“Pedro e Inês” estreia esta semana nos cinemas portugueses. O Cinema Pla’net esteve à conversa com o realizador do filme, António Ferreira.
O que o atraiu a adaptar “Pedro e Inês”?
Tenho uma prima minha que é a Glória Ferreira que estava na altura a fazer a tese de mestrado, isto há 10 anos atrás, sobre o mito inesiano no cinema, mas também nos livros e no teatro, e houve uma altura em que ela mostrou-me o romance da Rosa [Lobato Faria] dizendo “Acho que isto dava um bom filme”. Eu li o livro e é realmente uma lufada de ar fresco para alguém de Coimbra que vive com isto. Aliás eu vivi e cresci à frente da Quinta das Lágrimas e costumava brincar lá quando era criança. Para quem é de Coimbra como eu, talvez se torne já uma coisa chata isto do Pedro e Inês, já banalizada e repetitiva e, de repente, tens uma obra. Para já o livro é muito bem escrito, a gente tem aquela ideia da Rosa na televisão e o livro é de um peso enorme, um livro profundo e cheio de ironia e isso atraíu-me logo, de pegar numa história que todos conhecemos muito bem e com uma abordagem completamente inovadora, ou seja, ao longo de várias épocas e com todo o desafio que isso trazia.
Ao passar das palavras escritas de “A Trança de Inês” para o ecrã, qual dos tempos gostou mais de abordar?
O passado é a história que todos conhecem. Embora tenha rigor histórico, tive essa preocupação. Aliás para fazer este filme tive de estudar bastante sobre esse período e há uma coisa que é a questão factual da história, que não há assim tanto escrito sobre isso. Na verdade há menos do que possamos pensar e depois há a questão do mito. Muitas coisas que hoje tomamos como verdade, na verdade fazem parte da literatura, ‘Foi o Camões que inventou.’ ou autores estrangeiros e no caso do passado tive a preocupação de conseguir um equilíbrio entre as duas coisas, ser rigoroso do ponto de vista histórico e trazer para o filme partes do mito que são absolutamente incríveis, porque esta história tem coisas mirabolantes.
Depois era adaptar o livro e, em termos de estrutura, o filme é completamente fiel ao livro na questão dos três tempos e do narrador do ponto de vista de um indivíduo no hospital que enlouqueceu e que recorda indistintamente três vidas diferentes. Mas alterei bastante os eventos do presente e do futuro, sobretudo do futuro que é uma história nova, com o mesmo princípio de uma espécie de sociedade fascista com princípios ecológicos e que vamos percebendo aos poucos que é uma sociedade autoritária. Isso está no livro da Rosa embora os acontecimentos fossem completamente diferentes do que estava no livro. Talvez o futuro tenha sido o que mais trabalho me deu, porque essa coisa de um gajo imaginar uma sociedade que não existe ainda, enfim, já temos por aí alguns sinais, mas que tenha pés e cabeça, que faça sentido e que tenha uma ligação com a sociedade de hoje foi provavelmente onde gastei mais tempo a escrever.
E porque fez essa alteração do livro para o filme?
Primeiro por questões de orçamento, porque o futuro que está no livro da Rosa é muito mais tecnológico, dos ecrãs, do carros voadores, e isso para fazer bem feito com o orçamento que tínhamos era impossível, ia ficar completamente inviável, ia ficar uma coisa manhosa. Comecei a estudar um pouco sobre movimentos ecológicos profundos que já existem neste momento. Deep Ecology ou Ecofascismo, foram coisas que fui descobrindo, movimentos ecológicos radicais. Inclusivamente cá em Portugal, visitei uma comunidade no Vale da Cervinda, que em tempos teve 50 elementos, agora tem 5, mas eles viveram lá e ainda vivem da agricultura e do que fazem. Portanto não é tão ficção quanto isso, simplesmente não está generalizado. E há uma no Alentejo, essa não consegui visitar, que tem para aí 200 membros. Fui beber um pouco a esses princípios, andei a ler sobre os kibbutz israelitas nos anos ’50, que tinham um bocado esse princípio de comunidades autónomas, que vivem da agricultura, autosubsistência, com hierarquias planas, igualdade entre homens e mulheres, que fui construindo até chegar ao que temos neste filme.
Quando estava a imaginar a história já era com o Diogo Amaral e a Joana de Verona em mente?
Não, de todo. Eu tinha um ator em mente quando estava a escrever e antes de partir para o processo de casting que era a Custódia Gallego.
Com quem trabalhou várias vezes…
Com quem trabalhei várias vezes, então “Ok. A Custódia vai ser a Rainha Beatriz, a mãe do Pedro.” e depois quando comecei a trabalhar com a Patrícia Vasconcellos, a diretora de casting, e a proposta foi “Vamos à procura”, inclusivamente tínhamos uma faixa etária entre os 18 e os 30, pois a minha ideia era ter um Pedro e Inês jovens, até porque eles eram mesmo muito jovens. Depois apareceu-me o Diogo no casting com 35 anos e eu lembro-me de pensar “Epá este gajo furou o limite! Mas tudo bem.” Não o conhecia de lado nenhum, nem televisão tenho em casa, não sabia o que ele fazia, só depois é que vi que este Diogo Amaral era o príncipe da Floribella, foi uma surpresa para mim, mas pronto, dá-me igual. A Joana de Verona, tinha pensado nela inicialmente quando estava a escrever, mas como a proposta era ir à procura, fomos à procura, e foi assim que se foi compondo este elenco. O Diogo ficou logo muito no início, eu pensei “É este gajo.”, mas não lhe dissemos nada, porque depois fomos chamando para fazendo o casting em conjunto com a personagem da Constança e da Inês com quem tinha muitas cenas. Foi-se compondo aos poucos aquilo que fazia sentido, uma boa química entre eles, até que cheguei a este casting. Mas partimos da estaca zero, basicamente.
Desde os tempos em que fez “Respirar Debaixo de Água” e “Embargo”, que mudanças sente que têm acontecido no cinema português?
Já passaram quase 20 anos desde o “Respirar Debaixo de Água” mas os orçamentos ainda são os mesmos. Lembro-me que o orçamento que tive na altura para a curta-metragem é o mesmo que hoje temos no ICA e as coisas não custam o mesmo. Mas eu diria que hoje em dia está muito mais pujante o meio. Infelizmente não se produzem tantos filmes quanto eu acho que se poderia produzir, mesmo com o dinheiro que há disponível. Eu sei que não temos muito dinheiro, então se compararmos com o resto da Europa não temos 1/4 do orçamento de um filme espanhol ou 1/10 de um filme francês, mas enfim, o país tem o dinheiro que tem, era bom que se produzisse mais. Menos dinheiro por filme e mais filmes e depois fazia-se parcerias com televisões ou algo assim, para obrigar as pessoas a investir, porque agora só a RTP é que tem obrigação, mas acho que hoje em dia se produz coisas muito diferentes.
Se virmos este ano temos desde o “Linhas de Sangue” do Graciano e do Pureza ao “Colo” da Teresa Villaverde. Não digo opostos, mas com linguagens completamente diferentes e acho que é isso que é bonito numa cinematografia, que a enriquece. Todos deveriam ter esse tal mínimo de apoio. A lei portuguesa já é uma coleta de várias fontes que reverte para o ICA. Depois o ICA é que está mais inclinado a apoiar filmes de um determinado género ou estilo narrativo, e isso é que acho que não deveria acontecer. Cada filme tem uma razão para existir e não faz sentido que uns tenham sempre de fazer filmes com dinheiro nenhum ou com o apoio do amigo e outros têm muito mais facilidades financeiras.
E a relação dos espectadores com o cinema português?
Também foi mudando, embora este ano as coisas não estão nada boas, e não é só com o cinema português. Pelo que tenho visto há um fenómeno generalizado de evasão do cinema, não sei se é agora com a Netflix. Por exemplo, no caso do “Pedro e Inês” acho que é um filme claramente de cinema, está desenhado para o grande ecrã, formato panorâmico com as lentes espetaculares da Panavision, ok, podem ver aquilo em pequeno, mas não é a mesma coisa. Já várias vezes se anunciou a morte do cinema, por exemplo com a chegada da televisão, e ele nunca morreu. Provavelmente estamos a passar por um período de adaptação que acho que não vai passar obrigatoriamente por essas invenções tecnológicas do 3D, que isso já está em declínio, e agora as cadeiras abanam e até acho isso um bocadinho patético, mas enfim isso é o capitalismo do negócio a funcionar. Acho que, curiosamente, poderá passar por filmes mais profundos que proporcionam uma experiência única que só terás se saíres de casa e te sentares numa sala de cinema em silêncio, sem o telefone a tocar, sem ires buscar à cozinha uma coisa para comer. Se calhar num futuro próximo o cinema sobreviverá mais à conta disso, experiências sensoriais profundas. É um enigma.
Agora está a preparar um próximo filme…
Sim, já o estou a escrever. Eu moro no Brasil a maior parte do meu tempo já há alguns anos e estou sempre a trabalhar em projetos paralelos, tenho uma produtora em que simplesmente produzo, não realizo e estou a preparar um projeto no Brasil e um projeto em Portugal, uma coisa a pensar na realidade de lá e outra a pensar na realidade daqui.
Os jornalistas costumam perguntar sempre qual foi a parte mais desafiante, mas afinal de contas há alguma parte fácil quando se faz um filme?
Epá, não há. Fazer cinema é duro como o caraças sobretudo quando tens pouco dinheiro, o que se traduz em pouco tempo. Filmámos em 7 semanas quando este filme precisaria de umas 9 ou 10. Estás sempre a correr para fazer os planos que queres fazer com o detalhe que queres fazer e essa talvez seja a grande diferença entre a televisão e o cinema. Nota-se muito os que fazem televisão e me dizem “Eu faço 20 cenas por dia” e nós mesmo a correr fazemos 3 a 4 cenas por dia.
Porque o formato é completamente diferente…
O formato e o nível de acabamento também é outro, por isso é que um ator tem uma performance completamente diferente no cinema e na televisão, o tempo para amadurecer, repetir, corrigir, discutir o que se está a fazer… Claro que a idade média foi particularmente difícil, mas mais por questões de produção, porque tinha muita figuração. Toda aquela história de vestir atores e figurantes, penteá-los, consumiu-nos muito tempo, e a parte dos efeitos visuais também, porque temos muito sangue. Eu até meio do filme jurei a um grande amigo meu responsável pelos efeitos visuais que é o Júlio Alves, “Júlio, acho que não faço mais filmes com sangue.”. Suja, depois tem de ir para guarda-roupa, voltar a montar aquela porcaria toda…
A continuidade é muito importante…
Pois, e ficava muito bem. Basicamente faltou-nos um pouco mais tempo, com mais dinheiro teríamos mais tempo. Mas o público não quer saber se tinhas muito ou pouco, o público está lá, vê, não há desculpa. Portanto temos de fazer bem com o que temos e se não há dinheiro para mais temos de alterar a cena e foi o que fiz muito, concentrei tudo. 80% da Idade Média foi feita num décor só, a Sé Velha de Coimbra foi igreja, foi palácio, foi jardim. Virava a câmara para um lado e era uma coisa, virava a câmara para o outro lado e era outra. Com a mesma calha do travelling fazíamos um plano para um lado e para o outro e foi assim que consegui fazer o filme.
“Pedro e Inês” vai estrear no dia 18 e apanha a Festa do Cinema entre 22 e 24 de Outubro…
É verdade, foi uma surpresa boa. Espero que o pessoal realmente adira e escolha um filme português para ir ver, porque sei que há filmes ‘pesados’ aí a estrear, mas espero que também aproveitem para ver cinema português. Acho que é um filme que pode comunicar bem com o público, mesmo não sendo uma comédia, mas também não são só as comédias que vendem. As pessoas querem ir ao cinema e ser surpreendidas, ninguém vai ao cinema para ver algo que já sabe o que vai acontecer. Em geral, o que se quer é uma coisa bem contada, relacionar-se com a história. A ver se o pessoal dá um voto de confiança.
“Pedro e Inês” já se encontra em exibição nos cinemas portugueses. Nos próximos dias o Cinema Pla’net irá publicar entrevistas ao elenco do filme.