“Gambito de Dama” é uma minissérie da Netflix, com Anya Taylor-Joy no papel de Beth Harmon, o prodígio do xadrez.
Baseado no livro de Walter Tevis, Gambito de Dama conta a história de Beth e do seu talento para o xadrez. Da cave do orfanato, para o topo do mundo, tudo em 7 episódios muito viciantes.
Depois de “Godless – Sem Deus“, a Netflix decidiu encomendar Gambito de Dama a Scott Frank, colocando-o como realizador, argumentista e produtor. É de relembrar que Frank já foi nomeado duas vezes para Óscar (Logan e Romance Perigoso). Para esta série, William Horberg serviu como produtor executivo (O Talentoso Mr. Ripley) e Anya Taylor-Joy foi a escolhida para o papel principal. Esta série tem tudo para correr bem, certo?
Certo. A nova minissérie da Netflix é absolutamente viciante! Ver peças de madeira a deslizar num tabuleiro não produz propriamente uma série para nos deixar colados ao ecrã. E nem estou a contar o facto de não perceber nada de xadrez!
Mas da última vez que me interessei por este jogo, Ron Weasley ganhou à Professora McGonagall e o Harry conseguiu recuperar a pedra filosofal! Portanto, decidi dar uma oportunidade a esta Rainha e foi uma óptima decisão.
Gambito de Dama tinha tudo para dar uma série complexa, desafiante a nível intelectual até. No entanto, Frank decidiu ir muito mais além dos 64 quadrados do tabuleiro. Esta é a história de Beth, que Frank decidiu começar com o clássico flashback – Beth está a jogar a partida da sua vida, quando a sua mente começa a correr e vemos como era a sua vida 10 anos antes.
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Beth, com 9 anos (aqui interpretada por Isla Johnston) é mais uma órfã que vive na Casa Methuen para raparigas. Desde muito cedo que os vícios tomaram conta da vida de Beth – tomava “vitaminas” no orfanato todos os dias. Quando Beth entra na cave do contínuo Shaibel e vê um tabuleiro, é imediatamente atraida para jogar. Shaibel não é uma personagem calorosa, é reservado e gosta de estar sozinho.
No entanto, depois de muita teimosia, aceita Beth como sua “aluna” de xadrez e até lhe patrocina a sua primeira inscrição num torneio. Apesar de só ter tido meia dúzia de falas, Shaibel (Bill Camp) é sem dúvida uma das personagens mais marcantes da série. Afinal, é ele o primeiro mentor de Beth.
Beth fica uns anos no orfanato até ser adoptada por Alma Wheatley (Marielle Heller) e o seu marido (Patrick Kennedy), este muito ocupado e que parece que só quis adoptar Beth para manter a sua mulher ocupada.
Novamente vemos aqui outra personagem com grande impacto na vida de Beth – Alma. Esta não é a mãe exemplar, mas não se consegue sentir nada senão pena dela. Alma é mais uma dona de casa dos anos 50, que não pode ser muito mais do que isso devido a todos os estereótipos da época. Quando ela descobre o talento de Beth para o xadrez e os consequentes prémios monetários, propõe ser a sua representante. A partir daqui, vemos finalmente outra Alma – feliz (talvez pela primeira vez na vida), na companhia de Beth, a viajar e a fazerem bom dinheiro.
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Enquanto as duas percorrem a América em torneios, cabe a Taylor-Joy de mostrar ao espectador o crescimento de Beth. Taylor-Joy confia nesta personagem e no argumento brilhante da série para deixar o espectador colado, e resulta perfeitamente. Há muitos momentos sem fala, especialmente quando ela joga xadrez. Mas a cinematografia e a banda sonora encaixam perfeitamente aqui, completadas pelos olhares intensos que Beth lança ao tabuleiro.
À medida que vemos Beth mais velha, Taylor-Joy acompanha este crescimento brilhantemente, mudando a sua maneira de andar, vestir, responder e até de jogar. Parece que foi natural, visto que crescer no ecrã é um processo complexo, mas o talento da actriz ajudou muito a fazer a transição de Beth adolescente para adulta.
Esta transição para a vida adulta na companhia de Alma trouxe as suas desvatagens. Alma gostava demasiado de beber álcool, fumar cigarros e tomar comprimidos, sendo que Beth seguiu este exemplo facilmente. Beth tem bem consciência que tudo isto pode perturbar o seu desempenho no xadrez.
É este caminho da auto-sabotagem que também torna esta série cativante: nós sabemos que Beth se vai tornar uma estrela do xadrez, enquanto luta com o seu problema. Nós sabemos que ela vai ganhar as partidas (ou pelo menos quase todas), o suspense da série não vem dos jogos em si. Vem de como é que Beth ganha, por quê e qual o próximo adversário.
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No entanto, este Gambito ainda sofre de algumas cenas desnecessárias. Se calhar esta minissérie poderia ter sido transformada num filme. Gostei imenso da performance de Thomas Brodie-Sangster como Benny, o rival que se torna amigo. Tive pena de não o vermos tanto no ecrã, para mais momentos desta amizade-amor-ódio entre Benny e Beth.
Gambito de Dama não é uma série sobre o desporto ou um suspense sobre que jogada vem a seguir. Entre a loucura e o génio, esta série é o percurso de Beth até ao topo do xadrez. É um caminho cheio de obstáculos, a maioria colocados pela própria, o que resulta numa série viciante e cheia de emoções.
A performance de Anya Taylor-Joy, combinada com o argumento brilhante e a criatividade de Frank tornam esta série num must-watch da Netflix!