Se pensavam que não havia necessidade de “mais um filme” sobre o 25 de Abril, enganam-se – “Revolução (Sem) Sangue” traz uma perspetiva completamente fresca sobre os acontecimentos da revolução dos cravos.
A primeira longa-metragem do realizador Rui Pedro Sousa acompanha as últimas 24 horas de vida das vítimas mortas a tiro pela PIDE/DGS durante o golpe de Estado que acabou com o regime salazarista.
25 de Abril: uma Revolução (sem) Sangue?
Todos sabemos o que levou ao golpe militar preparado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que levou ao derrube do governo ditatorial de Portugal. Mas a realidade, é que a Revolução dos Cravos nos é vendida – nos media, na educação, na cultura, como uma revolução sem sangue, quando isso não é de todo verdade.
Com a leitura do livro “Esquecidos em Abril” (de Fábio Monteiro), Rui Pedro Sousa propõe-se a mudar esta omissão da nossa história. A nossa revolução teve sangue e essas pessoas merecem ser ouvidas.
Ver também: Revolução (sem) Sangue: Uma Viagem pelos Eventos Esquecidos do 25 de Abril de 1974
É assim que, pela primeira vez no grande ecrã, as histórias de Fernando Giesteira (Lucas Dutra), João Arruda (Rafael Paes), Fernando Reis (Diogo Fernandes) e José Barneto (Miguel Monteiro) ganham vida. Cidadão comuns que se encontram no lugar errado à hora errada e que acabam vitimados quando os ânimos que exaltam.
Muitos dos registos que confirmam a existência dessas vítimas – inclusive a placa comemorativa colocada na rua onde aconteceu a tragédia – referem apenas quatro vítimas mortais. António Lage, também abatido a tiro no mesmo momento, é constantemente omitido por ser funcionário da PIDE/DGS – como se a sua morte tivesse sido justificada.
No filme, António (interpretado por Manuel Nabais) não só não é esquecido, como é uma peça central na história para exemplificar como o regime político era como um cancro – nem todas as celulas nasceram doentes, muitas delas foram contaminadas.
A Produção desta Revolução
As filmagens ocorreram em Lisboa, com o maior número possível de locais reais dos acontecimentos. Durante um mês e meio, a rodagem reuniu o elenco em vários pontos de Lisboa – alguns sendo impossível disfarçar a modernidade das ruas ou de alguns edíficios em redor.
Mas a magia deste filme, está na riqueza das personagens. O elenco teve a oportunidade de conversar com os famíliares das vítimas e alguns sobreviventes do tiroteio, de forma a fazer jus às pessoas que iriam interpretar.
Na Comic Con Portugal 2024, o elenco e o realizador falaram sobre a responsabilidade de honrar a memória destas pessoas, bem como alertar para a consciência política no nosso país.
No evento, Helena Caldeira revelou que teve um trabalho extra aos seus colegas – construir uma pessoa de que pouco se sabe. Helena interpreta Rita, uma pessoa de quem existem relatos mas não documentos ou testemunhas que confirmem a sua identidade. Desta forma, a atriz trabalhou para conferir a Rita uma aura relacionável, uma rapariga comum com problemas do quotidiano que podia ser qualquer pessoa a quem acontece uma tragédia.
Ver também: Comic Con Portugal 2024 – Os últimos dias
Quando a realização e a interpretação andam de mãos dadas
A realização
Algo que destaca este filme de qualquer outro da sua temática, é a realização de Rui Pedro Sousa nas cenas dramáticas. As decisões criativas resultam particularmente bem, conferindo sempre uma dose extra de tensão a qualquer cena que poderia ser previsível – seja o momento na barbearia ou à rusga no dormitório.
Não dando spoilers, é importante destacar o brilhante trabalho de câmara e de interpretação do João Bettencourt na cena da barbaria. Um momento curto, de contextualização de personagem, que tão bem resumiu o horror da sua vivência e da permanência definitiva desse trauma.
A banda sonora é de excelência, sejam as canções escolhidas como os arranjos musicais que vamos ouvindo ao longo do filme. Têm um peso importantíssimo tanto no ritmo, como na intensidade das cenas.
O elenco
As personagens estão carregadas de uma simplicidade que as torna reais. Poderíamos ser qualquer um – o militar, o estudante, a empregada de bar, a grávida ou o jornalista. O ativista ou o colaborador da PIDE. Todo o elenco está de parabéns, tendo respeitado a sensibilidade do tema e entregando uma mensagem muito importante – todos os que perderam a sua vida naquele dia, estavam a lutar por uma vida melhor.
Os momentos dramáticos são mais que muitos – e todos os atores expressaram a dor e o desespero de formas completamente distantes, reforçando aqui a prestação de João Arrais nos momentos finais do filme.
Considerações Finais
Revolução (sem) Sangue é um filme emotivo que deve tornar-se uma referência na temática do 25 de Abril. Não só pela importância de mostrar o lado popular e não militar desse dia, mas pela sua excelente qualidade cinematográfica.
Com o apoio da Cinemundo, o filme encontra-se em exibição por todo o país.
Um aviso! Fiquem até ao fim dos créditos para poderem ver a realidade a cruzar a ficção.