“A Boy Called Sailboat” é o primeiro filme realizado pelo já veterano ator australiano Cameron Nugent e que conta nos principais papéis com o bem conhecido J.K. Simmons (“Whiplash – Nos Limites”, “La La Land”) e Jake Busey (“Predador”, “Stranger Things”).
Depois de ter feito o seu percurso pelos festivais de cinema, o filme estará disponível para download digital dia 6 de maio, como foi noticiado no Cinema Pla’net recentemente, apesar de já ser possível há algum tempo comprar online cópias físicas.
“A Boy Called Sailboat” é um filme de cariz independente mas relativamente ambicioso e é nesse preciso ponto que residem muitos dos seus pontos fortes e, simultaneamente muitos dos pontos fracos, o que não lhe retira mérito apenas acrescenta motivos para falar sobre ele.
Por um lado, representa um enorme esforço para encontrar entre as grandes desgraças os pequenos milagres e só por isso é uma obra de estreia que merece ser vista. O rapaz ironicamente chamado Sailboat e que dá nome ao filme, é o exemplo perfeito desse milagre que pode crescer no maio dos desertos.
Em “A Boy Called Sailboat” reside esperança e desejos, por entre a poeira do deserto, o medo dos bichos que comem a madeira da casa da família, as refeições repetidas todos os dias, a avó que vive os seus últimos dias.
Sailboat (Julian Atocani Sanchez) é menino mas também um barco à vela numa paisagem ressequida e morta e que sonha em ter um barquinho talvez para poder escapar ao seu inelutável destino ou talvez apenas porque esse é um sonho de vida em contexto de morte.
Para Sailboat, interessa apenas o objetivo de construir quando tudo à sua volta lentamente se desmorona: o carro de família sem portas, a casa inclinada que range a cada passo, a poeira que invade o humilde alpendre, a família que se encurta e prepara para o luto.
Para lá das desgraças, o filme tem a intenção de mostrar a vantagem na desvantagem e é por isso que os amigos que Sailboat ganha na escola e fora dela são aqueles que não nasceram num contexto vencedor mas vêem as suas capacidades limitadas virem a ser grandes trunfos no futuro.
Para o menino que não pisca os olhos, o dilúvio será bênção, para a menina que nasceu no tempo errado, o passado será o futuro e para Sailboat a falta de recursos não se sobreporá à sua enorme força de vontade em aprender a sua pequena guitarra encontrada no lixo.
Se esta mensagem é, de facto, um enorme trunfo para “A Boy Called Sailboat”, muita dela se dilui na tentativa de misturar uma série de conceitos e géneros que acabam por não se fundir de forma harmoniosa para o espetador.
Partindo de um perfeito ideal de realismo mágico que faz lembrar as grandes obras literárias dos autores da américa latina (basta lembrar o clássico “Cem Anos de Solidão”, para situar esta referência), “A Boy Called Sailboat” perde-se para o road movie sentimental norte-americano.
As tentativas de humor resultam relativamente frustradas, forçadas e antiquadas, a fazer lembrar as comédias norte-americanas dos anos 80 com risos enlatados e de que o personagem interpretado por Jake Busey, Bing, é o exemplo máximo.
Os atores envolvidos também têm prestações muito diferentes e díspares, em parte devido ao argumento pouco desenvolvido para certos personagens, e, por exemplo, J.K. Simmons que tem no filme um papel muito pequeno, destaca-se grandemente do restante elenco.
“A Boy Called Sailboat” é um filme de boas intenções que resultam um pouco desfasadas. O facto de se poder ansiar por um final feliz já é muito mais do que inúmeros filmes têm para oferecer e fazer sonhar quem o vê é um enorme trunfo.
O ritmo, por outro lado, nem sempre é consistente, passa-se muito tempo literalmente num deserto de espera e escassas falas que não são geridas de forma a que não restem espaços mortos ou incongruências na passagem de uma sequência para a outra.
Tecnicamente, “A Boy Called Sailboat” apresenta uma bela fotografia, perfeitamente consistente com o ambiente e o tema, lançando para quem o vê aquela sensação de dolência, calor e dureza da paisagem e das vidas retratadas.
Em última instância, contudo, é admirável o esforço de encarregar um menino pequeno de uma mensagem tão grande porque é dele que partirá o movimento transformador de todos os adultos que se encontram cristalizados nas suas vidas.
Vê também: “A Boy Called Sailboat” em download digital em maio
A música como grande motivador para a transformação é também uma forma belíssima de trazer outras cores ao mundo e ironicamente a canção que Sailboat compôs para a sua avó nunca é realmente ouvida pelo espetador, por isso o segredo fica sempre só na tela. Na realidade, não interessa o conteúdo daquela canção apenas os efeitos conseguidos e a sua capacidade de colocar homens e mulheres adultos emocionados e a promover pequenos milagres no seu dia-a-dia.
“A Boy Called Sailboat” é um filme competente e que tem tudo para ser mágico e transformador mas a magia que é a sua intenção não chega a transpor completamente as barreiras dos ecrãs. É como se algures a meio do processo se tenha querido fazer mais do que aquilo que era preciso porque a história tem tudo para ser vencedora.
O que é certo é que o sentimento não passa totalmente para o lado de cá e se existe um sem número de grandes elementos na sua construção, o que é admirável numa produção deste género, é certo que as intenções não tiveram a força suficiente para dar forma àquilo que esteve presente no processo construtivo.
O elenco, em geral, é competente e aceitável mas a presença de J.K. Simmons acaba por ser prejudicial quando deveria ser um trunfo porque demarca demasiado as diferenças das restantes prestações bem como a existência de falas de certas personagens que careciam de maior conteúdo e desenvolvimento.
A banda-sonora encontra-se no mesmo registo, por vezes um pouco repetitiva, não se destacando mas fazendo um bom trabalho no seu contexto. Algo que não se pode dizer, por exemplo, do som do próprio filme, que por vezes soa um pouco a amador, não querendo com isto dizer que o seja mas que o resultado é pouco encorpado, dimensionado.
No geral, é um filme com bons elementos que podiam e se esperava que resultassem melhor em conjunto mas a mensagem que carrega consigo é tão valorizável nestes tempos em que é preciso mais que nunca acreditar que isso acaba por fazer esquecer um pouco os elementos menos positivos.