Com uma receção comercial surpreendente, críticas mistas e uma infinita porta para memes, “Às Cegas” fez-me reavaliar a minha perceção da Sandra Bullock.
Ao contrário do que Hollywood nos quer convencer constantemente com algumas insípidas ofertas, a cara da mais recente história de suspense disponível na Netflix não está entre as melhores atrizes dos Estados Unidos. Sim, a Sandra Bullock está ótima em obras como “Gravidade” e “Profissionais da Crise” (estou sozinho na última opinião). “Um Sonho Possível”, pelos vistos, distorce a verdadeira personalidade e intenções da sua personagem na vida real, tendo sido esta, na verdade, o trabalho que rendeu um Óscar à atriz. A meu ver, nem que seja depois de construir uma carreira solidificada com o sucesso de comédias românticas, qualquer atriz tem de se superar. A Julia Roberts, por exemplo, conseguiu tal evolução com “Homecoming”, a recente série da Amazon.
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Mesmo gostando no geral do que a Sandra Bullock vai fazendo, estou ainda à espera que esta decida abandonar a sua típica (porém esbelta) aparência física. O tempo que qualquer homem perde a olhar para a Sandra Bullock é prazeroso, no entanto, para qualquer bom cinéfilo, os critérios são outros.
Seria muito fácil descartar a nova aposta cinematográfica da Netflix, sobretudo por termos chegado ao fim de 2018 e o popular serviço de streaming nos tenha oferecido a (gigante) continuação do fenómeno “Black Mirror”. Mas, num ano em que recebemos “Um Lugar Silencioso”, “Às Cegas” apresentou uma premissa semelhante, proveniente do material homónimo de Josh Malerman, publicado em 2014. Se na espetacular oferta de John Krasinski, a família protagonista não podia fazer qualquer barulho, na última longa-metragem de Susanne Bier (vencedora de um Óscar por “Num Mundo Melhor”, de 2010), acompanhamos uma cética pintora comprometida em proteger os filhos de uma ameaça fantasmagórica para a qual jamais se deve olhar.
O filme tem sido esmiuçado e a verdade é que a dita metáfora tem peso. Para começar, o terror é desenvolvido perfeitamente. Nada é mostrado, fica tudo para a imaginação do espectador que, ao fim de 2 horas, não recebe nenhuma linearidade visual ou resposta. A ameaça da vez, na sua obscura manifestação, é uma representação de depressão, tendências suicidas, solidão, medos, demónios e o consequente desconhecido, que, como sabemos, é uma das maiores armas do cinema de terror. E, somando ao brilhante tratamento antagónico uma banda sonora pesada (porém, não original), um trabalho de câmara fechado, introspetivo e claustrofóbico e uma fotografia atenta às cores primárias, “Às Cegas” revela ser um filme minimamente competente.
A palavra aqui é “minimamente”, pois o maior problema é o guião do Eric Heisserer, que escreveu “O Primeiro Encontro”. A estrutura narrativa divide-se entre a atividade inicial, na qual a protagonista Malorie aprende a viver no cenário apocalíptico, e a segunda parte da trama, na qual observamos a personagem no seu futuro conflito. Uma abordagem puramente prejudicial para qualquer situação de tensão. “Deadpool”, de 2016, soube aplicar perfeitamente esta manobra de edição e argumento. Porém, quando sabemos exatamente onde estará a protagonista daqui a 1 hora, mais valia nem termos assistido àqueles minutos iniciais. Ficamos cientes da morte dos personagens secundários e jamais tememos a sério pela Sandra Bullock. As únicas surpresas apenas surgem no final. Existe, inclusive, uma escolha da personagem da Sandra Bullock que condiciona o desenrolar do arco de dois personagens, digamos assim. É algo explicado, mas torna-se (à falta de melhores termos) parolo e impensável.
O Trevante Rhodes tem ainda muito para mostrar. O ator de “Moonlight” provou a sua vontade de encarnar personagens e de se dedicar profundamente aos mesmos. Aqui, ele está bem, está muito carismático e a relação com a Sandra Bullock é genuína e bem construída.
O John Malkovich não interpreta um personagem muito diferente do que em “Horizonte Profundo – Desastre no Golfo”. O filme de 2016 é melhor, mas o ator está perfeitamente operante e à vontade, já que não é exigido grande coisa dele. Eu tendo a simpatizar bastante com personagens em cenários pós-apocalípticos quando estes discutem o seu racional sentido consequencial de sobrevivência, provocando um habitual debate no público. No entanto, o personagem devia mostrar mais tristeza e raiva por uma perda em particular.
A Sarah Paulson dá peso ao pouco tempo que tem. A Danielle Macdonald está incomodamente bem. O BD Wong não faz grande coisa, mas também nunca fez. O Tom Hollander, como tem feito, voltou-me a suscitar o interesse. Já o Lil Rel Howery foi um desperdício. Eu esperava que este fosse um alívio cómico funcional, já que gostei bastante dele em “Foge”. Todavia, o ator não tem oportunidade de ir além do típico nerd líder das cenas de exposição.
Para além disto, qualquer filme decorrente num apocalipse perde credibilidade quando uma mulher aparece perfeita e invariavelmente maquilhada e penteada ou quando o homem jamais tem uma barba desarranjada. A Susanne Bier provavelmente não viu “O Náufrago”. De seguida, como podemos verificar, trata-se de um filme no qual os personagens andam às cegas, onde, no entanto, algumas cenas do elenco parecem encenadas em demasia, retirando o realismo.