Quem diria que, depois de ”The Room”, o nome de Tommy Wiseau pudesse alguma vez vir a ser associado a um filme de sucesso?
Baseado na autobiografia The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made, de Greg Sestero, publicado em 2013, o filme conta a sua história como um aspirante ator que, em 1998, durante uma aula de teatro, conhece o misterioso Tommy Wiseau, igualmente determinado em alcançar uma carreira em Hollywood. Perante os obstáculos às suas tentativas de sucesso, estes decidem fazer o seu próprio filme, “The Room” (lançado em 2003), que mais tarde se tornaria conhecido como o “O Mundo a Seus Pés” dos filmes maus, ganhado o status de culto e movendo cinéfilos até hoje.
O filme foi realizado e protagonizado pelo James Franco, um ator com uma carreira cada vez mais respeitável, na qual se estabelece finalmente como um bom realizador, depois de filmes péssimos como “O Macaco” e “Batalha Incerta”. Assim como o próprio, praticamente toda a produção e elenco do filme tem um fascínio por “The Room”, devido, suponho, às inúmeras razões que fazem daquele um filme deliciosamente bizarro, amador, incoerente e inconsequente. Uma das razões que fará o público gostar de “Um Desastre de Artista” é, claro, o gosto inegável que se tem ao ver “The Room”. Quem nunca viu não vai gostar? Claro que não. “Um Desastre de Artista”, para além de uma ótima biografia compromissada, é ainda um filme engraçado e ambicioso sobre os nossos objetivos de vida e as maneiras em que os mesmos podem ser alcançados (mesmo das maneiras mais inesperadas, no caso de Tommy Wiseau).
Quanto à fotografia, à banda sonora e aos restantes aspetos técnicos, o filme não tem quaisquer surpresas. É verdade que uma biopic não exige grandes detalhes estéticos, mas servir o seu propósito é, por vezes, redutor. Talvez apenas a percussão enérgica presente nas cenas do set de filmagens seja prazerosa. A maquilhagem e penteados, no entanto, é impecável. Claro, ganhando destaque no visual do James Franco, na caracterização do Tommy Wiseau. Sabe-se que o trabalho é bem feito quando o ator fica praticamente irreconhecível. Algo que é também muito bem feito é a recriação de todos os sets originais da obra-prima de Tommy, o que demonstra o cuidado atencioso da produção.
Vamos começar com o James Franco. O Globo de Ouro de Melhor Ator – Comédia foi mais que merecido. É a melhor performance da carreira do ator desde “127 Horas”, de 2010. A interpretação dele é bastante calculada e mimetizada (no melhor sentido da palavra), mas não deixa de ser impressionante. Para além de respeitar a essência da figura, do sotaque, dos tiques e das origens misteriosas do Tommy Wiseau, a interpretação é sobretudo uma homenagem apaixonante de um homem com um gosto enorme pelo material, respeitando todas as características do personagem: sonhador, único, inspirador, confiante, emotivo e agradavelmente estranho. Acaba por aumentar o já grande interesse em conhecer quem é realmente este homem, donde vem o seu dinheiro, donde veio ele e quantos anos o mesmo tem. Uma nomeação ao Óscar teria sido mais que justa. Enfim …
O Dave Franco ainda é um ator com muito para aprender. Mesmo assim, sendo ele o olho do público, podemo-nos relacionar com ele facilmente e apreciar o seu carisma. Ainda que seja acompanhado por alguma reserva, timidez, ingenuidade e inexperiência. Acreditamos na amizade dos personagens e queremos vê-los a ter sucesso, sabendo, ainda assim, perfeitamente como tudo vai acabar. Os dois irmãos têm uma química incrivelmente genuína, que premeia a narrativa inteira, escusado será dizer.
O Seth Rogen é de longe o mais engraçado depois do James Franco. Tal como o realizador e protagonista, este também sempre adorou “The Room”. Se aqui ele não passa do típico Seth Rogen, ao menos desenvolve uma arrogância e altivez muito cómica, roubando praticamente todas as suas cenas.
Infelizmente, não se pode dizer o mesmo do restante elenco. O Josh Hutcherson e a Ari Graynor foram desperdiçados. Explorar a relação profissional do Tommy Wiseau com a Julliette Danielle e com o Philip Haldiman (os personagens Lisa e Denny no filme de 2003) seria muito interessante, para além de uma explicação para muita coisa. A Allison Brie está complemente isenta de personalidade, a sua personagem é 100% dispensável. A (excelente) atriz apenas está no filme por ser casada com o Dave Franco. O que também acontece muito aqui são cameos (alguns engraçados, outros nem tanto). E, para fechar os pontos negativos, apesar do filme recorrer às datas que usualmente aparecem no ecrã, no primeiro ato o lapso de tempo é demasiado apressado, passando de 1998 a 1999 em 5 minutos.
“Um Desastre de Artista” é um filme essencialmente inspirador. Não é apenas uma respeitosa adaptação de um livro aclamado sobre um filme que teve uma produção desastrosa. É ainda uma importante história moral sobre sonhos e sobre a vontade quase irracional de os alcançar. Afinal, o que é pior? Fazer algo mau? Ou não fazer nada?