Desde os filmes de Ed Wood que não se via uma legião de fãs a manifestar adoração por um produto cinematográfico cuja qualidade deixa muito a desejar.
“The Room” de Tommy Wiseau é daqueles casos em que um filme, horrível em todos os sentidos, acabou por ganhar um charme próprio, tornando-se num dos filmes a não perder.
A primeira vez que ouvi falar neste filme foi através de uma review na Internet feita por Doug Walker, uma internet celebrity conhecida por criticar e satirizar filmes nostálgicos. Na altura nem acreditei que um filme assim tão mau pudesse existir, no entanto ri-me e provavelmente dei pouca importância ao tema. Anos depois o destino (se é que ele existe) voltou a ligar-me a esta película e eventualmente a curiosidade levou-me a melhor e acabei por ver o filme do começo ao fim. Mal eu sabia que ia ganhar um guilty pleasure.
Facto #1: “The Room” estreou em 27 de junho de 2003 em apenas duas salas de cinema nos EUA. Durou apenas catorze dias e o lucro total nas bilheteiras foi de 1900$. O orçamento do filme foi de seis milhões de dólares
“The Room” surgiu da única e tresloucada mente de Tommy Wiseau que escreveu, produziu, realizou e protagonizou esta masterpiece. A ação decorre em San Francisco focando-se na história de um banqueiro de nome Johnny (Tommy Wiseau) que se vê envolvido num triângulo amoroso confuso e destrutivo com a sua noiva Lisa (Juliette Danielle) e com o seu melhor amigo Mark (Greg Sestero). Além da trama principal a película é polvilhada por outras pequenas histórias que não levam a nada e não fariam alguma falta à história final.
Facto #2: Com o propósito de promover o filme, mesmo após o seu fracasso nas bilheteiras, Tommy Wiseau, durante cinco anos, gastou 5000$ por mês numa publicidade outdoor em Hollywood.
Sejamos francos: este filme é mau do começo ao fim! Nada neste filme acerta na mouche. No entanto, estaria a mentir se dissesse que este filme é de má qualidade, similar à de outros filmes que tenho visto recentemente (“Fifty Shades of Grey”, “Jupiter Ascending” ou “Fantastic 4”). Aliás, este filme é tão mau que não consegui levá-lo a sério, muito menos sentir frustração pela quantidade de péssimos elementos que pintam este trabalho. É um filme que é tão mau que acaba por ser bom noutro sentido.
https://www.youtube.com/watch?v=b7xI73JcV7I
Vamos começar pelo elemento mais hilariante deste filme: o próprio “criador”. Nada na postura dele me leva a acreditar que ele está a encarnar uma personagem. Aliás, na maioria das cenas ele parece desinteressado, cansado ou bêbado (ou uma mistura destes três elementos). Contudo o seu mau acting acaba por entreter de tal maneira que os espetadores acabam por ter uma certa afeição por este “ser único”. A personagem também é um bocado “gary stu” (a definição masculina de uma “mary sue”, referente a uma personagem de ficção idealizada que resulta normalmente da auto inserção do/a autor/a na história) o que torna a trama, focada em seu redor, impossível de ser levada a sério.
Facto #3: Tommy Wiseau tinha a tendência de inserir elementos muito estranhos no seu filme. No seu livro, Greg Sestero refere que um carro voador conduzido por um vampiro estaria nos seus planos.
Quanto às restantes personagens ou acabam por ser pessoas completamente cruéis, ou apenas completamente estranhas/irrealistas. Temos Lisa, a noiva egoísta e mimada, Mark, o melhor amigo que parece não se aperceber de quando está a ser seduzido, Denny, um miúdo com as hormonas aos saltos, Claudette (a mãe de Lisa) que além de ser uma materialista pouco subtil parece reagir de forma muito leve ao facto de ter cancro da mama. Muitos dos atores não levam a performance a sério e isso nota-se, por exemplo, no caso de Greg Sestero que desde o filme tem trabalhado de forma próxima com Tommy Wiseau, encarando a sua participação num dos piores filmes de todos os tempos com humor.
Facto #4: O nome do melhor amigo “Mark” surgiu a partir do ator Matt Damon. Aparentemente Tommy percebeu mal o nome daquele que é o seu ator favorito, pensando que era “Mark Damon”
A história principal do caso de adultério pode aborrecer muitos, no entanto é nas cenas menores que o filme acaba por ganhar um certo brilho. As várias conversas entre Lisa e a sua mãe (todas sobre o mesmo tema), as cenas em que as personagens jogam com uma bola de râguebi, as longas cenas de sexo acompanhadas pelos gemidos que não encaixam na cena, as personagens que surgem do nada, assim como os momentos estranhos de Johnny sempre que ele está em cena, acabam por revelar o desastre hilariante em que este filme se vai tornando para os espetadores. O filme piora a cada cena; no entanto, há vários elementos que conseguem manter a audiência entretida e às gargalhadas.
A edição e a qualidade da imagem neste filme são elementos que vão fazer vários cineastas torcer o nariz de repulsa. Aparentemente Tommy terá optado por filmar tanto com uma câmara de 35 mm, como com uma câmara que filmava em HD (ambas as câmaras compradas pelo próprio). O resultado? Uma qualidade de imagem muito inconsistente em muitas cenas. Os cenários? Resumem-se à sala de estar de Johnny ou ao telhado, cujo cenário é obviamente falso mesmo para quem não está profundamente envolvido em cinema.
Facto #5: A cena em que Johnny está irritado por Lisa ter dito que ele lhe bateu demorou 32 takes. Aparentemente Tommy terá precisado de cartões com as falas para fazer a cena.
“The Room” é sem dúvida um dos piores filmes que já vi. É dos filmes aos quais dou das classificações mais baixas em todos os elementos. Contudo, acabou por se tornar num dos filmes que eu mais recomendo aos maiores cinéfilos.
Porquê? Porque de tão mau que é acaba por se tornar numa experiência única. Alguns poderão vê-lo para saberem tudo o que não fazer em cinema, outros poderão apreciá-lo pelo universo único e estranho que acaba por criar para entreter.
Facto #6: O ator James Franco será o realizador de “The Masterpeice”, que irá debruçar-se sobre a amizade que Wiseau e Sestero construíram com a realização de “The Room”. Os restantes atores do filme também se juntaram para fazer um “mockumentary” sobre as suas vidas após participarem num dos piores filmes de sempre.
Para mim, tornou-se num guilty pleasure que me arranca sempre uma ou outra gargalhada. Provou-me que um filme, mesmo sendo péssimo até aos créditos finais, pode tornar-se memorável ainda que não pelos motivos originalmente pretendidos (à semelhança dos trabalhos de Ed Wood, que comecei também a descobrir recentemente). Quem sabe, num visionamento futuro, talvez eu esteja na sala a citar as falas mais ridículas e a atirar colheres de plástico ao ecrã, como manda a tradição a quem vai ver o filme na América.