Depois de abandonar gradualmente qualquer sentido de narrativa, Terrence Malick regressa em grande com o seu melhor filme desde “A Árvore da Vida”.
Com a desafiante poesia visual de “A Árvore da Vida” a conseguir 3 nomeações aos Óscares (Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Direção de Fotografia), muitos aguardavam o próximo passo na carreira de Terrence Malick, realizador veterano que em tempos nos deslumbrou com filmes como “Dias do Paraíso” (1978) e “A Barreira Invisível” (1998).
No entanto, Malick, que para além de optar por gravar na “hora dourada” (amanhecer ou anoitecer) também era conhecido por demorar muitos anos a preparar cada filme (6 no mínimo, 20 no máximo), mudou de abordagem e passou a apresentar uma longa-metragem a um ritmo quase bianual.
O problema é que a cada filme, por mais brilhante que fosse de um ponto de vista visual, a narrativa tornava-se menos presente até se tornar inexistente, com breves resquícios de palavras sussurradas. Sofreram deste síndrome “A Essência do Amor” (2012), “O Cavaleiro de Copas” (2015) e “Música a Música” (2017), numa espiral descendente de qualidade.
Felizmente, quando tudo parecia perdido, Terrence Malick voltou a alinhar a trajetória da sua carreira, inspirado pela poderosa história verídica de amor e resistência de um casal austríaco anti-nazi durante a ditadura hitleriana. O realizador demorou 3 anos a editar o filme e o resultado final é de excelente qualidade.
Filmado praticamente com luz natural (pelo diretor de fotografia Jörg Widmer – operador de câmara em “A Árvore da Vida”) nas belíssimas paisagens de Radegund (Áustria), inclusivamente na verdadeira casa da família (as três filhas ainda habitam na mesma aldeia), a primeira metade do filme é de uma beleza pura, da natureza e do ser humano, com a narrativa a seguir o dia-a-dia de Franz e Fani na árdua vida de campo, sempre com receio de receberem uma carta que envie Franz para a guerra. Quando o dia temido chega e Franz declara-se objetor de consciência ao recusar jurar lealdade a Hitler, instala-se uma claustrofobia cada vez maior na vida do protagonista à medida que a esperança vai desvanecendo num império corroído pelo nazismo.
August Diehl e Valerie Pachner transmitem toda a força das suas personagens, tanto no carinho familiar como na luta contra o sistema. É de mencionar que “Uma Vida Escondida” foi o último filme de Michael Nyqvist e Bruno Ganz, ambos falecidos em 2017 e 2019, respetivamente.
Num filme 3 horas de duração, que apenas por breves momentos no fim do segundo ato se faz sentir arrastado. Nas restantes 2h40 somos constantemente arrebatados por uma realização, fotografia, montagem e interpretações que nos deixam pasmados em frente do ecrã. Este é certamente um filme para desfrutar numa sala de cinema.
“Uma Vida Escondida” ainda se encontra em exibição em Lisboa, Porto e Coimbra e está nomeado ao Independent Spirit Award de Melhor Filme. Foi destacado no Top 10 de Cinema Independente do National Board of Review e recebeu o prémio François Chalais do Festival de Cannes.