Ao fim de 6 anos, David Fincher regressa às longa-metragens com “Mank”, baseado numa história verídica sobre a escrita de “Citizen Kane”.
Existem 3 certezas na vida, escritas em tinta permanente – a morte um dia virá; temos de pagar impostos; “Citizen Kane” é um dos filmes mais revolucionários e influentes de sempre.
« You cannot capture a man’s entire life in two hours. All you can hope is to leave the impression of one. » [Gary Oldman, Mank]
Estreado em 1941, este filme do então jovem realizador Orson Welles é uma obra-prima do Cinema e, para muitos estudiosos, é considerado um dos melhores filmes de sempre. E, como muitas obras de arte aclamadas, este filme nasceu de uma produção complicada, desde a sua confecção até aos momentos finais.
É a história da confecção deste marco do cinema que David Fincher decide contar neste seu “Mank”, o primeiro filme do realizador desde o genial “Gone Girl”, que saiu em 2014.
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Neste seu filme ao nosso dispor no serviço de streaming da Netflix, Gary Oldman interpreta o papel de Herman Mankiewicz, ou Mank para os amigos e conhecidos, um escritor e argumentista que vê o declínio da sua carreira a aproximar-se devido aos seus vícios com álcool e jogo, tal como um filtro demasiado curto sobre aquilo que diz.
Porém, uma nova oportunidade surge quando um realizador novato de nome Orson Welles insiste para que seja Mank a escrever o argumento do seu próximo filme, num curto prazo de 60 dias. Acamado e com a ajuda de uma assistente pessoal, Mank irá buscar inspiração ao meio de Hollywood que o rodeia, com tudo o que tinha de bom e de mau, inclusive a influência do mundo do entretenimento no universo da política americana.
David Fincher não é nenhum estranho para os fãs de Cinema. Apesar de um início de carreira atribulada com “Alien 3”, Fincher já deu mais que amostras que é um dos melhores realizadores que temos neste momento.
E, neste “Mank”, com um argumento escrito pelo próprio pai, Fincher volta a demonstrar que é um contador de histórias brilhante e em plena capacidade de utilizar todas as ferramentas disponíveis enquanto realizador para contar a história à sua maneira.
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Com total liberdade criativa, Fincher fez o filme à sua maneira, como sempre o idealizou – e isso é visível logo desde o primeiro minuto. Com uma fotografia a preto-e-branco, “Mank” vai beber aos filmes dos anos 40 na sua apresentação, seja de forma visual (com a fotografia monocromática e devidamente queimada) ou auditiva (com o som a ser comprensado como os filmes da época ou a banda-sonora genial da autoria de Trent Reznor e Atticus Ross).
Não apenas o aspecto técnico, mas também as interpretações do elenco reflete não apenas o lado perfeccionista de Fincher, mas também todos os maneirismos e diálogos da época. Tanto Oldman como o nosso protagonista rabugento e adorável à sua maneira ou uma Amanda Seyfried com, muito provavelmente, a sua melhor performance até agora, todos jogam os seus melhores trunfos e o filme beneficia muitíssimo desta dedicação intensa dos actores às meticulosidades de Fincher.
“Mank” transporta o espectador diretamente para um ambiente de anos 30/40, com todo o seu glamour e brilho nostálgico, mas sem descurar o lado opressor e o snobismo existente na altura nas camadas superiores da sociedade.
É uma cápsula do tempo que motiva a pesquisa exterior sobre o assunto, tanto sobre o contexto de Hollywood da altura como a divisão e conflito entre Mank e Welles. E eu digo “pesquisa exterior” porque penso que seja na exploração e divulgação da história que reside o maior defeito de “Mank”.
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Nota-se à distância que Fincher pesquisou imenso para fazer esta obra e que tem um conhecimento aprofundado sobre este tema. Afinal, este é um projecto que o realizador já queria ter realizado há uns largos anos.
Porém, este seu conhecimento faz com que não seja ligeiro no seu storytelling e que todo o filme apela a que o espectador já tenha um conhecimento prévio não só sobre “Citizen Kane” mas também sobre todos os jogadores envolvidos na produção do filme, sobre os grandes manda-chuvas de Hollywood da altura e, até mesmo, os caminhos políticos em que a América estava envolvida.
Fincher não tem o objectivo de levar o espectador pela mão e guiá-lo por estes meios. Muito pelo contrário. Entre diálogo rápido e irónico, mas carregado de informação relevante, o espectador é obrigado a ser camaleónico e aprender rapidamente tudo aquilo que necessita para poder acompanhar a história sem dificuldade ou então facilmente se perde pelo caminho.
Assim, Fincher sujeita-se a alienar metade da audiência que não está tão familiarizada com o tema, sendo que o filme se torna denso na sua população e sua capacidade de conseguir transmitir a história e a mensagem que pretende.
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Porém, é inegável que “Mank” é mais uma prova que Fincher está no topo da sua carreira. Continua a ser um realizador que desperta muita atenção e que o fará ainda por muitos anos. É sempre um prazer ver um realizador que tem total domínio sobre o seu ofício e “Mank” não é excepção.
Alicerçado por um feeling tão nostálgico e interpretações que existem poucas palavras para poder adjectivar, “Mank” é uma aposta forte por parte de Fincher e uma que não será uma vitória para todos os espectadores. Porém, não deixa de ser uma obra que será analisada vezes sem conta.
“Mank” encontra-se disponível na Netflix.