“Euphoria” – A maioridade artística de Zendaya

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Acabada de vencer 3 Emmys, incluindo Melhor Atriz Principal para Zendaya, recordamos a série “Euphoria”.

Disponível na HBO Portugal, a série terá em breve um episódio especial da pandemia, antes da segunda temporada, que só será rodada em 2021.

Quando “Euphoria” chegou à HBO constituiu uma surpresa por vários motivos, mas o que acabaria por marcar o seu percurso seria a polémica em torno dos excessos, sobretudo de órgãos genitais masculinos a aparecer na tela e o facto de serem muitos e ao mesmo tempo.

A polémica estalou nos Estados Unidos e na Europa não consta que tenham existido assim tantos pudores devassados ou desmaios trágicos e a primeira série da HBO a tratar de temas relacionados com a adolescência tornar-se-ia num relativo sucesso para a plataforma de streaming em junho de 2019.

“Euphoria” é uma série muito mais complexa do que pode aparentar, acima de tudo se os seus temas não forem desvalorizados e se os adultos que assistem não entrarem em pânico porque já se esqueceram da sua adolescência ou daquilo que experimentaram ou fizeram com os amigos.

Em primeiro e mais importante plano, encontra-se a personagem interpretada por Zendaya, Rue Bennett, e é a partir dela que os acontecimentos são narrados, muitas vezes em voz-off, e que os outros personagens se vão desenhando ou complexificando.

A relação da jovem de 17 anos com Jules, recém-chegada à cidade, vai-se transformando lentamente numa amizade com laivos de outros potenciais laços, bastante fluidos, mesmo à medida da flexibilidade dos relacionamentos da chamada Geração Z.

Deste duo emanará uma enorme química e tanto Zendaya como a jovem atriz, modelo e ativista transgénero Hunter Schafer (no papel de Jules) são, sem dúvida, o melhor que “Euphoria” pode e vai oferecer nesta primeira temporada – relembre-se que uma segunda já está agendada, embora sem data de estreia prevista.

Para Zendaya, “Euphoria” não significou apenas mais um papel na sua bem-sucedida, mas cândida carreira e para quem seguia a atriz fenómeno certamente terá ficado impressionado pela viragem vincada que esta escolha traria ao seu futuro como atriz.

Longe do mundo de algodão doce da Disney, Zendaya encontra-se quase irreconhecível e não foi por acaso que passou à frente de Jennifer Aniston ou Olivia Colman nesta edição dos Emmy porque a sua interpretação é soberba.

Se já era reconhecido nela um talento, aqui Zendaya passou à idade maior, este é o seu papel da entrada na idade adulta em termos de carreira e uma oportunidade de ouro tanto de mostrar a sua potencialidade e versatilidade como para cortar de vez com a imagem que talvez inadvertidamente tenha sido criada para si ao logo da adolescência.

 

A interpretação de ambas as atrizes assume papel ainda mais importante quando comparada com as histórias dos seus companheiros, amigos e conhecidos, porque muitos dos perfis pecam por serem apenas suficientes e roçarem até alguns clichés que tiram pontos à série – sobretudo aqueles centrados no personagem de Nate Jacobs ou de Cassie.

A personagem de Cassie, ao contrário da de Nate, peca por não ter sido talvez explorada ou desenvolvida com maior interesse ou talento porque a atriz Sydney Sweeney é aqui (como em todas as séries onde tem participado) uma das potenciais forças vivas da série, confirmando-se como um dos mais interessantes jovens nomes da atualidade.

“Euphoria” é a clássica série facilmente compartimentada, dissecada e colocada na caixinha como um enorme festival de drogas, sexo e rock n’ roll e muitas são as vozes que a acusam de superficialidade ou falta de desenvolvimento dos personagens. Com a devida atenção voltada para o poster de apresentação da série, talvez se possa mergulhar em “Euphoria” com outros olhos.

A figura de Zendaya chora lágrimas de purpurina e é um facto que a série é uma montanha russa visual impressionante, esse talvez um dos seus grandes trunfos, o de ser visualmente marcante, mas para lá das purpurinas estão problemas reais, de que Rue não é particularmente vocal (relembre-se que a maioria do que lhe ouvimos são pensamentos), mas arrisca ser sincera sobre isso.

“Euphoria” tem sofrimento lá dentro, é até bastante negra e cínica, deixando a sensação no final de cada episódio de que apesar de toda a gente parecer estar a divertir-se bastante e a viver a vida como os adolescentes deveriam, na realidade essa exteriorização, essa purpurinação é uma máscara que oculta inúmeros problemas do foro psiquiátrico, imensos processos de descoberta, falhas do ego, a luta pela sobrevivência dentro do grupo.

O criador da série, Sam Levinson, não é um estranho a muitas das viagens percorridas por Rue na série, ele que teve no passado sérios problemas com drogas e depois de uma desintoxicação acabou por perceber que poderia ter um futuro diferente.

Sam optou por adaptar de forma livre a série homónima original, com origem em Israel, apoiado na produção pelo rapper canadiano Drake, mas muitas das experiências são as suas, embora a sua perspetiva já seja, na atualidade, a de um homem branco na casa dos 35.

O resultado é uma série que tem tanto de negro como de lírico e belo e é por não se ater apenas ao branqueamento da adolescência que ganha relevância e interesse. Na profundidade de Rue residem os seus problemas comportamentais, a saúde mental sempre periclitante, os gritos de ajuda, a incapacidade de lidar com a vida, com o crescimento, com encontrar o seu lugar.

“Euphoria” é uma enorme parafernália de buscas diferentes, já que vai desenvolver as histórias de todos os seus personagens em maior ou menor grau. Cada um deles segue o seu caminho e procura incessantemente e todos estes jovens nascidos já depois do 11 de setembro se sentem implodir nos seus anseios, apesar da companhia incessante dos smarphones e da fascinante e perniciosa internet.

Estes adolescentes procuram as mesmas coisas de formas diferentes e se muitas mentes se sentiram chocadas com a forma crua e direta com que a série aborda as preocupações e anseios destes jovens, certamente já deixaram de procurar e de querer mais. Querer muito causa ansiedade, uma procura excessiva de estímulos envolta numa vida cujo movimento nunca pode parar.

O choque perante os conteúdos diz mais sobre quem assiste do que sobre a série propriamente dita e se se considerar apenas a forma descartando o conteúdo, “Euphoria” é uma série vazia, mas essa consideração pode ser leviana e simplista.

Os temas abordados são universais, mesmo que a forma possa ser excessiva, estes são os adolescentes de agora e são os de antes, com os mesmos anseios. São pessoas que procuram a melhor maneira para se expressarem, uns optarão pela sexualização do seu corpo, outros pelas drogas, outros ainda pela violência.

Considerar estes anseios um vazio é desconsiderar a seriedade daquilo que “Euphoria” nos apresenta enredado num papel de embrulho belíssimo, ofuscante, causando uma primeira reação de estranheza e rejeição.

Noutros casos, causará fascínio imediato porque é televisão apelativa, cheia de estímulos de encher o olho, excelentes escolhas musicais e um elenco cheio dos mais promissores jovens talentos. Nem todos os episódios apresentam a mesma coerência ou qualidade dos diálogos e enredo, mas perdoa-se-lhe facilmente essa fraqueza.

“Euphoria” é uma viagem incrível, verdadeiramente cheia de excessos que não podem ser censurados e não o foram na realidade. Mesmo considerando-a apenas na forma, é excelente televisão de entretenimento com, pelos menos, duas pérolas que se destacam no seu centro – embora todo o elenco seja muito bom.

Este é um bom momento para lhe dar uma oportunidade e tentar perceber porque raio os Emmy decidiram premiar a miúda da Disney ao invés das veteranas. Sinal dos tempos e dos ventos de mudança, mas também o reflexo e reconhecimento do esforço de uma jovem atriz que abre em “Euphoria” todas as portas possíveis e imaginárias na sua carreira.

Zendaya não carrega a série às costas, a Rue de Zandaya é tão boa que se destaca de tudo o resto quase sem esforço. A seu lado, o contrapeso da estreante e enigmática Hunter Shafer faz com que sejam um dos pares mais fascinantes da televisão, mesmo que os vínculos que as unem sejam tão fluidos na aparência como fortes na intimidade.

Ver também: Zendaya | Os 5 filmes da carreira em ascensão da atriz

“Euphoria”, disponível na HBO.

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