É o mês de junho e isso significa que estamos a celebrar o Mês Pride! Para isso resolvi partilhar com vocês a minha breve entrevista com o argumentista Gonzalo Maza, conhecido pelo filme ‘Uma Mulher Fantástica” que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Era outono e eu fui convidada a assistir a uma sessão especial do filme em Haymarket em que a sala estava completamente cheia e onde Gonzalo Maza iria dar um Q&A. O filme conta a historia de Marina, uma mulher que tenta lidar com a morte do seu companheiro e que reflete o conflito entre a sua vida privada e a família do homem de quem amava. Um filme simplesmente maravilhoso e que aconselho vivamente a verem.
Vê também: Let’s Talk #59 – Duarte Grilo, pelos caminhos da ficção portuguesa
Uma das coisas que me fascina sempre é como um artista começa a sua jornada. Em que momento a pessoa escolhe ou se apercebe que isto é aquilo que querem fazer. O que o fez escolher ser argumentista?
A minha formação é em jornalismo e eu acho que há uma semelhanças entre o jornalismo e o argumento no sentido em que ambos contam historias. E aprendes a identificar uma boa historia. Até que eu percebi que queria contar historias mas não conseguia escrever livros ou contos e como sempre amei Cinema e o processo de fazer Cinema era algo que eu queria seguir a certa altura então decidi tentar. Comecei a trabalhar em séries de TV, mas eu aprendi muito a fazer estes dramas, era bastante simples: esta é a historia que quero contar, estas são as personagens que quero desenvolver e esta é a estrutura. Aprendi muito!
A sua colaboração com o realizador Sebastián Lelio já conta com quatro filmes, como começou esta relação artística?
Tornamo-nos amigos. Ele estava a ter imensos problemas a tentar escrever o próximo filme e estávamos a jogar raquetebol todos os dias até que eu um dia disse-lhe que se ele estava a ter tantos problemas em escrever talvez fosse boa ideia fazermos uma equipa a ver se ajuda. Entretanto passaram-se dez anos e já fizemos quatro filmes juntos (risos).
“Uma Mulher Fantástica” é uma história contada de forma tão única. O que o fez querer contá-la? No Q&A falou da perda do seu pai, algo que eu e alguns dos meus leitores poderão compreender.
Eu nunca tive terapia ou um/a terapeuta mas há decisões em ti, coisas que estão na tua mente e eu acredito que escrever ajuda a compreenderes coisas que não conseguias compreender antes, coisas que achas que compreendias mas que nunca confrontaste. E eu gosto disso na escrita, estás num sitio seguro. O mais importante é escreveres sobre aquilo que é importante para ti e que queiras mesmo explorar. Como se houvesse algo ali que queres mesmo descobrir, ir nessa direção. Não estás a evitar, estás a confrontar e isso faz com que aprendas bastante.
Nós escritores ouvimos imenso a frase “Escreve o que sabes”. Eu sempre achei que talvez devêssemos escrever sobre o que queremos saber. Como interpretas esta frase?
Talvez seja verdade, no fim de contas tens que partilhar emoções e nós conhecemos emoções. Talvez essa frase não seja sobre a tua própria historia ou alguém próximo. Talvez seja sobre escreveres sobre uma emoção que conheces, uma sensação que tenhas. E talvez seja útil porque assim que sentes essa emoção ela foge de ti. Mas estás a escrever uma historia e não uma emoção, tens que ser capaz de escrever uma historia com essa emoção!
Escritores enfrentam vários desafios, desde procrastinação ás constantes dúvidas no seu próprio talento, que desafios enfrenta Gonzalo Maza?
Eu tenho tido imensa sorte de trabalhar com um excelente realizador que também é um grande amigo. Acho que o maior desafio é que ele é bastante exigente mas na maior parte das vezes é porque ele sabe o que quer. Quando escreves o teu maior desafio é não perder o foco daquilo que realmente queres. Ás vezes tens várias ideias e precisas de preencher com aquilo que precisas. Talvez isso seja o maior desafio porque não queres parecer inútil, queres contribuir. Quando és o escritor/realizador podes dizer “O meu trabalho terminou” mas quando escreves para outra pessoa é essa quem tem que dizer quando o teu trabalho terminou e tu não queres sentir que não és bom suficiente.
O que te inspira? Haverá algum trabalho em que olhes e penses “Quem me dera ter escrito aquilo!”?
Há centenas! Eu costumava ser um critico de Cinema e vi filmes toda a minha vida. A minha mãe tinha uma loja de videos quando eu era miúdo e eu vi tantos filmes! E eu tenho colecionado vários momentos de filmes que eu amava. Eu costumo reviver esses momentos como por exemplo o “E.T. O Extraterrestre”, eu posso ver esse filme a qualquer altura e choro sempre. Mesmo agora que sou um adulto! E porquê? Porque há uma emoção nesse filme…(perde-se nos pensamentos) Na verdade o Cinema tem esse poder, de criar emoções na audiência que poucas formas de arte conseguem. Talvez a Musica seja o mais similar. Quando lês a tua mente está a racionalizar o que estás a ler e estás a construir algo com a tua imaginação. Mas no Cinema estás a construir algo para criar uma emoção e eu acho que tenho vindo a colecionar essas emoções do Cinema e volto sempre a elas. Pergunto-me “Como é que isto resultou?” e tento desconstruir mas depois percebo que é outra coisa e volto ao mesmo! (risos)
Eu e o Gonzalo Maza despedimo-nos pois já o estavam a chamar para ir para outro evento. Foi um breve momento mas muito importante para quem, como eu, se sente intrigada pela arte da escrita. Gonzalo Maza tem um novo filme onde não só é o argumentista como também o realizador. Espero que tires um tempinho e vás ao cinema ver! Conta com o Cinema Pla’net para saberes mais pormenores.