso, José Carlos Garcia, Jorge Corrula & Tiago Castro (uma das duplas mais hilariantes da televisão nacional nos últimos anos) e dos veteranos Vítor Norte e Carlos M. Cunha. Elencos não ficam muito mais recheados que isto.

No entanto, embora a série se safar com os seus bons diálogos, através dos quais os seus protagonistas trocam ideias infantis sobre relações, sexo, droga, dinheiro, trabalho, masculinidade e até morte, os pecados narrativos ficam à vista, mesmo durando pouco. Primeiro, acontece determinada coisa cujo tom destoou demasiado do da série e do personagem envolvido. Mesmo para o humor sagaz do personagem, achei que tal ocorrência (que é arrastava devido às suas inevitáveis consequências) não se adequou nada bem. Segundo, a permanente ausência visual de uma outra personagem feminina em específico, ainda que compreensível, é totalmente contraproducente e desnecessária. E, terminando os aspetos negativos, acho que era necessário um acerto envolvendo a lógica comportamental de um personagem no último episódio. Eu acho que a história terminou numa nota perfeita, mas um retoque era feito e tínhamos ali um arco ligeiramente melhor.

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