Aviso: Esta crítica pode ter conteúdos que podem ferir a suscetibilidade dos leitores mais sensíveis. A tristeza e a desilusão estampada na cara dos fãs.
Depois de seis temporadas e um enorme escândalo sexual pelo meio “House of Cards”, chega ao fim. A série criada por Beau Willimon (“Nos Idos de Março”), e que teve um enorme contributo de um dos melhores realizadores da atualidade, David Fincher, autor de grandes obras como “Se7en – Sete Pecados Mortais”, “Clube de Luta” e “Em Parte Incerta”, teve um impacto enorme nesta nova era dos projetos televisivos. Foi, depois de “Breaking Bad” e “A Guerra dos Tronos”, aquela que mais impacto teve.
Com um elenco sensacional, encabeçado pelo fabuloso Kevin Spacey (“Beleza Americana”), “House of Cards”, a primeira série original da Netflix segue a jornada política de um congressista que almeja chegar o mais longe possível na política, ou seja, atingir o cargo de presidente dos Estados Unidos da América.
Repleto de boas intrigas e cheia de suspense, a série trouxe-nos personagens cheias de conteúdo, uma história extremamente sólida e (quase) nada previsível, cheia de acontecimentos marcantes que a faziam desviar de quaisquer clichés que podiam ser erradamente previstos.
O desejável era que a série fosse isto tudo até ao seu final. No entanto, este final desejado chegou mais cedo uma temporada e não aquando do término da série. Após o 65º episódio chegou-nos a notícia dum escândalo sexual que abalou não só Hollywood, como o resto do mundo. O ator Kevin Spacey foi acusado de assédio sexual a um jovem de apenas 14 anos. A partir daí tudo mudou na vida do ator. Mesmo após um pedido de desculpas e de ter assumido a sua homossexualidade, o mundo não voltará a olhar para Spacey com os mesmos olhos. E foi exatamente o que se passou com os produtores de “House os Cards”. Após despedirem o protagonista, ficaram então encarregados de dar um fim a um dos melhores projetos televisivos dos últimos anos.
Vê também: O Regresso de Mary Poppins – Um Clássico Instântaneo
Entre cancelar a série a uma temporada do fim e cumprir com o que estava previamente estipulado e finalizar a série com as temporadas pensadas, os produtores optaram pela segunda opção. E para isso contribui de forma bastante significativa a atriz Robin Wright, co-protagonista da série, não fora também a oportunidade e o momento de a sua personagem assumir o protagonismo e poder brilhar.
A partir daqui tudo descambou. Intrigas em demasia e extremamente desinteressantes que falham na essência que as deve fazer existir, prender ao ecrã quem vê. A última temporada de “House of Cards” está completamente de costas voltadas à qualidade e, sobretudo, aos fãs. Uma mera tentativa de fazer o que foi feito em cinco temporadas em apenas oito episódios. Uma espécie de reboot mal concebido que nem tempo nem espaço tinha para obter sucesso. O resultado só podia ser um, um autêntico desastre.
Existe igualmente a intenção de dar continuidade à história. Mas fica-se por aí, pela intenção, visto que a história não se desenvolve. Constantemente preso ao passado, cativo a Francis Underwood, o enredo não desata o nó cego que sem saber como, formou.
A introdução de novas personagens era algo inevitável. E, de facto, não se pode dizer que sejam fracas e que tenham falta de conteúdo. A questão prende-se com o aproveitamento das mesmas. Primeiro porque cair sem sequer ter para-quedas é, mais do que leviano, inconsciente. Segundo, pelo pouco espaço de antena. Daqui volta-se às intrigas. Foram, sobretudo, estas novas personagens que surgiram com o intuito de dar vida à serie, mas que de facto apenas serviram para a tornar mais aborrecida e cansativa.
Na sequência disso mesmo surgiu o aparecimento da personagem de Diane Lane (“Homem de Aço”), Annette Shepherd, a amiga de infância de Claire, que tem como objetivo destituí-la da presidência dos EUA, estando disposta a tudo para isso. A ida às origens de Claire Underwood aparece não se sabe muito de onde. Nada relevantes, não fazendo sequer sentido, as cenas acabam por ser enfadonhas, completamente aborrecidas, capaz de fazer suplicar para que acabem. O que de facto trouxe isso à série? Que relevância teve? Não será nenhuma falácia afirmar que nenhuma. Apenas mais confusão.
Outro motivo que aponta para o declínio da série é a destruição de Douglas Stamper interpretado por Michael Kelly (“Mestres da Ilusão”), uma das personagens mais fortes da série, e o desaparecimento de outras que ainda tinham muito a dizer como Jane Davis de Patricia Clarkson (“Sharp Objects”). Mais um prova da completa desorganização onde reina o caos.
Em suma, a desilusão impera quando se tenta ser sem verdadeiramente o ser. A transformação nada eficaz. Claire é Claire e não Francis. Tentar fazer da antiga primeira-dama o monstro capaz de manipular tudo e todos, de matar a sangue frio não poderia dar certo. Muito devido à magnífica personagem criada por Beau Willimon, mas também pelo desempenho do esplêndido Kevin Spacey.
“House of Cards” deixou de ser uma série sobre política e tudo o que a rodeia, para ser uma espécie de novela deprimente sem um propósito. A série caiu num estado lastimoso, ficando em estado vegetativo, apenas ligado à corrente, que no caso é Francis Underwood.