Abordando temas tão falados no momento, consegue “Mulheres ao Poder” prender o espectador e ser original?
O filme conta a história verídica do concurso Miss Mundo de 1970, evento que atingia grande audiência na transmissão televisiva, sendo um dos programas mais populares do mundo.
No protagonismo de “Mulheres ao Poder” temos Keira Knightley encenando Sally Alexander com grandes diálogos políticos, junto de Jessie Buckley brilhantemente no papel de Jo Robinson. Greg Kinnear é o anfitrião da cerimónia, desempenhando o papel do comediante Bob Hope.
Gugu Mbatha-Raw, na pele de Jennifer Hosten, também merece destaque, embora durante quase todo o filme a sua personagem passe em demasia uma imagem de inocência, para a relevância da situação. Porém, a personagem lá ganha mais consciência do impacto e triunfo dos acontecimentos no terceiro ato do filme “fazendo as pazes connosco”.
A realizadora Philippa Lowthorpe, que sempre leva uma outra visão sobre o olhar de protagonismo nos seus trabalhos, gosta muito de trabalhar os temas do feminismo e da discriminação racial, algo que se mostra cada vez mais necessário nos dias de hoje.
“Mulheres ao Poder” mostra bons diálogos sobre padrões de beleza, como por exemplo, nas cenas de competição do filme, cujo desfile competitivo é comparado a uma feira de gado:
« O único outro fórum em que os participantes são pesados, medidos e examinados publicamente antes de receberem o seu valor é num mercado de gado. »
[Keira Knightley, Sally Alexander]
A banda sonora conta com os ingleses Tindersticks e com o músico, compositor e instrumentalista Dickon Hinchliffe, que nos entregam uma ótima trilha nos momentos de maior importância do filme. Por outro lado, os cartazes, a direção artística e o guarda-roupa estão muito bem elaborados, levando-nos para outra época. Impossível não vibrar junto dos gritos de guerra.
Há porém alguns aspectos em que o filme é impreciso na sua recriação dos acontecimentos verídicos. Por exemplo, ao contrário do que “Mulheres ao Poder” encena, não foi Eric Morley que sugeriu duas concorrentes – uma branca, outra negra – pela África do Sul, de forma a apaziguar a pressão da imprensa. Antes disso já o próprio governo sul-africano tinha tomado a mesma decisão. Também foi motivo de controvérsia o facto da concorrente do Brasil ser branca, quando mais da metade da população é negra.
“Mulheres ao Poder” parte de uma perspectiva assumidamente anti-concursos de beleza e os seus ideais de sobrevalorização do aspecto físico das mulheres. Contudo, também aposta em mostrar o ponto de vista das concorrentes, o que foi uma grande jogada.
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Sobre os factos:
- A edição de 1970 do concurso Miss Mundo realizou-se a 20 de Novembro desse ano no Royal Albert Hall em Londres, Inglaterra. 58 concorrentes de quatro continentes disputaram o ceptro, culminando na vitória surpreendente de Jennifer Hosten, Miss Grenada. Hosten, uma hospedeira de bordo com 23 anos, tornava-se assim a primeira mulher negra a conquistar o troféu.
- O evento foi marcado pela controvérsia, antes, durante e após a cerimónia. Logo na escolha das concorrentes, o insólito aconteceu: A África do Sul, então no apogeu da sua política de apartheid, indicou duas concorrentes, uma branca, Jillian Elizabeth Jessup (Miss South Africa), outra negra, Pearl Gladys Jansen (Miss Africa South, que chegaria a primeira dama de honor no concurso).
- Horas antes de a cerimónia arrancar – em transmissão directa para todo o mundo pela BBC, com audiências estimadas em mais de 100 milhões de espectadores -, uma carrinha da estação pública britânica, estacionada perto do Royal Albert Hall, foi alvo de uma explosão, reivindicada pela Angry Brigade, um grupo bombista de extrema-direita.
- O impacto público da ‘operação Miss Mundo’ do “Women’s Liberation Movement” contribuiria para a popularidade e capital de influência dos movimentos feministas, tanto britânicos como internacionais, no decorrer dos anos ’70.
“Mulheres ao Poder” encontra-se em exibição nos cinemas.