Jordan Peele realizou, à data, apenas três longas-metragens, mas é já visto como um nome superlativo dentro do género de cinema de terror americano. Isto deve-se muito ao estrondo que Get Out, o seu primeiro filme, causou aquando da sua estreia. Foi uma grande lufada de ar fresco, misturando a crítica social com um terror psicológico que descartava os clichês do género.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. Peele realizou Us em 2019, co-escreveu o remake do Candyman, produziu e serviu de anfitrão ao reboot de The Twilight Zone, e está envolvido em diversos projetos. O Jordan Peele que realiza Nope, é um Jordan Peele diferente daquele que abalou Hollywood em 2017. Mais maduro, mais em controlo das ferramentas cinematográficas, e talvez menos interessado na crítica social tão escancarada que permeia os seus filmes anteriores.
Capturar o espetáculo
Este filme abraça o espetáculo. Até porque, é acerca disso mesmo – da nossa obsessão em tornar o desastre num espetáculo do qual não conseguimos desviar o olhar. De facto, a narrativa assenta no seguinte: OJ Haywood e a sua irmã Emerald “Em” Haywood, proprietários de um rancho de cavalos treinados para produções cinematográficas, observam, uma noite, estranhos fenómenos a ocorrer no céu, e eventualmente chegam à conclusão que é uma espécie de OVNI (se estão certos ou errados, terão de ver para descobrir). Conclusão também suportada pela misteriosa maneira como o pai deles (Keith David, sempre impecável) morreu, através de fragmentos caídos do céu.
O que é que o casal de irmãos decide fazer? Se fosse outro filme, talvez adotassem uma postura heroica, tentassem salvar o mundo, ou algo do género. Nada disso – se é inegável que o filme, no último terço, adota uma postura mais grandiosa, quase épica, o começo do filme é bastante terra-a-terra e realista (aliás, o último ato não funcionaria se assim não fosse). Em e OJ decidem fazer o que qualquer pessoa normal faria – capturar uma imagem do OVNI, mostrá-la ao mundo e assim ganhar fama e reconhecimento. Uma imagem vale muito mais que mil palavras para os Haywood, que, apesar de se introduzirem como descendentes do jockey encontrado na primeira montagem de imagens usadas para criar movimento (um marco no desenvolvimento do Cinema), são tratados com desdém pela maior parte da indústria. A imagem (a “Oprah shot”) seria uma maneira de finalmente obterem a recompensa devida.
Elenco primoroso
Em boa verdade, este é mais o plano de Em do que de OJ – os vários momentos em que ele profere o título do filme (uma gag que nunca deixa de ser engraçada) demonstrando isso mesmo. Esta dinâmica entre os irmãos é, também, um dos grandes fatores de sucesso do filme. Daniel Kaluuya e Keke Palmer interpretam o estoico OJ e a extrovertida Emerald, respetivamente, de forma cativante e genuína, compensando até algumas deficiências do guião, que não desenvolve os personagens para além das suas caraterísticas iniciais.
O restante elenco não fica atrás. Steven Yeun traz carisma (e a sugestão de um trauma abafado) a Ricky Park, antigo ator infantil, agora proprietário de um parque de diversões. Brandon Perea e Michael Wincott completam o grupo principal, dando vida a personagens pitorescos (mas verosímeis) que alargam o escopo desta história. Esta é provavelmente a maior diferença entre os filmes anteriores de Jordan Peele e este: a escala grandiosa a que se propõe.
Comparações a Spielberg são sempre bem-vindas, e Jordan Peele deve estar orgulhoso de as merecer. Há referências a Jaws, Close Encounters of the Third Kind ou Jurassic Park, mas mais importante que isso, Peele reproduz sublimemente o sentimento de espanto e deslumbramento do velho mestre, a sensação de estarmos a ver algo impossível acontecer a nossa frente, algo que nunca vimos antes (pelo menos, não desta maneira). E para isso conta com a ajuda do diretor de fotografia Hoyte van Hoytema, que traduz as grandes ideias de Peele em imagens arrebatadoras, mais que merecedoras de se ver no grande ecrã.
Entretenimento ou comentário social?
Um defeito que se pode apontar é que o filme “planta” bastantes ideias que apontam para um desenvolvimento mais profundo que, no fundo, não acontece. Somos introduzidos a vários símbolos e camadas, que no fim de contas, não acumulam para um significado maior. Há, por exemplo, a certa altura um flashback que se estende por demasiado tempo dado que a sua relevância é pouca quando se olha para o panorama geral (ainda que a cena seja em si bem construída, salvo um elemento demasiado digital para o meu gosto). De facto, muitos dos temas levantados ficam simplesmente a marinar, sem um propósito claro. Nope é acerca de muitas coisas, mas não chega a dizer muito acerca delas.
Poder-se-ia dizer, assim, que o filme não cumpre o que promete. A razão que impede que isto seja um grande problema encontra-se no terceiro ato, quando o filme, revelando as verdadeiras ambições, escolhe, inequivocamente, o espetáculo em vez da profundidade temática. As questões filosóficas são postas de lado, dando lugar a uma narrativa ágil, semelhante a um clássico de ação/aventura de, quem havia de ser, Spielberg. É certo que a passagem de uma coisa para a outra é um pouco brusca, mas em geral, é um salto acertado (mesmo que os últimos 30 minutos se arrastem um pouco). E nesse momento, Peele, indubitavelmente, entrega o que promete. Se é ao custo de alguma complexidade temática extra, a que estamos acostumados com ele? Sim, mas diria que é uma troca em que saímos a ganhar, para bem ou mal.
Porque o que funciona, funciona extraordinariamente bem. Nope constrói um mundo detalhado que parece vivo, com referências que vão do cinema à pop culture (a menção ao programa Saturday Night Live é deliciosa), e personagens envolventes. É capaz de fazer rir tão facilmente como de aterrorizar (uma cena particularmente aterrorizante ficará certamente gravada na memória dos espectadores, especialmente aqueles com claustrofobia). É tudo o que um blockbuster devia ser – entusiasmante, ameaçador e inacreditável. Uma abordagem fresca aos filmes de invasão alienígena, que só podia vir do novo mestre do terror (e não só).