O mais recente filme de Paul Thomas Anderson, Licorice Pizza, foi nomeado para três Óscares da Academia na passada cerimónia. Não arrecadou nenhum, mas isso não quer dizer que o filme não seja dos melhores do ano passado. Atrevo-me a dizer, o melhor?
Vagamente baseado em histórias e recordações da vida de Gary Goetzman, um amigo do realizador, este filme passa-se no início dos anos 70, em San Fernando Valley, e conta as peripécias de dois jovens, Gary Valentine e Alana Kane, enquanto tentam encontrar o seu caminho num mundo em mudança. O enredo em si pouco importa, aliás, é praticamente inexistente no sentido mais lato do termo. Não existe uma cadeia narrativa que liga todos os acontecimentos de uma forma clara. E é precisamente por isso que o filme resulta tão bem.
Uma viagem divertida e calorosa
Ver Licorice Pizza é como se estivéssemos a percorrer uma coleção de memórias de uma era passada. Não é um fio narrativo que conduz a história, mas sim a impulsividade, os devaneios e as fantasias dos personagens. Isto não funcionaria, claro, se não nos apegássemos às personagens, mas não é esse o caso aqui. P.T. Anderson não só concebeu duas personagens complexas, como escolheu dois atores que encaixam nos papéis de forma brilhante: os estreantes Cooper Hoffman, filho do falecido Philip Seymour Hoffman – frequente colaborador do realizador – e Alana Haim, que alguns podem conhecer da banda Haim, que integra com as irmãs – que também participam neste filme!
Cooper e Alana interpretam Gary e Alana, respetivamente, com uma inocência e vitalidade contagiantes, oferecendo um carisma imensurável a duas personagens que, de certa forma, estão sozinhas no seu próprio mundo. Gary é um jovem ator de 15 anos que finge ter 12 no grande ecrã e mais parece ter 30 pela sua autoconfiança. Alana, por outro lado, tem 25 anos (ou será 28?) mas parece ter parado no tempo desde o secundário, trabalhando como auxiliar de fotógrafo no dia das fotografias na escola secundária onde conhece Gary. Nenhum deles se encaixa nos moldes que a sociedade imprime, por isso, quando Gary se mete com Alana, com a sede insaciável de um adolescente mas a lábia de um adulto experiente, os dois começam a formar uma ligação inesperada.
“Do you think it’s weird I hang out with Gary and his friends all the time?”
“It is what you think it is.”
Um coming-of-age distinto
O casting é maravilhoso, não só porque os atores desempenham os papéis de forma imaculada, mas também porque eles estão longe de se parecer com estrelas formatadas de Hollywood. As espinhas na cara de Cooper, a beleza peculiar de Alana, o suor e os corpos imperfeitos, ajudam a criar a sensação de que estamos a ver pessoas reais à nossa frente, e não atores. Da mesma forma, as personagens agem, falam e comportam-se como seres humanos reais. São erráticas, por vezes até mesquinhas, mas, acima de tudo, profundamente humanas. De modo que nos revemos nas personagens, nas tolices da adolescência, na inocência da primeira paixão.
Esta prioridade por caras novas é contrastado com o elenco secundário, composto por brilhantes character actors e atores renomados em papéis pequenos, como Bradley Cooper ou Sean Penn, que injetam um humor imprevisível em diversas cenas hilariantes. Esta escolha não só funciona como uma referência ao facto de San Fernando Valley ser lugar de vários estúdios de cinema icónicos, como a Warner Bros e a Walt Disney Studios, mas também para enfatizar o isolamento dos protagonistas. São as únicas pessoas “reais” numa zona em que o Hollywood é dominante, e é tudo menos o glamour previsto. Assim, este filme é tanto acerca da Alana e Gary, como do louco mundo que os rodeia. E como eles descobrem que, no final de contas, as únicas pessoas em que podem confiar são um no outro.
Proeza técnica
Paul Thomas Anderson cria um verdadeiro caleidoscópio de nostalgia, com uma câmara sumptuosa, cores quentes e planos belíssimos. A banda sonora é espetacular e, melhor ainda, conjuga-se com a história de forma perfeita, criando sequências que ficarão na memória. Em suma, Anderson faz uso das melhores ferramentas à sua disposição para contar a história de dois jovens à procura de direção na vida. Tira um pouco de Fellini, um pouco dos irmão Coen, mas é uma obra de P.T. Anderson do início ao fim.
Licorice Pizza é uma obra desafiante, imprevisível e, às vezes, até surreal. A Academia nunca gostou de premiar comédias – infelizmente – mas se havia uma que merecia, era sem dúvida esta.