Beautiful Boy – Doses silenciosas de paternalismo

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Mesmo com um texto acentuadamente real, “Beautiful Boy” é principalmente segurado pelas suas interpretações centrais, que elevam o mesmo além de um drama medianamente carregado.

Baseado nos livros de memórias dos próprios protagonistas ‘Beautiful Boy: A Father’s Journey Through His Son’s Addiction’ e ‘Tweak: Growing Up on Methamphetamines’, o filme acompanha um pai divorciado que lida com o recente e pesado vício em drogas do filho adolescente.

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Depois de deixar a sua marca com “Ciclo Interrompido”, o belga Felix van Groeningen aventura-se por um território não muito distante do seu cinema de autor, enquanto alcança o público americano (apesar do falhanço de bilheteira) e conta uma história comovente. Numa rápida análise externa, “Beautiful Boy” acha a sua particularidade sobretudo na bonita fusão entre edição e banda sonora.

Para além de uma estrutura narrativa bem organizada com flashbacks que não presumem a incapacidade compreensiva do público no geral (como costuma acontecer com típicos filmes sobre danificações familiares), o filme acha ainda uma imagem de marca com a sua música. Algumas mudanças de tom, mesmo abruptas à primeira vista, são seguradas graças ao encaixe precisamente que as músicas selecionadas conseguem encontrar quando colocadas em cena. Formar uma mixórdia musical que inclua diversos géneros desde heavy metal a música clássica de modo a que esta se torne fluidamente agradável junto com todo o tipo de sequências é algo que já outros realizadores tentaram (sem sucesso).

E não só com a edição. A música forma igualmente um eficiente casamento com o trabalho de câmara. A fotografia harmoniosa e moderada do belga Ruben Impens (“Raw”) desenvolve uma tranquilidade que destoa da própria história, achando um equilíbrio constante. O realizador orquestra alguns planos sequência estáticos muito bons, optando quando necessário por tradicionais over the shoulder que progressivamente se transformam em close-ups, devidamente enfiando a câmara na cara dos atores (ou de frente ou num ligeiro contre-plongée).

E, mesmo com alguns prejuízos no guião (da autoria do próprio realizador e do australiano Luke Davies, responsável pela mediana biopic “Lion”), “Beautiful Boy” consegue causar um impacto (emotivo e reflexivo) no público, sem (salvo uma infeliz exceção) recorrer à exposição barata demonstrativa do estado de espírito dos personagens. Claramente que o filme não seria o mesmo se não se beneficiasse da química e dotes dramáticos do Steve Carrel e do Timothée Chalamet, cuja relação entre pai e filho convence não apenas graças aos genuínos momentos de choque entre uma parentalidade ingénua, silenciosa e excessivamente paciente de um desorientado progenitor com o temperamento explosivo e previsivelmente dramático de um adolescente com falta de chapada. O que é acrescentado aqui é a pureza das cenas mais vazias (no melhor sentido da palavra).

O filme não procura preencher os espaços mais calados e reservados com artifícios que já estragaram outras biografias. Ao invés, Groeningen deixa a câmara a filmar, e os momentos de maior ternura falam por si. Muitas vezes, aliás, praticamente só com o uso de palavras mundanas. Sabe-se que um filme é bom quando parece que estamos a ver pessoas reais na tela. Quando temos a vontade de berrar dois sermões nos ouvidos dos personagens que não agem corretamente.

E é aqui que entram as interpretações. O Steve Carrel já provou mais que uma vez que é um ator com uma enorme bagagem dramática. No que toca ao tom e até à fisicalidade, o seu personagem não diverge muito do que este fez em “Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos”. É mais um retrato de uma figura carismaticamente passiva, mas (como já referi) em demasia. O personagem tem um óbvio amor incondicional pelo filho, mas nunca faz um esforço para fazer frente ao mesmo. É um pai sem quaisquer armas de afirmação, credibilidade ou imposição de respeito. Por outras palavras, é tolo, ingénuo e extremamente otimista… logo imperfeito, como qualquer pai acaba por ser.

O Timothée Chalamet consegue, com um estável carisma, fazer o estereótipo do adolescente revoltado, infantil e vitimizado funcionar muito bem. Em certa medida, contrariamente ao que se costuma ver nos filmes coming of age, o personagem consegue ser mesmo detestável. Demonstra-se egoísta e indiferente face ao sofrimento na sua família provocado por si. A interpretação definitiva da sua carreira vai continuar, a ser a em “Chama-me Pelo Teu Nome”, ainda assim. No entanto, o jovem ator certamente acumulará futuras excelentes performances como esta.

Beautiful Boy

No entanto, o mesmo não se pode dizer do restante elenco. Na sombra das duas fortes interpretações centrais, diversos elementos do elenco são reduzidos (aí sim) a estereótipos do género. A Maura Tierney tinha um potencial para desenvolver a sua personagem além da madrasta tipicamente compreensiva e calma. Sobretudo porque, findo um arco inteiro de inatividade, esta tem uma cena aleatória e inútil (na falta de melhores termos). A Kaitlyn Dever é absolutamente desinteressante, vazia e inútil. Esta serve apenas para demonstrar exteriormente os efeitos noviços da droga, depois de contar (bem, por sinal) a versão do personagem do Timothée Chalamet.

As cenas mais impactantes são indiscutivelmente nas clínicas de reabilitação, e aquelas que envolvem de alguma maneira drogas (metanfetaminas, heroína, cocaína, erva). Não é um filme tão pesado como “Requiem for a Dream”, com certeza, mas consegue fazer um bom retrato de um jovem em negação e com vícios graves e de um pai desesperadamente preocupado e à procura de ajuda.

O par infantil Christian Convery e Oakley Bull, mesmo competente, podia deixar uma maior marca que fosse além das pequenas cenas ternurentas do núcleo familiar. E a Amy Ryan foi o maior desperdício. Trata-se apenas da ex-mulher inconveniente. As cenas dela que apelam para um maior sentimentalismo são completamente inconsequentes. Se um personagem masculino em específico fosse retirado, dar-se-ia mais espaço e propósito para a personagem. Resolvia-se dois problemas em um. Aliás, espaço foi um problema. O filme tem exatamente duas horas e parece mais longo. Verificar o relógio numa sala de cinema nunca é bom sinal. Excluindo-se personagens e algumas cenas vazias, encurtar o filme para 90 minutos (ou mesmo menos) era simples.

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