José Pedro Lopes e a sua “Floresta das Almas Perdidas”

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José Pedro Lopes é um produtor e realizador português que tem vindo a ganhar notoriedade no ano passado. Muito graças a “A Floresta das Almas Perdidas”. O Cinema Pla’net conversou um pouco com José onde ficamos a saber um pouco mais sobre a misteriosa floresta.

Para quem não te conhece, podes falar um pouco sobre ti?

Sou o José Pedro Lopes, trabalho numa produtora que é o Anexo 82, fundada há dez anos atrás. Temos feito curtas-metragens de há dez anos para cá e no ano passado lançamos a nossa primeira longa metragem, “A Floresta das Almas Perdidas”, que é uma combinação de drama com terror que foi lançado em diversos festivais e agora no cinema comercial.

Como te envolveste em cinema?

Eu cresci no Porto nos anos 90, tive um irmão mais velho que me induziu o gosto por cinema. Dentro disso também, durante esse período o Fantasporto era um festival muito popular na cidade e era o único sítio onde conseguias ver filmes que não eram de Hollywood.

Cresci a ver filmes asiáticos e europeus de terror um bocado extremos e fora do vulgar, o que fez com que tivesse ganho um gosto pelo cinema fantástico. Sempre gostei de cinema e de expressão artística, no geral (sendo o cinema a única área à qual me dedico).

Antes d'”A Floresta das Almas Perdidas”, gostarias de destacar alguma obra que tenhas feito? 

Entre outras curtas que fiz, se calhar a curta que mais me influenciou foi “Videoclube” que é realizada pela Ana Almeida e escrita e produzida por mim. Nós exploramos um bocado o lado de fazer um filme que fosse “autoral”, mas que apelasse ao grande público e que fosse algo escrito do coração.

Diria que essa é a minha maior referência, sendo que nós também já filmamos muitas outras curtas de terror que influenciaram um bocadinho esta longa metragem de terror.

De onde surgiu a inspiração para a história em torno d'”A Floresta das Almas Perdidas”?

A floresta em si é inspirada numa floresta que existe no Japão no sopé do Monte Fuji. É Aokigara, que significa “Mar das Árvores”. Sempre achei muito interessante o facto de essa floresta ter evoluído para ser um sítio de atração turística e de culto da cultura popular contemporânea.

José Pedro LopesDepois eu queria fazer um filme que pegasse bastante na cultura dos telemóveis, redes sociais e da informação fácil e supérflua. E portanto a “Floresta dos Suicídios” fez sentido já que foi uma coisa que correu mundo. É um tema muito popular nos dias de hoje.

Também quando decidimos fazer um filme de terror a nossa ideia era, como tínhamos visto as curtas que já que íamos fazer produções pequenas e sem financiamento, se fizéssemos um filme de terror português se calhar conseguiríamos chegar lá fora. E a verdade é que antes de termos distribuição cá, já tínhamos distribuição nos EUA e na Alemanha.

Portanto também houve algum planeamento desse lado. Pensamos “Ok, isto é o que conseguimos fazer bem e há um público lá fora que pode ter interesse nisto”.

Como surgiu a ideia da história ter, por assim dizer, três partes diferentes? Primeiro começa por ser mistério, depois vira um thriller e por fim uma introspeção sobre a mente e estilo de vida da antagonista. Porquê esta escolha de rumo dada à história?

Por um lado, o facto de a história ser tão compartimentalizada permitiu-nos abordar essas partes como se fossem curtas-metragens do ponto de vista de produção. Por outro lado eu também queria que já que o filme ia ser uma aposta nossa, arriscada e sem grandes limites do que nós poderíamos fazer, eu tinha vontade de fazer um filme que mudasse de protagonista.

José Pedro LopesPara mim a antagonista, a Carolina, nunca é verdadeiramente quem protagoniza o filme, só na reta final. E por outro lado, também, ainda temos um filme onde tinhas uma personagem que inicialmente era interessante e da qual as pessoas gostavam, mas depois passa a ser um vilão, mas depois na reta final percebes que esse vilão nem sequer interessante é. Digo, é uma pessoa estúpida e que faz mal aos outros porque sim.

Onde foi a localização das filmagens e porquê a escolha desse local?

José Pedro LopesA narrativa passa-se entre Bragança e Espanha. Nós só filmamos uma parte nessa zona, que foi no Lago Glaciar de Sanábria, Zamora. Tudo o resto foi filmado na realidade na Serra do Caramulo ou Vila do Conde que tem zonas florestais grande perto do Porto. Há só alguns planos que são da zona do Montesinho e de Sanábria.

Que tipo de receção tem tido o filme? Em que festivais já foi visionado? Que galardões já ganhou? Podes-me falar um pouco do feedback que tens recebido?

O filme estreou no Fantasporto. A partir daí conseguiu alguma visibilidade junto de vários festivais internacionais, sendo que o que fez mais diferença foi o ter participado no Festival de Cine Fantástico de Bilbao, onde ganhei o prémio de melhor filme, assim como no Festival de Cinema de Sydney que é um festival do FIBAF (Federação Internacional de Festivais de Cinema) que são festivais que digamos que são mais relevantes.

A partir daí, por participar nesse festival, tive uma crítica muito positiva na revista Variety e em muita imprensa norte-americana o que permitiu que eu chegasse a muito público nos EUA e na Alemanha. Desde então as coisas foram-se puxando umas para as outras, fui ganhando diversos prémios, nomeadamente o de Melhor Realizador do Festival de Cinema de Brooklyn e Melhor Realizador no Festival de Cinema de Manchester.

Dia 12 de outubro o filme estreou em Portugal nos cinemas (em 5 salas), tendo depois feito um circuito de cine-teatros. Paralelamente já começou também a estrear internacionalmente. Geralmente a estreia do filme tem sido em serviços estilo o da Netflix ou em meio digital. Na Suécia e nos EUA o filme  fez também um circuito de cinema em contexto cineclube.

Tens algum projeto futuro que gostasses de partilhar?

A nossa produtora está de momento a acabar duas curtas-metragens e estamos a desenvolver novos projetos que iremos tentar financiar, sendo que nós fazemos muito trabalho para outras produtoras (somos bastante especializados em pós-produção), mas eventualmente temos o plano de tentar fazer uma nova longa metragem, nomeadamente nas linhas desta. Vamos aprendendo com tudo o que fizemos mal e com financiamento por nós.

Achas que a área de cinema está a começar a ter futuro no nosso país?

Eu acho que o cinema português nos últimos anos tem mostrado muitos sinais de diversidade, algo que lhe faltava. Acho que “bom” ele sempre foi, mas dificuldade em chegar ao público acho que continua a ter, especialmente aquele que não tem uma linguagem de “muito grande público”.

Mas diversidade tem ganho sem dúvida. Eu acho que mesmo se formos ver os filmes portugueses dos últimos anos que têm sido mais interessantes. Falo de filmes como “As Mil e Uma Noites” ou o “Tabu” ou até o “São Jorge” (embora seja abertamente mais comercial).

São filmes que eu acho que são interessantes, têm qualidade, mas são filmes que também são para todos os gostos. Aquela ideia antiquada de que os filmes portugueses são elitistas acho que já não se aplica. Acho é que o público ainda não se apercebeu disso.

Tendo em conta o tema com que o filme abre, achas que (quer em produções nacionais quer em produções internacionais) ainda há alguma polémica e até um constrangimento em abordar o tema do suicídio?

Sim. Acho que o suicídio é uma temática muito complicada, acho que inclusive o nosso filme usa o suicídio como um mecanismo para explorar ideias um bocado retorcidas e complexas mais ligadas à psicopatia. Não é um filme muito definitivo em relação à temática do suicídio. Acima de tudo é um filme sobre maldade.

Mas reconheço que o suicídio é um tema que é muito complexo quando é abordado. Como é o caso daquela série “13 Reasons Why” que abordava esse tema e que lhe fez muita justiça, mas que apesar disso tinhas sempre as pessoas que viam aquilo como algo que poderia ser mau e perigoso, enquanto que outros podiam ver aquilo como sendo educativo.

Acho que essa série aborda o tema mais a fundo enquanto que o meu filme é apenas mais um contexto. Mas vejo que muita gente, entre as pessoas que não gostaram, uma das coisas que referiam era a ideia de que o suicídio é uma área sensível o suficiente para um serial killer “meio parvo” de um filme estar a gozar com isso. Mas isso é parte da postura agressiva que o filme pretendia ter.

Concordo ainda assim que é um tema no qual o cinema tem muita dificuldade em pegar e até mesmo a literatura tem esse constrangimento. Temos os livros da Viriginia Wolf que têm um estímulo muito grande ligado ao suicídio e muita gente considera que ela tem um tipo de leitura que deve ser reservada e contextualizada, “porque é perigosa”. Portanto concordo que é um tema complicado.

Mas és a favor de que se um filme tiver que mostrar uma situação de suicídio a acontecer, deve ser mostrada, ou deve ser atenuada?

A nossa sociedade nunca ganhou nada com tabus, nem com esconder coisas. Acho que de uma forma ou de outra, mostrar as coisas e falar sobre elas ajuda a desmistificar. E no caso do suicídio geralmente é uma coisa que surje de muita solidão.

Se calhar ver o tema desconstruído num filme, ou talvez ver reconstruída uma série estilo “13 Reasons Why” se calhar ajuda mais as pessoas que estão a lidar com isso a verem que é uma coisa que confunde muita gente e que tem muito que se lhe diga. No meu caso, a nível pessoal, para mim eu queria um filme que transmitisse um bocado o efeito destrutivo que o ato tem para a família quando isso acontece.

Eu não acho que isso seja algo que impeça alguém de deixar de o fazer, não é? Visto que isso não deixa de ser uma decisão pessoal e que não tem bem a ver com a consequência dos outros. Muitas das vezes essas decisões vêm de um lugar de solidão onde as pessoas se pensassem nas consequências dessa ação, viam que afinal não estavam assim tão sozinhas, ou pelo menos não iriam ser tão indiferentes aos outros. Mas isso não deixa de ser um tema muito complicado.

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