Quando se pensa em animação japonesa, é provável que o que nos venha à cabeça não sejam histórias sombrias, tenebrosas e cheias de filosofia.
Mas desenganem-se… Elas existem em força, principalmente no mundo do cinema. Deixamos aqui 7 exemplos de filmes que impressionaram pela forma como levantaram questões, pelo seu impacto cultural e pela forma como influenciaram as indústrias do cinema e da animação, nacional e internacionalmente.
Akira (1988) – Katsuhiro Otomo
A história tem lugar em Neo Tokyo, uma versão distópica da capital japonesa. Kaneda e Tetsuo, amigos de infância e membros de um gangue de motociclistas, são separados quando Tetsuo é levado pelo governo para ser cobaia do projeto Akira. Durante este processo, Tetsuo adquire habilidades psíquicas incontroláveis. Kaneda, o líder do gangue, nunca desiste do objetivo de encontrar o seu amigo, até que este comete um ato terrível. Mas claro que em Neo Tokyo as coisas não são tão simples como esta descrição faz parecer. A história desenrola-se tendo sempre como pano de fundo uma entidade misteriosa, que dá nome ao projeto governamental.
Uma produção baseada no manga da autoria do próprio Katsuhiro Otomo, ”Akira” abriu as portas do ocidente para o cinema de animação japonês. O seu estatuto é fortalecido pelo facto de ser um dos mais significantes marcos no género da ficção científica. Temas como o psiquismo, a busca por um estado sobre-humano, a camaradagem e aquilo que de mais sujo há nas agendas políticas vão dominando a narrativa deste filme niilista.
Citação favorita: Coronel Shikishima – “Open your eyes and look at the big picture! We can’t dance to the tune of corrupt politicians and capitalists!”
(PT) Coronel Shikishima – “Abram os olhos e encarem de frente o problema! Não podemos dançar ao som da melodia de políticos corruptos e capitalistas!”
Ninja Scroll (1993) – Yoshiaki Kawajiri
Esta narrativa tem lugar no Japão feudal, durante o período Edo. Jubei é um ninja vagabundo que ganha a vida fazendo trabalho de mercenário. Um dia, recebe a missão de aniquilar os 8 demónios de Kimon. Estes são liderados pelo poderoso Genma, um antigo rival de Jubei que se julgava estar morto. Nesta jornada, Jubei tem o apoio de dois indivíduos. Dakuan, um velho espião do governo, e Kagera, uma ninja cujo corpo está repleto de toxinas venenosas.
Trata-se de um dos mais influentes produtos do cinema de animação japonês, pese embora a sua narrativa rudimentar. De qualquer maneira, não é aí que Ninja Scroll brilha, mas sim nas cenas frenéticas de ação. É um filme cheio de adrenalina, repleto de violência, sexo, e desmembramentos. Foi para filmes como este que criaram os ratings de restrição de idade.
Citação favorita: Jubei – “All strangers look alike. I’m a vagabond named Jubei Kibagami.”
(PT) Jubei – “Estranhos são todos parecidos. Eu sou um vagabundo chamado Jubei Kibagami.”
Ghost in the Shell (1995) – Mamoru Oshii
Como seria se a nossa mente pudesse viajar livremente através de toda a rede cibernética existente? É precisamente esta a experiência de Motoko Kusanagi, ou ”Major”, a protagonista de Ghost in the Shell. Kusanagi é a junção de uma mente orgânica (Ghost) com um corpo mecânico (Shell). O título da obra não é um simples acaso, aponta para a dualidade entre corpo e mente, que são vistos aqui como entidades diferentes. Em inúmeros momentos ao longo do filme, Motoko mostra uma completa falta de empatia para com o seu corpo, sendo até discutível que o chega a maltratar.
Um ciber-terrorista que dá pelo nome de Puppet Master tem vindo a hackear a consciência de várias vítimas, manipulando-as a agirem em seu nome. A sua qualidade de vilão é discutível, mas serve indubitavelmente de antagonista ao longo de grande parte da narrativa. Nesta obra predominam questões existenciais ligadas à identidade, havendo inclusive um ênfase quase escondido na questão da identidade de género.
Citação favorita: Motoko Kusanagi – “You talk about redefining my identity. I want a guarantee that I can still be myself.” Puppet Master – “There isn’t one. Why would you wish to? All things change in a dynamic environment. Your effort to remain what you are is what limits you.”
(PT) Motoko Kusanagi – “Falas sobre redefinir a minha identidade. Quero uma garantia que ainda vou ser eu mesma.” Puppet Master – “Não há garantia. Porque é que o desejarias? Todas as coisas mudam num ambiente dinâmico. O teu esforço para te manteres como és é o que te limita.”
Princesa Mononoke (1997) – Hayao Miyazaki
Ashitaka, um rapaz (aparentemente) normal que mora numa aldeia, é amaldiçoado por um demónio que toma forma de um javali. Sem imaginar a aventura que teria pela frente, parte numa jornada à procura da cura para a sua maldição. Pelo caminho encontra San, a titular Princesa Mononoke e protetora da floresta, que inicialmente não lhe guarda grandes amores. San, que tem uma especial ligação com a loba Moro (sua mãe adotiva), acaba no entanto por se afeiçoar a Ashitaka e ajuda-o a procurar a cura junto dos espíritos da floresta.
Pontos assentes, este é o produto mais violento da filmografia de Miyazaki. É, igualmente, um dos seus filmes mais visualmente apelativos. A natureza presente nesta obra é toda ela produto da imaginação fantástica de Miyazaki, desde os cenários mágicos às curiosas criaturas que os habitam. São abordados temas como a preservação do ambiente, a ligação à natureza, e a exploração gananciosa por parte dos humanos.
Citação favorita: Lady Eboshi – “Now watch closely, everyone. I’m going to show you how to kill a god. A god of life and death. The trick is not to fear him.”
(PT) Lady Eboshi – “Agora vejam com atenção. Vou mostrar-vos como matar um deus. Um deus da vida e da morte. O truque é não ter medo dele.”
Perfect Blue (1997) – Satoshi Kon
Mima Kirigoe, ex membro de uma banda de idols japonesas, deixa a música para seguir uma carreira como atriz. Os fãs obsessivos da banda não digerem bem esta notícia, e Mima torna-se vítima de perseguição. Uma sucessão de acontecimentos traumatizantes fazem com que Mima perca a consciência do que é real, e se afunde cada vez mais num poço do qual parece não haver escapatória.
Intensidade é a palavra que melhor define esta produção do já falecido Satoshi Kon, é um filme verdadeiramente inquietante. Um thriller psicológico que explora os mais diversos temas como a saúde mental, a cultura da fama, fantasias violentas e a misoginia. Perfect Blue, o filme que serviu de inspiração para Black Swan, é talvez o filme mais culturalmente relevante desta lista.
Citação favorita: Mima Kirigoe – ”No, I’m the real thing.”
(PT) Mima Kirigoe – “Não, eu sou a verdadeira Mima.”
A Viagem de Chihiro (2001) – Hayao Miyazaki
Chihiro é uma rapariga inocente e assustadiça de apenas 10 anos. Durante uma viagem ao mundo dos espíritos, Chihiro conhece Haku, um rapaz que a aconselha a deixar aquele lugar antes do pôr do sol. No entanto, após descobrir que os pais se transformaram em porcos, tem de encontrar coragem para procurar forma de salvá-los. Na busca pela salvação dos pais, Chihiro encontra personagens peculiares como Yubaba, a irmã Zeniba, e o misterioso Sem Rosto.
Aquele que é talvez o filme mais reconhecido do Studio Ghibli, consegue atingir um feito extraordinário. Consegue encapsular momentos extraordinariamente bizarros, e manter ainda assim um tom mágico e de inocência ao longo de duas horas. É, na sua essência, uma história de fantasia, que tem como base um ”mundo dos espíritos” que respira deslumbre. O crescimento emocional da personagem é um dos temas focais da história, sendo que a transição de ”Chihiro” para ‘‘Sen” simboliza a morte da sua inocência.
Citação favorita: Chihiro – “Listen, Haku. I don’t remember it, but my mom told me… Once, when I was little, I fell into a river. She said they’d drained it and built things on top. But I’ve just remembered. The river was called… Its name was the Kohaku River.”
(PT) Chihiro – “Ouve, Haku. Eu não me lembro, mas a minha contou-me… Certa vez, quando era pequena, caí num rio. Ela disse que o tinham drenado, e construído coisas em cima. Mas acabei de me lembrar. O rio chamava-se… O seu nome era Rio Kohaku.”
Paprika (2006) – Satoshi Kon
A história segue Atsuko Chiba, psicóloga de investigação que dirige um programa inovador de psicoterapia. Trata-se de um método que permite ao terapeuta entrar nos sonhos do paciente, através de um aparelho chamado DC Mini. Atsuko decide testar o programa fora do centro de pesquisa, usando o alter-ego ”Paprika” quando se encontra dentro dos sonhos. Isto vem a trazer problemas, porque o aparelho está inacabado e não tem restrições de utilização, podendo qualquer um tomar partido das suas funcionalidades e apoderar-se dos sonhos de outra pessoa.
O filme que serviu de inspiração para Inception, é uma versão mais surrealista e soturna do filme de Nolan. Certas sequências de sonhos chegam até a lembrar quadros de Dalí. A mistura progressiva entre sonho e realidade torna a narrativa algo complicada de seguir, mas é o ponto essencial. Acima de tudo, Paprika é uma viagem pelo inconsciente e seus desejos mais incompreensíveis e profundos.
Citação favorita: Paprika – “The Internet and dreams are similar. They’re areas where the repressed conscious mind escapes.”
(PT) Paprika – “A internet e os sonhos são similares. Ambos são áreas para onde escapam os pensamentos reprimidos da mente consciente.”