O filme da saga “Predador” realizado por Shane Black é conceptualmente brilhante. Todavia, no final, deparamos-nos com uma confusão sangrenta e sim, divertida, mas também um vislumbre daquilo que poderia ser realmente.
Há faíscas do agressivo humor negro de Black, e o seu estilo visual combina bem com a brutalidade e visceralidade que está presente no original de ’87, mas há pouco disto. A falta duma história com sentido e personagens memoráveis, bem como humor mal introduzido, resulta em algo não muito coerente.
O filme começa, portanto, com uma nave dos Predadores a cair na terra. O piloto dessa nave tem um confronto com o soldado Quinn McKenna (Boyd Hollbrook) e os seus homens, que termina com McKenna a escapar com equipamento e armadura do Predator em questão. Eis que chega Traeger (Sterling K. Brown) e a sua divisão do governo para tomar posse da nave e do alien, e também levar McKenna para a prisão militar – não antes deste conseguir enviar a tecnologia roubada para o seu filho Rory (Jacob Tremblay).
Vê ainda: “The Nun – A Freira Maldita” – Melhor que o desastre anunciado
Logo este ínicio divide o filme em três partes na sua maioria… McKenna e um grupo de veteranos que também se encontram encarcerados por diversos delitos; Rory e os seus novos brinquedos; Traeger a fazer tudo que pode para recuperar a tecnologia desaparecida. Cada uma destas histórias tem potencial, seja pelos personagens presentes ou pela intriga de o que realmente está aqui a fazer o Predator. Mas no fim nenhuma delas acaba por combinar bem, por falta de uma sólida estrutura narrativa.
Comecemos pelo mal mais simples, a história do governo. Esta acaba por não ir a lado nenhum, não fazendo qualquer sentido, é um enchido que não cabe neste prato. O filme começa e avança rapidamente, mas com tanta coisa a passar-se sem percebemos porque raio nos havemos de importar. Por vezes até é bom não nos preocuparmos com a absurdidade… Mas não quando à custa disso deixamos de lado uma história com pés e cabeça. Por exemplo, a parte do filme sobre o governo foca-se tanto em nos oferecer antiga e nova informação sobre a raça dos Predators, como eles se adaptam e como os humanos precisam de confrontar esta invasão, que o ritmo rápido e aceleração morrem aos poucos ao longo do filme.
A cereja podre neste bolo com bolor, é que Traeger parece um vilão saído dum desenho animado dos anos 80. O seu diálogo claramente vil, o seu vício em pastilhas de açucar e o seu uso excessivo da palavra “F” deixam-no sem qualquer nuance possível ao ponto de não o levarmos a sério seja como um ser humano, seja como uma ameaça.
Rory, no entanto, é um personangem um tanto intrigante. É uma criança autista que embora tenha os clássicos problemas de bullying, também possui a habilidade de descodificar tecnologia alien. Faz-nos lembrar como no filme original vamos descobrindo algo novo sobre os antagonistas ao mesmo tempo que Dutch e respetiva equipa. No entanto, essa é a extensão à qual chega o desenvolvimento de Rory… Pois embora nos forneça uma pura ingenuidade, as suas descobertas não são assim tão interessantes. Para não falar que são poucas ou que assim que são mencionadas são de imediato esquecidas.
O bando de soldados é dos components que funciona no filme: Holbrook, Trevante Rhodes, Keegan Michael-Key, Thomas Jane, Alfie Allen e Augusto Aguilera ofrecerem uma irreverente assembleia de anti- heróis. As piadas tendem a pisar território “sem gosto” e fora de tom. Uma ou outra até pode ser ofensiva para alguns, mas a habilidade dos atores que dá-lhes charme e carisma.
Quanto a Olivia Munn, não só resulta como cientista que organicamente se integra na história e com os soldados, mas também é bom vê-la como alguém que se encontra no centro da ação apesar do claro medo das criaturas, em vez de uma clássica donzela em apuros. De facto, é das personagens que o argumento ajuda mais. Como a personagem que vai juntando as peças das descobertas que fazem sobre as criaturas do espaço, o argumento embora cheio de buracos lógicos, não tira valor ao que ela oferece ao filme.
A ação em The Predator justifica a existência do filme. Encontra-se perfeitamente no meio dos estilos da saga. Brutal, sangrenta e muito bem filmada, como queremos que sejam as nossas sequências de acção. Principalmente se forem à noite, e neste filme muitas delas são. As sequências têm energia, momentos excitantes e oferecem criatividade, talvez a maior porção de criatividade desde o original. Contudo algumas destas sequências perdem uma quantidade do seu possível impacto, seja por nos focarmos em reacções em vez de acções, seja por mandarem uma piada que mata de imediato qualquer suspense, ou por muitas vezes serem confrontos entre humanos e não necessariamente um conjunto de humanos a unir forças contra um Predator, o que é uma pena porque quando nos dão isso é quando o filme funciona melhor.
The Predator é desapontante, sim. No entanto, isso deve-se ao facto de que esta saga começou com um dos maiores filmes de ação de sempre, juntando este género adorado do cinema com sci-fi e terror, oferecendo-nos uma das criaturas mais icónicas do cinema, assim como o facto que em 2010 voltamos a ter esperança que esta saga voltasse à ribalta com Predators. Mas este filme tem o seu valor como uma aventura cheia de adrenalina numa mistura de ação/sci-fi. Essa é a qualidade que nos mantém entretidos. Não é um filme que mereça méritos maiores, mas mais um daqueles filmes de pipoca com o qual desligamos o cérebro por duas horas, desfrutamos e nos lembramos apenas dos pontos altos quando acaba.