Terror é um óptimo veículo para temas com uma profundidade imensa. “Hóspede Indesejado” é mais uma prova de que este é um dos géneros mais completos do cinema.
O filme de estreia de Remi Weekes está disponível na Netflix desde 30 de Outubro.
Depois de uma estreia bombástica no Festival de Cinema de Sundance, obtendo um lugar cativo em muitas das listas dos melhores filmes que passaram pelo festival desse ano, “Hóspede Indesejado” foi adquirido pela Netflix e chega agora ao serviço de streaming.
Mas será que valeu o investimento?
“Hóspede Indesejado” é escrito e realizado por Remi Weekes, sendo esta a primeira longa-metragem do realizador. Protagonizado por Sope Dirisu e Wunmi Mosaku, esta é a história de um casal de imigrantes ilegais que vem uma nova oportunidade de vida como os instalam numa nova casa. Porém, depressa se apercebem que os seus fantasmas os perseguem até ali e terão de os enfrentar para poder ganhar uma nova oportunidade para viver.
Este filme é mais um claro exemplo de que, às vezes, as traduções dos títulos originais para português tiram totalmente o seu impacto. Enquanto que a versão portuguesa – “Hóspede Indesejado” – transmite efectivamente uma noção terrorífica daquilo que poderá ser o filme, o título original – “His House” – é muito mais amplo, mais simbólico e abstracto, especialmente quando vimos o filme e percebemos os temas explorados pelo enredo.
Quase que parece que quem deu o nome ao filme em português não se deu ao trabalho de o ver.
“Hóspede Indesejado” não é um filme focado no terror, em imagens macabras e grotescas para fazer o espectador não conseguir dormir à noite a não ser com a luz acesa. Apesar de ter momentos assombrosos e terroríficos, este não é, de todo, o foco da história.
Esta é uma história sobre síndrome de sobrevivência, sobre a culpa de seguir em frente quando outros não tiveram essa oportunidade. É potente tanto no seu storytelling visual como na sua mensagem, servindo-nos uma montanha-russa de emoções em apenas 90 minutos, trazendo-nos arrepios e lágrimas no espaço de minutos.
Condensado e sempre intenso, muito do impacto final reside no facto de termos como protagonistas dois actores tremendos, tão naturais nos seus papéis que nos duvidar se não estamos a presenciar algo assustadoramente verídico. Especialmente Sope Dirisu, que demonstra uma variedade de capacidades teatrais imensa, colocando muitos actores conceituados a um canto.
Mas a grande magia de “Hóspede Indesejado” provêm do trabalho cénico e de como Weekes consegue envolver literalmente a casa no mundo metafórico da história. À medida que tudo se vai descontrolando e a relação entre o casal aproxima-se mais perto de uma ruptura, a casa serve como um elemento físico para simbolizar o estado psicológico e sentimental do casal, com todas as suas pelagens e crateras nas paredes. A casa torna-se uma personagem do filme e, talvez, a mais importante para o filme.
Numa época tão conturbada no que toca a imigração ilegal, Weekes não fecha os olhos ao tema e dá uma nova perspectiva sobre este tema. Mostra que estes imigrantes são pessoas que precisam de ajuda, com os seus próprios problemas e que, muitas das vezes, não conseguem lidar com a sorte que lhes pode aparecer à porta. Em partes tenebroso e em partes dramático, “Hóspede Indesejado” pede que não fechemos os olhos aos que mais necessitam de ajuda.
Remi Weekes demonstra nesta sua estreia no mundo do cinema uma voz própria, um pulso firme na realização e uma visão refrescante mas pintada por muitas influências. Ele nunca deixa quebrar a tensão, oferecendo excelentes momentos de terror, sem nunca tirar o foco naquilo que realmente importa – o drama por detrás de tudo.
Para quem espera ver aqui um filme de terror mainstream e de fácil digestão, este não será o caminho ideal. “Hóspede Indesejado” tem tanto de assustador como de emocionante, conseguindo equilibrar-se na corda e conseguir contar uma história relevante num género de cinema tão perturbador como este.
O verdadeiro terror reside na realidade, nas escolhas que fazemos e como conseguimos lidar com o que a vida nos dá. Remi Weekes percebe isto e, assim, oferece aquele que, muito possivelmente, será visto como um dos melhores filmes de terror do início desta década.
“Hóspede Indesejado” está disponível na Netflix.