Não é a primeira vez que o “Esquadrão Suicida” aparece fora do contexto dos comics onde teve origem.
Desde séries live action, desenhos animados e mesmo videojogos, há sempre uma versão do tão infame grupo, cuja presença acaba sempre por influenciar quem o assiste.
Já é do conhecimento geral que as críticas não favoreceram muito a versão de David Ayer, apesar de o filme já ter acumulado cerca de 465 milhões de dólares em bilheteiras. Os trailers prometiam um elenco único, personagens memoráveis e um enredo como nunca outro, mas acabaram por não superar as espetativas que a audiência tinha, ficando o filme muito atrás de outras adaptações.
Na verdade, apesar das várias adaptações do “Esquadrão Suicida” se diferenciarem em termos de personagens, enredo, motivações, entre outras, há um filme animado cuja história é muito parecida com do filme de David Ayer. “Batman: Assault on Arkham” foi lançado em 2014, uma versão animada que se encontra dentro da continuidade da série de videojogos “Arkham”. Ambos os filmes são bastante parecidos, mas é a forma como a história, as personagens e a ação são apresentadas que difere entre ambas as versões.
Neste artigo, ambas as versões serão comparadas, tendo em atenção todos os aspetos que as compõem. Serão analisados aspetos como personagens principais, secundárias, enredo, ação, com o objetivo de perceber não só qual das versões é superior, mas também ver o lado bom e mau de cada uma delas.
História
A história de ambos é muito parecida, e um dos motivos principais para a realização deste artigo. Em “Esquadrão Suicida”, uma agente dos Serviços Secretos, Amanda Waller, decide recrutar um grupo de criminosos para missões de alto perigo, as quais poderão resultar na morte de alguns dos membros. Devido à implementação de um explosivo na nuca, nenhum dos membros do grupo tem escolha senão aceitar acatar as ordens de Amanda. A premissa é bastante simples, e a história teria sido muito bem executada se se tivesse mantido desta forma, deixando que o carisma do grupo preenchesse as lacunas que restavam. Contudo, a introdução da Enchantress como vilã principal e a história do Joker e Harley Quinn à mistura tornaram o resultado numa mixórdia de acontecimentos que se enrodilhavam entre si e causavam uma grande confusão.
Já “Batman: Assault on Arkham” prefere jogar pelo seguro e manter-se pela premissa simples. Um grupo de criminosos é recrutado por uma agente dos Serviços Secretos chamada Amanda Waller, que os coloca na missão de se dirigirem a Arkham Asylum e recuperar uma pen drive que está na posse de Riddler, um dos mais notórios vilões do Batman. A razão para esta missão está no facto de que Riddler já fez parte do grupo de Waller, e a pen drive contém informações confidenciais sobre o esquadrão, que Riddler ameaça tornar públicas. Uma premissa básica e direta, sempre rumo ao objetivo, mudando exatamente quando deve mudar e nunca sobrepondo histórias que pouco ou nenhum peso têm no filme.
Personagens: Deadshot
Floyd Lawton é dos membros do grupo que praticamente aparece em quase todas as variações do “Esquadrão Suicida”, senão em todas, numas mais memorável que outras. E neste caso, terei de dar um ponto ao filme de David Ayer. Embora muita gente tivesse argumentado que Will Smith era muito “ele próprio”, devo afirmar que não consigo imaginar melhor ator para interpretar o infame pistoleiro. Aqui, Deadshot é mais explorado, mais humano, vêmo-lo várias vezes com a filha e sabemos o quanto ele a adora e o que é capaz de fazer para que nada lhe falte. Will Smith consegue interpretar um assassino impiedoso com grande mestria, fazendo uso do seu genuíno sentido de humor e mostrando variadas emoções ao longo de todo o filme.
Já o filme animado, infelizmente, prefere torná-lo mais bidimensional. É também uma boa personagem, mas o que o motiva a cumprir a missão é somente o facto de querer viver a todo o custo. Talvez devido ao tempo reduzido do filme e do equilíbrio que cada personagem tem em termos de personalidade, Deadshot foi colocado no mesmo patamar de importância que a maioria dos restantes do grupo, acabando mesmo por ser ultrapassado pela performance da Harley Quinn.
Personagens: Harley Quinn
Ao contrário de Deadshot, ambas as versões conseguem recriar uma Harley Quinn em grande parte fiel àquilo que a personagem originalmente representa. Em “Esquadrão Suicida”, Margot Robbie interpreta a personagem com grande profissionalismo, e consegue mesmo por-nos a rir com as suas tiradas hilariantes. É, de facto, uma parte muito importante do grupo, mostrando grande descontração e sentido de humor por vezes negro, mas muito refinado. Contudo, o que estraga tudo é a sua relação com Joker, facto que será explorado mais à frente.
Na versão animada não há muito a apontar em relação a esta personagem. A Harley Quinn é divertida, sádica, gosta de se meter com todos os membros do grupo e ainda tem uma pequena relação com Deadshot, que não passa de uma noite. Resumindo, ambos os filmes conseguem criar uma personagem divertida, fiel à sua contraparte original e com um memorável carisma.
Personagens: Amanda Waller
Há por vezes uma ideia de que o nível de bondade ou maldade de uma personagem pode ser medida através da sua aparência física, algo que, felizmente, se começa a esbater. Contudo, ainda há alguma tendência em categorizar uma personagem com base na sua aparência antes das suas motivações, acabando por criar mal-entendidos. E é nisto que o “Esquadrão Suicida” consegue superar no que toca à personagem Amanda Waller. Interpretada por Viola Davis, Amanda pode não ter a melhor aparência do filme, mas as suas ações ao longo do enredo fazem-nos esquecer tais trivialidades. Aqui, Amanda é a verdadeira vilã do filme, apesar de a história tentar distribuir esses papeis também pela Enchantress e Joker. Ela é manipuladora, ameaçadora, entra em ação e acaba por ser uma parte ativa na missão.
No filme animado, Waller possui um pouco das mesmas características que a sua contraparte, embora tenha um pouco mais de ameaçadora que a personagem de Viola Davis. Contudo, os criadores pareciam preferir caracterizá-la de uma forma mais abominável através do seu aspeto físico, já que a personagem não iria tornar-se numa parte ativa. Nesta versão, a sua maldade e aparência estão equilibradas, mostrando uma pessoa feia, morbidamente obesa e com feições muito carregadas. Vê-se que foi uma aparência criada para, logo à primeira vista, o espetador sentir repúdio pela personagem, antes mesmo de a poder julgar pela sua personalidade.
Personagens: Captain Boomerang
Já foi aqui falado das partes removidas do filme que tornavam o Captain Boomerang um autêntico racista e sexista. Na minha opinião, esses aspetos teriam tornado a personagem mais interessante e dinâmica, dando lugar a diversos tipos de interações com o restante elenco. Contudo, preferiram torná-lo num vilão com algumas tiradas engraçadas, presentear-nos com o running gag do unicórnio de peluche e mostrar as suas habilidades. E só. Ainda o vemos a interagir com Katana, como que a forçar algum interesse amoroso que nunca iria acontecer, mas nem mesmo esse aspeto foi explorado no filme.
Não podemos dizer que o Captain Boomerang da versão animada seja muito melhor. Ambos estão ao mesmo nível, embora devido à melhor química entre os membros da equipa, é possível vê-lo em interações mais convincentes com os companheiros. Há ainda uns poucos momentos em que ele e Deadshot se desentendem e há até mesmo uma cena muito interessante em que os dois entram numa pequena competição de dardos. Aparte disso, não há muito mais a dizer desta personagem.
Personagens: Restantes membros da equipa
Os restantes membros do “Esquadrão Suicida” diferem entre versões. No filme de David Ayer, para além das três personagem que ambas as versões têm em comum, conhecemos também El Diablo, Killer Croc e Slipknot. Para além destes três, o grupo completa-se com Rick Flag (um agente ao serviço de Amanda) e Katana (guarda-costas e amiga de Flag). Tirando os dois “lacaios” de Amanda e Slipknot (cuja presença no filme não chega sequer perto dos dez minutos devido ao facto de ter sido introduzido apenas para morrer pouco depois), apenas El Diablo e Killer Croc são dignos de referência, e mesmo assim, este último não teve grande peso significativo. Por isso, ficamo-nos com El Diablo, que se mostrou uma revelação pela positiva, devido à sua história de vida e à culpa que carregava às costas. Tudo isso fez com que todo o seu desenvolvimento fosse uma lufada de ar fresco, principalmente quando tirava os holofotes do Deadshot e da Harley Quinn e fazia alguma coisa pelo grupo. As suas ações ao longo do filme fizeram com que o seu sacrifício valesse imenso.
A versão animada envia o grupo numa missão sem quaisquer escoltas (nada de Rick Flag ou de Katana), e o restante elenco sempre me pareceu mais interessante. Para além dos três já referidos nos pontos anteriores, o grupo completa-se com Killer Frost, King Shark, Black Spider e KGBeast. E, sejamos francos, existe algum paralelismo entre algumas destas personagens e as da versão live action: KGBeast é a contraparte de Slipknot apenas no facto de que serviu apenas para desafiar Amanda e pagar com a vida, e King Shark é em aparência parecido com Killer Croc. Black Spider permaneceu durante um pouco mais no filme, mas a sua personalidade misteriosa impediu-o de desenvolver antes de conhecer o seu fim. Killer Frost e King Shark conseguem ter bastante química desde o início, quase como que sugerindo um possível interesse amoroso entre ambos. Estas duas personagens estão bastante fortes ao longo do filme, interagindo com todos os restantes membros do grupo e ainda abrilhantando as cenas com o seu sentido de humor.
Personagens: Joker
E eis que chegamos à personagem mais influente das duas versões. Independentemente do tempo de antena que Joker teve no “Esquadrão Suicida”, é inegável o impacto que teve no filme. Jared Leto teve uma performance que, apesar de não ter ultrapassado interpretações como a de Heath Ledger, Mark Hamill ou Jack Nicholson, esteve muito bem conseguida, causando mesmo desconforto em algumas partes do filme. No entanto, a sua presença no contexto do enredo em pouco ou nada pesou. Apenas esteve presente durante a apresentação da Harley Quinn, alguns flashbacks da mesma e uns poucos minutos durante o enredo principal. Aqui, a relação entre ambos foi tida como complicada, mas ao mesmo tempo romântica. Harley também tem uma fixação pelo Joker nesta versão, mas este fascínio é correspondido, facto que me confundiu bastante. Era difícil para mim acreditar que o Joker alguma vez iria mergulhar no tanque de químicos para tirar de lá a Harley, ou mesmo que ele se colocaria numa posição perigosa para salvar a companheira. Como foi especulado na minha crítica do filme, a relação dos dois foi adaptada de algo incrivelmente tóxico e perturbador para algo romântico, de forma a agradar quem não tolera violência contra mulheres. E é assim que o politicamente correto estraga uma personagem.
Já o Joker da versão animada não é distorcido desta forma. Dobrado pelo grande Troy Baker, este Joker consegue ser assustador e hilariante ao mesmo tempo, quase nos fazendo acreditar que estamos a ouvir a voz de Mark Hamill. Aqui, a presença dele acaba por dar uma volta gigantesca no enredo, acabando por comprometer a missão do esquadrão. E ao contrário da versão de David Ayer, a relação entre Joker e Harley mostra-se tão tóxica e obsessiva como sempre foi. Joker nunca faz uma tentativa para ir ter com a companheira, e quando ambos se encontram, este provoca-a com memórias das coisas que lhe fez, sempre com um sorriso sádico no rosto. Quando Joker se liberta da sua cela e parte para dificultar a vida ao esquadrão, Harley vê uma oportunidade para voltar para o lado dele, acabando por ser mais uma vez agredida. Apesar de Harley se ter safado bem sem a presença do Joker, mal este surge em cena, ela muito facilmente quebra e acaba por fazer tudo para no fim do dia estar de volta ao seu querido, mesmo sabendo o que tal acarretaria. Pois a relação entre ambos baseia-se apenas no sentimento de submissão da Harley pelo Joker e na ideia de posse que Joker tem sobre a Harley, e deverá ser sempre assim.
Ação
Ambas as versões têm boas cenas de ação, mas o maior problema em “Esquadrão Suicida” está na forma como essas cenas são apresentadas. Todo o filme é demasiado negro, pesado, e impede-nos de ver muitas das cenas de luta com clareza. A câmara mexe-se constantemente e muitas vezes ficamos sem saber o que aconteceu. A fraca edição também não ajuda. A maior parte das vezes nem percebemos como é que os inimigos são derrotados, ou sequer os conseguimos ver claramente. No entanto, não quero com isto dizer que a ação no filme é horrível. Há momentos muito bem conseguidos, como as cenas de luta do El Diablo, mas no geral podia ter sido muito melhor.
“Batman: Assault on Arkham” possui ação até dizer chega, e está muito bem conseguida. A animação é fluída e mais fixa, e as cenas são mais iluminadas, permitindo-nos ver toda a ação. O confronto de Batman com o esquadrão é muito emocionante, com o Cavaleiro das Trevas sempre atento a todos os perigos que vinham de qualquer lado. Pela altura do clímax do filme, quando Joker liberta os prisioneiros de Arkham, é muito bom ver os clássicos vilões como Bane, Poison Ivy e Scarecrow causarem o pânico em todo o lugar e serem derrotados ou pelo Batman ou pela polícia de Gotham. A luta final entre Joker e Deadshot é bastante emocionante e sangrenta, com ambas as personagens a dar luta numa coreografia muito bem desenhada e animada.
Conclusão
Está mais que claro que ambos os filmes têm virtudes e defeitos que podiam ser melhor trabalhados. O que um tem a mais, o outro peca por falta do mesmo. “Esquadrão Suicida” teve bastante tempo para o desenvolvimento de personagens e de uma história mais complexa e rica em pormenores. Contudo, o excesso de drama presente nas histórias de Deadshot e Harley Quinn deixaram para trás algumas personagens que poderiam ter sido mais bem aproveitadas. Há algum desenvolvimento no relacionamento de Rick Flagg e June e na história de El Diablo, mas as performances de Will Smith e Margot Robbie roubam muito do spotlight.
“Batman: Assault on Arkham” é exatamente o contrário. Cria desde muito cedo um bom ambiente de equipa e deixa que cada personagem se desenvolva ao seu ritmo, levando o espetador a ganhar carisma pelo elenco. Tudo isto criou algumas falhas, como o facto de que a história de Deadshot e a filha não foram de todo desenvolvidas, e o relacionamento de Harley e Joker não ter sido mais aprofundado, mas por outro lado talvez tivesse sido pelo melhor. A presença de Batman nesta versão foi muito bem vinda, e trouxe bastante dinamismo para o filme, ao contrário da versão de David Ayer em que o Cavaleiro das Trevas apenas aparece nas cenas de introdução de Deadshot e Harley.
Resumindo, “Esquadrão Suicida” e “Batman: Assault on Arkham” são filmes com as suas coisas boas e menos boas. Muitos colocam o filme animado acima da versão de David Ayer, outros deixa-nos bem equilibrados. Quanto a mim, tenho de confessar que se não fossem os vários problemas do “Esquadrão Suicida”, este e o filme animado estariam no mesmo patamar, podendo ambos serem apreciados por aquilo que seriam.