‘We don’t follow formulas’, dizem os membros dos Queen, por volta de 1975. Aqueles que esperam que o filme biográfico de Freddie Mercury leve a sério o credo da obra-prima de rock/opera vão ficar satisfeitos.
Com um excelente Rami Malek a liderar todo um incrível elenco, o filme é uma odisseia musical de uma das bandas mais icónicas e pioneiras da história da música.
Estive ontem na estreia mundial de ‘Bohemian Rhapsody’ em Londres, com o elenco e toda a equipa da produção presente. Faço um resumo breve: foi uma experiência inigualável. Tendo em conta todos os bem documentados problemas que se opuseram à realização deste filme ao longo dos anos: desde Malek a substituir Sacha Baron Cohen, ao realizador Dexter Fletcher substituir Bryan Singer após mais de metade do filme já estar feito, é um enorme feito que finalmente possamos ver este filme no grande ecrã.
Uma história que sem dúvida beneficia de um amor e paixão já existentes pela banda, as suas músicas e os seus membros. O Mercury de Malek surge no ecrã mais como um fantasma regressado dos mortos do que um ator transformado numa pessoa real, e isso dá-nos confiança que tudo vá funcionar. O diálogo parece poesia escrita acerca da realidade da vida deste personagem (“there’s no musical ghetto that can contain us”; “I won’t compromise my vision any longer”). Tudo a construir um belíssimo primeiro ato (de três) até chegar ao sucesso.
A transformação de Malek é desde início assombrosa. O seu sotaque exagerado, a dentadura que imita sem falhas o maxilar único de Freddie, concretizado através de próteses dentais… Mas Malek desaparece realmente assim que a cabeleira desaparece, surge o bigode e chegamos ao fim dos anos 70. Freddie é encarnado perante os nossos olhos. A voz que ouvimos nas canções é, segundo alguns, uma mistura de Freddie e Malek. No entanto, não se ouve outra coisa senão o próprio Freddie. Quando no palco, Malek impecavelmente move-se como Freddie, a exibição, a convicção dinâmica e viril, particularmente na recriação do lendário Live Aid no estádio de Wembley, sem dúvida um feito no que toca à representação e à imitação.
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Para além dos concertos e tours da banda, o filme mostra em simultâneo como é a vida de Freddie Mercury fora do palco. Temos a história da relação de Freddie com Mary Austin, interpretada por Lucy Boynton. Começam como namorados e até chegam a ficar noivos, no entanto é claro para nós (que sabemos a história) e também para ela que Freddie é bisexual, se não gay. A cena mais emocional do filme, e talvez de todo o ano 2018, é quando Freddie o admite e revela também a complexidade dos seus sentimentos para com Mary, e esta para com ele.
Não ficamos sem testemunhar o bromance com os outros membros da banda. Embora, sim, os membros da banda estejam no lugar de passageiro nesta viagem pela vida de Freddie. Nunca ficamos no entanto com a impressão que apenas Freddie era talentoso ou dava vida à banda. Vemos por exemplo que May escreveu We Will Rock You e o porquê da canção, Taylor era o garanhão do grupo, e Deacon criou Another One Bites the Dust.
É nos anos 80 que surgem as crises: os membros de Queen já não partilham os gostos estilísticos de Freddie; o gosto por festas; diversos parceiros sexuais; ou mesmo na música… Vemos um solitário Freddie em Munique, viciado nas drogas, separado dos seus verdadeiros amigos e explorados por novas amizades.
Um filme audaz que explora o hedonismo do Freddie, a sua sexualidade maioritariamente escondida e a sua personalidade dentro e ora de palco com fabulosa nuance.
Freddie Mercury foi um homem que respondeu ao facto de ser diagnosticado com sida com canções como ‘Who Wants To Live Forever?’ e ‘The Show Must Go On’. O filme não só toca nos pontos que esperamos num filme biografico, mas fá-lo sempre na perspetiva do próprio Freddie. Mostra, assim, que entende realmente quem esta lenda foi e a marca que deixou no mundo.
Com um fim épico via concerto Live Aid, que tanto é um feito ao nível tecnico como uma sessão de karaoke para os maiores fãs, Bohemian Rhapsody honra não só Mercury o músico como também Freddie a pessoa que lhe deu vida.