Crítica | “Um Crime no Expresso Oriente”, de Kenneth Branagh

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A nova versão de “Um Crime no Expresso Oriente” não é a primeira e certamente não será a última vez que um dos mais aclamados cineastas, e agora, celebrado actor e realizador de obras de Shakespeare, tanto no teatro como no cinema, adapta uma obra literária igualmente aclamada e celebrada.

Kenneth Branagh é o realizador em questão e também a estrela, interpretando Hercule Poirot na nova versão da obra de Agatha Christie.

Com uma sua famosa sofisticação no que toca à criação e ao desenrolar da narrativa, fama essa construída ao longe de uma carreira de 28 anos como realizador, Branagh traz-nos agora um mistério audaz, subtil e ao mesmo tempo flagrante, tanto quanto o seu tão trabalhado bigode, e tão intrigante quanto um mistério pode e tem o direito de ser. Personagens coloridos, literal e figurativamente, interpretados por um elenco multifacetado e com talento sem qualquer medida possível. Fabuloso design de produção e diálogos que prendem qualquer um ao ecrã. Tudo isto complementado com um fabuloso e único trabalho de câmara, aquele do qual um artista como Branagh se poderia lembrar para fazer de algo já antes visto, algo que vemos pela primeira vez de uma forma totalmente nova.

Com Jerusalém como o tumultuoso cenário de fundo quando o filme começa tendo como conflito inicial a tensão entre as três religiões presentes na cidade. Conhecemos Poirot como um homem meticuloso, atento ao mínimo detalhe, um homem que vê o mundo na sua forma devida e por isso repara naquilo a que chama “imperfeições”. Para ele apenas existe o certo e o errado e é a partir daqui que nos é colocado no subconsciente a perspectiva de Poirot e somos obrigados a olhar para o seu mundo da mesma forma.

Da mesma forma que o tumultuoso caos revela a clara tensão cultural e social, há uma transformação na narrativa assim que o homicídio se dá a bordo do comboio, transformando a tensão em algo muito mais psicológico, mais transmitido pelos silêncios e olhares dos personagens, do que por acções ou palavras.

É um filme repleto de charme em todas as suas vertentes, com grandes aditivos fáceis de contemplar as audiências que procuram algo fácil e simples de se entender, mas com suficientes camadas para fazer da nova versão deste clássico algo com profundidade fílmica e narrativa, no que toca aos visuais e aos subtextos que podemos encontrar ao longo do desvendar, tanto do mistério do homicídio em si, como no que toca a quem os passageiros no comboio realmente são.

Dado que a eventual revelação do culpado pelo crime é dos segredos mais mal guardados na literatura, assim como algo que já foi copiado inúmeras vezes, a questão deixa de ser  “Quem foi?” e passa a tratar-se de entender como Branagh vai tentar manter a atenção do público para duvidar daquilo que pensa que já sabe, e nisso tem deveras sucesso, criando não só uma encarnação memorável do famoso e adorado detective, mas também fazendo um belo número de malabarismo com as personagens assim como a revelação final e a forma como decide executá-la.

No que toca ao argumento, Michael Green oferece mais uma vez em 2017 uma história elegante e com orgulho apresentando o mundo e o famoso Poirot de uma forma suficientemente familiar para quem já leu os clássicos de Christie, mas também com novos elementos para que esta versão se destaque pela positiva. Sem dúvida uma apresentação teatral ao personagem, algo pelo qual Branagh é conhecido, mas ao mesmo tempo congratulado.

Vivemos apenas com Poirot num típico dia de trabalho até à eventual entrada no famoso Expresso do Oriente, e é aqui que vamos conhecendo pouco a pouco os outros passageiros, e futuros suspeitos, que irão partilhar dias e noites de viagem com o detective, famoso mesmo para eles. Mas a tensão não começa nem acaba com o homicídio. Não só Poirot percebe que há algo para além do que está à superfície em cada um dos passageiros, seja pelo que dizem ser ou pelas suas duvidosas motivações, mas também acrescentamos ao efeito bola de neve, pois quando se encontra um corpo morto num dos camarins pela manhã o comboio é parado por uma inevitável avalanche que o impede de seguir viagem. Aqui, os 13 estranhos e Poirot encontram-se presos não só ao seu possível crime, mas agora poderão eles próprios ser vítimas da mãe natureza, tudo isto enquanto seguimos Poirot numa corrida contra o relógio para descobrir o culpado antes que possam seguir viagem e assim dar uma chance para que esse mesmo culpado escape às garras da justiça.

 “There is right, there is wrong, and nothing in between”, ou seja “Há o certo, há o errado, e nada entre eles”, é a crença mais forte de Poirot e a partir daí este mesmo reconhece que encontra o seu mais difícil caso até ao momento. Em parte porque qualquer dos passageiros poderia ter um motivo, e entendendo que assim é, Branagh efectua dança de verdades e mentiras assim como Poirot faz com os suspeitos, desafiando o público a testar as suas próprias capacidades de detective.

Entre os suspeitos, encontramos uma detestável princesa Russa (Judi Dench) que quase exclusivamente exibe escárnio. Um detective sob-disfarce (Willem Dafoe) com aquilo que não entende ser um exagerado sotaque. Uma missionária (Penélope Cruz) unicamente focada na palavra do senhor, fazendo de si mesma uma mártir. Uma viúva oportunista (Michelle Pfeiffer) que se destaca pela sua audácia. Auxiliados ainda por actores mais jovens como Josh Gad, Daisy Ridley e Leslie Odom Jr., entre outros que ajudam a contra-balançar caras conhecidas com nomes que são agora as estrelas em ascensão. Não há um único elo mais fraco entre o conjunto, pois Branagh encontra formas de mover a narrativa posicionando os seus personagens no meio de um refinadamente composto design de produção por Jim Clay, de forma a que todos possam ter os seus 15 minutos de fama, destacando-se da melhor forma.

Filmado a 65mm, a fluidez que Branagh dá à câmara para se mover traz os detalhes à vida, oferecendo ao público um sentimento de maravilha que se estende do início ao fim do filme, especialmente nos planos em que nos é revelado o cenário da viagem e a imponência do Expresso Oriente.

O filme tem problemas que parecem absolutamente desnecessários, e não permitem a esta nova versão da mais famosa aventura de Poirot ser apelidada de a “melhor” versão. O filme pára pois é necessário acrescentar algo mais à narrativa para se entender o caso e as motivações por detrás do mesmo, no entanto, isto inevitavelmente cria momentos de estagnação aos quais nem Branagh nem Green conseguiram escapar.

É também dado um pouco desenvolvido interesse romântico a Poirot, o qual pode ter o seu charme, mas chegando ao fim, nada acrescenta no que toca ao desenvolvimento do detective ou do filme como um todo.

Não são erros crassos, mas elementos certamente fracos que se destacam pela qualidade que o filme tem nas suas restantes componentes.

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