A história real do boxeur britânico Billy Moore passada ao cinema pelo realizador francês Jean-Stéphane Sauvaire, traz-nos a surpresa daquilo que não se diz ou daquilo que é dito sem palavras e muito do seu mérito reside precisamente nesse ponto.
Se dúvidas persistirem em relação a ir assistir a Prece ao Nascer do Dia, o facto de podermos ver em acção um dos elementos mais queridos dos Peaky Blinders pode muito bem ser a motivação que falta para dar um salto ao cinema.
Baseado na história real de Billy Moore e no seu livro de memórias campeão de vendas, conta-nos o percurso daquele cidadão britânico a viver na Tailândia até a uma das prisões de maior segurança daquele país asiático.
Billy, originalmente um boxeur no Reino Unido, acaba por enveredar pelos caminhos do tráfico de droga e daí à prisão são dois curtos passos. Será nesse espaço claustrofóbico que terá de aprender a lutar pela sua saída, enveredando pelo Muay Thai.
O que Prece ao Nascer do Dia nos mostra é precisamente o duríssimo dia-a-dia na prisão e, especialmente, a difícil convivência entre dois mundos em aparência muito distantes um do outro. Se, por um lado, estão em oposição culturas, línguas e vivências muito diferentes, estão também em oposição um homem contra todos os outros.
Nesse ponto, Billy aprenderá tanto o valor do silêncio e do isolamento como forma de ultrapassar a barreira da língua como também a adaptação à hostilidade e a construção de alianças emocionais que nunca construiu ao longo do seu passado.
Impressiona o facto de ao longo de cerca de duas horas de filme, não exista praticamente comunicação verbal e que a maioria do contacto seja feito através do pouco inglês que alguns dos intervenientes falam ou através de gestos, olhares, intuições.
Por isso, na maior parte do tempo é um filme extremamente sensitivo que se foca sobretudo em mostrar a fisicalidade, a violência, a incrível força do grupo ou grupos dentro da prisão, a facilidade com que tudo se resolve através do conflito. Filmar praticamente sem comunicação verbal é um feito que contribui para que Prece ao Nascer do Dia seja sobretudo para apreciar visualmente.
Contudo, um filme que tem todos os ingredientes para ser um clássico, acaba por desperdiçar os trunfos em duas horas de aborrecida e repetitiva acção que se plasma igualmente numa actuação desinspirada de Joe Cole, que, como sabemos, é suficientemente versátil para papéis diferentes daquele a que se encontra normalmente associado na série Peaky Blinders.
Não nos esquecemos, aliás, da sua passagem por Black Mirror e, por isso, é surpreendente que no papel do durão Billy Moore tudo não passe de um conjunto de lugares-comuns e expressões sem inspiração.
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Se fosse preciso resumir Prece ao Nascer do Dia não recorrendo à história verdadeira para que remete, não seriam necessárias muitas palavras porque a qualquer momento os protagonistas se envolvem em conflito físico intenso, frequentemente sem haver muitos argumentos ou razões para tal o que se torna aborrecido ao fim de escasso tempo de filme.
Claustrofóbico e violento, seria de esperar que fosse uma experiência intensa e inesquecível mas o que passa para fora da tela é o seu oposto, um filme que não consegue trazer frescura ou novidades a esta tipologia cinematográfica ou, para todos os efeitos, ao cinema em geral.
A opção do realizador francês pela realização sem artifícios, muito próxima dos protagonistas, sem tripé, simulando espontaneidade e crueza, poderia ter tornado um filme cheio de lugares-comuns e fórmulas repetidas numa outra obra mas o resultado são duas horas daquilo que já todos vimos em muitas outras idas ao cinema.
Recorrendo a actores amadores naturais da Tailândia, esse também poderia ser elemento diferenciador ou de ruptura mas que resulta apenas numa morna experiência em que as interacções soam a falso e é criada uma barreira natural entre o protagonista e os restantes personagens.
Dividido entre diversas opções, Prece ao Nascer do Dia nunca opta por ser verdadeiramente duro e cru, escondendo até algumas das sequências mais violentas, como as da sodomia ou das agressões de Billy a outros parceiros de crime. Nesse aspecto, apesar de direto no seu modo de aproximar estes temas não opta por ser verdadeiramente visual e explícito, preferindo colocar maquilhagem quando o filme claramente pedia para ser encarado de frente.
Claramente com cartas a dar, Prece ao Nascer do Dia deita a perder os seus trunfos por não acreditar suficientemente neles, por não querer ofender demasiado com a sua história ou por não ter coragem de se assumir. O final acaba mesmo por resgatar boa parte do filme, surpreendendo o espectador com uma presença inesperada e acaba por trazer a autenticidade e sinceridade que ficaram em falta durante as duas horas anteriores.