Há 30 anos atrás, o panorama televisivo era bem diferente daquele a que estamos habituados nos dias que correm. E depois, veio Twin Peaks…
A 8 de abril de 1990, ia para o ar o primeiro episódio de Twin Peaks na ABC, uma série que viria para revolucionar o mundo da televisão. Durante os anos 70 e 80, era comum o uso do termo Idiot Box para descrever a televisão, devido aos seus conteúdos desprovidos de qualquer complexidade, e cujo valor artístico era praticamente inexistente. Foi então que, através de vários acasos, surgiu da mente de Mark Frost e David Lynch uma ideia que viria a transformar-se numa das maiores séries de culto de todos tempos.
Twin Peaks distanciou-se completamente desse género de televisão, e trouxe um visual cinematográfico para o pequeno ecrã através da influência de Lynch. Antes de ser outra coisa qualquer, Twin Peaks é uma série que retrata vários aspetos da vida americana. É ao redor deste pano de fundo que se desenrolam incontáveis mistérios e as maiores bizarrias. O que torna esta série única, é a forma peculiar e sedutora com que liga a pura sensação de terror do sobrenatural às já famosas tropes dos romances de liceu, o mistério em volta de vários assassinatos, e até mesmo comédia situacional, da mais “leve” ao puro humor negro. Twin Peaks mistura com sucesso o que não é suposto ser misturado. Consegue, assim, abrir os horizontes do público e fazê-los consumir um conteúdo que, de outra forma, dificilmente consumiriam.
O maior feito da série, no entanto, é também o fio condutor de tudo o que nomeei acima. Falo do persistente ambiente sinistro, presente em cada esquina da pequena cidade de Twin Peaks, em todas as histórias, em todas as personagens, que parecem cada uma corresponder a um certo arquétipo distorcido. A própria natureza circundante ganha um papel de relevo. Paira sempre a ideia de que, a cada momento, muito está a acontecer por trás das câmaras. A cidade em si, não obstante os seus habitantes extravagantes e enigmáticos, consegue ser acolhedora.
Acabamos inevitavelmente por nos perder neste fantástico mundo e nos seus mistérios, e para isto muito contribui a banda sonora composta por Angelo Badalamenti, que nunca nos deixa relaxar por completo, relembrando-nos que o perigo é iminente. Os planos em que é filmado um cenário vazio, ou em que se verificam movimentos de câmara autenticamente persecutórios, são frequentemente uma premonição de que se avizinham momentos inquietantes. Visualmente, a série raramente foge dos amigáveis tons pouco saturados de laranja e castanho.
A atmosfera de Twin Peaks conquistou gerações, mas nenhuma tanto como a primeira, que teve o privilégio de discutir e desvendar estes mistérios semanalmente, em tempo real. Twin Peaks é uma experiência sensorial, e uma das maiores provas da teoria gestáltica que para compreender as partes é preciso, antes disso, compreender o todo.