Mar Infinito é a estreia de Carlos Amaral na realização de uma longa metragem. Após servir como artista de efeitos visuais em vários filmes e séries, e ter realizado três curtas, apresenta agora este sci-fi introspetivo, ainda em exibição em alguns cinemas.
O cinema de género é um pouco mal-amado no nosso país. Temos um ou outro título a cada par de anos, mas nunca tem muito tração. Se o público em geral pouco vê de cinema português, ainda menos quando este não se encaixa num género mais convencional. Para além disso, a ficção científica é talvez dos géneros mais caros, o que torna ainda mais difícil este tipo de filme ser produzido. Este filme, no entanto, prova que não é preciso um orçamento descomunal para criar um filme cativante e interessante dentro do rótulo “sci-fi”.
Melancolia e solidão
Mar Infinito conta a história de Miguel (Nuno Nolasco), um jovem preso num futuro desolado, onde a promessa de uma nova vida em Proxima Centauri deixou a Terra quase deserta. Ele tenta continuamente hackear o sistema de forma a ser selecionado para a viagem, mas sem sucesso. Um dia, conhece Eva (Maria Leite), uma mulher que, assim como ele, se sente deslocada. E é esta relação, que se revela profundamente íntima, que o vai fazer reavaliar o seu lugar no mundo.
Contado assim, até parece simples, mas a verdade é que o filme de Carlos Amaral é tudo menos linear na sua storytelling. Entre sonhos, memórias, analepse e prolepse, o filme envolve-nos numa experiência quase metafísica, menos preocupada em ter uma narrativa sólida, e mais em criar uma atmosfera transcendente. Com efeito, por vezes não é claro o que é sonho ou o que é memória, tal é a abstração que percorre o filme a partir de um certo ponto. Não que isso seja um aspeto (apenas) negativo: é certo que para grande parte do público, o estilo contemplativo e lento deste filme não vai ser do seu agrado. E, verdade seja dita, muitas vezes revejo-me nessa fatia do público. Contudo, considero que neste caso, o filme justifica a sua eventual morosidade, de modo geral.
O lugar do ser no universo
O tom e ritmo do filme transportam-nos para a subjetividade do protagonista, alguém que vê a vida a passar-lhe ao lado e encontra-se num estado isolado. A natureza onírica e vagarosa do filme, assim, faz-nos mergulhar neste mundo e questionar-nos acerca das ideias que propõe. Num aspeto macro, o lugar do individuo no Cosmos (e o lugar do Cosmos no individuo), e num aspeto mais social, abrange esta geração, que não vê grande futuro num mundo cada vez mais afetado pelas alterações climáticas.
Isto é brilhantemente representado pelas belas imagens que recheiam a obra. Começando logo pela sequência inicial, que entrelaça o Homem e o universo, com as bolhas de água a virarem estrelas, e o corpo o cosmos. Os visuais são, sem dúvida, o aspeto mais bem conseguido desta longa-metragem. Conseguem transmitir eficientemente a escala, o sentimento e o simbolismo dos conceitos de forma esteticamente atraente. Da mesma forma, os efeitos visuais são irrepreensíveis, do melhor que já se viu no cinema português.
Em termos estéticos, o filme vai beber de várias fontes. Desde Her de Spike Jonze, a Gattaca de Andrew Niccol, a inspiração é visível em elementos como o vestuário e caraterização (a aparência de Miguel a fazer lembrar o Joaquin Phoenix no filme de Jonze), até ao estilo visual e tom melancólico. Estas referências podem ser, por vezes, demasiado flagrantes, mas, ao longo do tempo, o filme adquire uma identidade própria.
A história perde-se no seu próprio “mar infinito”
Onde o filme mais peca é no último terço. O discurso existencialista, que até então, com algumas exceções, estava intrigante e estimulante, acompanhado por belas imagens, começa a cansar quando a narrativa perde embalo, perdendo-se no meio de sonhos e banalidades filosóficas. Nota-se a falta de um gancho narrativo mais forte, indicando que se calhar o filme funcionaria melhor como uma curta-metragem. No entanto, a componente visual está tão espetacularmente bem conseguida que, por outro lado, merece fazer parte de uma longa no grande ecrã.
E ainda bem que assim é. Se se perde no seu próprio universo em termos de argumento, ao menos fá-lo com grande competência nos outros aspetos. A atuação dos atores nunca é menos que empenhada, notando-se um grande nível de química entre os dois. E o que a história passa, no fundo, é a relação profunda entre estas duas pessoas, que procuram um sentido para a sua vivência quando toda a gente os deixou para trás. Uma alegoria para uma geração, algo que só a ficção científica tem o poder de criar desta forma.