Ele Vem à Noite | Ótimo terror prejudicado por marketing enganoso

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“Ele Vem à Noite” é um exemplo de um ótimo filme de terror prejudicado por um marketing enganoso – adorado pelos críticos e odiado pelo público casual.

“Ele Vem à Noite” começa num cenário pós-apocalíptico. Uma família luta pela sobrevivência face a um vírus altamente contagioso. Quando outra família desconhecida pede refúgio, estranhos fenómenos começam a acontecer.

O filme foi escrito e realizado pelo americano Trey Edward Shults e esta é apenas a sua segunda longa metragem, depois do ótimo directorial debut que foi “Krisha”, de 2016 (disponível na Netflix). E, tal como Krisha”, “Ele Vem à Noite” é um filme subjetivo, é uma visão pessoal do realizador sobre diversos assuntos. Depois de assistir a algumas entrevistas e declarações do próprio, soube que este começou a escrever o filme durante o adoecimento do seu falecido pai. Por isso, nota-se o enorme interesse em explorar determinados temas mórbidos aqui.

O filme foi desprezado por grande parte do seu público devido aos posters e trailers, que prometiam algo que o realizador nunca esteve disposto a mostrar ou sequer a perder tempo a desenvolver. “Ele Vem à Noite” vai desiludir e irritar muita gente por causa disso, enquanto deslumbrará cinéfilos sedentos por algo diferente e mais original. Lembram-se de “A Bruxa”? Pois é, o caso foi exatamente o mesmo.

Por muito bons que filmes como “A Evocação”, do James Wan, possam ser, é sempre preferível que filmes de terror coloquem perguntas sem respostas certas e que mantenham o mistério após o seu visionamento ou depois de se discutirem teorias. O Trey Edward Shults desenvolve os seus personagens, o seu conflito e os diversos plot holes que não recebem conclusão alguma. Este afirmou que omitiu deliberadamente muita informação que apenas ficou na sua cabeça. Mas porquê?

Fundamentalmente, “Ele Vem à Noite” é um filme sobre medo, sobre a paranóia coletiva, sobre o pânico surgente dos pesadelos que “vêm à noite”, sobre mentiras, desconfianças crescentes no meio de desconhecidos e, claro, sobre o desespero de uma família e a sua respetiva luta pela sobrevivência. É verdade, já muitos filmes abordaram estes temas, mas nenhum desta maneira.

O realizador enfia a câmara na cara dos atores e usa diversas resoluções de planos para tornar o filme o mais claustrofóbico possível. Há até uma ligeiramente plausível discussão sobre a realidade em que acreditamos, à lá Inception”. No entanto, o engenho técnico do realizador não é nada limitado. Face aos inúmeros planos fechados, existem muitos outros largos planos da densa, áspera e assustadora floresta. Os planos apertados são novamente usados dentro daquela casa cheia de camadas e revelações. Os corredores são estreitos e, devido à quase ausente iluminação, o medo gerado é ainda maior.

Ver também: “Waves” – Uma viagem íntima entre o abismo e a esperança!

A fotografia do estreante Drew Daniels é impressionante. As composições capturadas são memoráveis e, dentro de toda a falta de vivacidade daquela atmosfera pós-apocalíptica, o vermelho é chocante e muito interessante. E a banda sonora do também estreante Brian McOmber, mesmo não muito memorável, contribuiu para aquela rápida sensação de desconforto praticamente sempre presente.

O elenco está impecável! O maior destaque é o Joel Edgerton, que se tem superado em cada filme que faz. Não será com este, mas o ator ainda vai ganhar um Óscar! Esta, sem dúvida, é uma das suas melhores interpretações até hoje. O seu personagem é um rígido e extremamente cauteloso homem de família preocupadíssimo com a manifestação da desconhecida peste/doença e que, posteriormente, segue as suas regras religiosamente. E por muitas atitudes imorais que este tome, é impossível ficarmos 100% contra ele, pois sabemos que este quer somente proteger quem ama.

O Kevin Harrison Jr. está ótimo! O personagem lembrou-me muito o do Daniel Kaluuya, no filme “Foge”, deste ano. É o olho do público, este sabe exatamente tudo aquilo que sabemos e é impossível não criar um senso de jornada com ele. As suas incertezas e surpresas são iguais às do público.

Já a Carmen Ejogo podia ter uma participação mais significativa. Ela tinha potencial para se tornar numa personagem com mais peso, mas infelizmente recebe pouco tempo face ao seu talento. Felizmente, a Riley Keough e o Christopher Abbott fornecem uma maior carga de mistério muito bem-vinda à trama e são uma excelente dupla, contribuindo assim para o estudo proposto.

“Ele Vem à Noite” é um exemplo perfeito de como se deve fazer um bom e independente filme de terror sem apelar aos clichês mais baratos do género. Tem ótimas interpretações, um bom estudo central e um terceiro ato irretocável.

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