“The Walking Dead” – Ainda há fôlego para os mortos vivos

Devido à pandemia o verdadeiro final da temporada só estreará no Outono, mas, por agora, chegámos ao fim da 10ª temporada de "The Walking Dead".
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Devido à pandemia o verdadeiro final da temporada só estreará no Outono, mas, por agora, chegámos ao fim da 10ª temporada de “The Walking Dead”.

ATENÇÃO: Aviso desde já que esta análise tem spoilers da série inteira.

Estava em pleno dia de quarentena do senhor COVID-19 quando me lembrei do género dos mortos vivos. Há que tempos que ando a dizer que este género, desde a minha infância muito querido para mim, estava mais batido que uma telenovela mexicana. Sempre que via algo do tipo sentia-me cansado da mesma história que remonta aos tempos do mestre George Romero.

Não sei se foi pela pausa ou se é pelos tempos que atualmente vivemos, mas posso dizer que este género tem-me vindo a surpreender. Recentemente peguei no jogo “The Last of Us” e desde então que a minha perspetiva mudou em relação a histórias de zombies. O jogo prendeu-me pelas personagens com um conflito interior muito bem trabalhado e cheias de camadas, cuja paisagem apocalíptica servia apenas como um pano de fundo para um conto mais sentimental.

Eis que concluo o jogo e me lembro que já não via “The Walking Dead” há coisa de duas temporadas e meia. Na altura pus a série de lado precisamente devido à sua inegável manha para ”encher chouriços”. Afinal de contas, desde o final da sexta temporada que o famoso Rick Grimes e restante trupe andam a jogar ao esconde esconde com Negan e o seu taco Lucille, taco esse, poderoso o suficiente para lutar durante quase três temporadas.

Já não tinha paciência para continuar com a série, ainda que durante vários anos, ela estivesse entre as minhas preferidas. Como se não bastasse, o seu spin-off “Fear The Walking Dead” também não se destacava pela originalidade. Contudo, lembrei-me da série há coisa de três semanas, durante a minha rotina muito preenchida e típica de uma pandemia, que talvez fosse a altura de voltar a visitar este universo. Já vejo séries há muitos anos e são poucas aquelas que se conseguem reinventar após quase uma década de histórias. Ainda assim, e para grande surpresa minha, The Walking Dead finalmente voltou aos eixos.

A oitava temporada da série marcou a despedida de Scott Gimple como showrunner, dando lugar à atual líder, Angela Kang. Esta mudança na direção da série, mudou por completo não só o rumo da história como também o ritmo, realização, escrita e, graças a Deus, os diálogos. A nona temporada tinha o grande desafio de fechar a história do protagonista Rick Grimes e lidar com o impacto que a guerra com Negan espalhou pelas diferentes comunidades.

Os cinco primeiros episódios servem como uma grande despedida. Rick carrega a visão de Carl, o seu filho falecido, e pretende construir um futuro no qual as comunidades trabalham em união. Porém, a rivalidade entre os grupos acentua-se, muito devido ao facto de Negan, líder dos salvadores, permanecer vivo. Estes primeiros episódios marcam então a despedida da personagem que se “sacrifica” para manter a visão idealizada por Carl e salvar toda a sua família. O final foi muito bem construído e o impacto no sacrifício de uma personagem que já acompanhamos há quase uma década não poderia ser sentido sem todo esse tempo que temos investido com ela.

Na minha cabeça eu já estava a pensar: “Por que é não terminam a série aqui?”. Por certo, a AMC também pensou nisso, ao manter Rick vivo. Afinal o famoso Rick Grimes escapou mais uma vez às garras do inimigo e foi salvo por um helicóptero a caminho de uma trilogia de filmes. Fiquei extremamente frustrado com esta decisão. Após um começo de temporada alucinante, estava disposto a desculpar a série que, apesar de algumas temporadas fracas, tinha aprendido e construído um desfecho satisfatório ao seu protagonista.

A decisão de manter o Rick vivo para uma trilogia de filmes não só me parece desnecessária, como também quase parece um desrespeito à série original. Ver uma série é quase como um compromisso, são várias horas espalhadas ao longo de vários anos. Eventualmente a história termina, e no que toca a Rick Grimes parece que a história não acaba. Posso-me enganar e daqui a cinco anos estamos a ver o Andrew Lincoln com um Oscar nas mãos, mas na minha perspetiva a personagem não deveria ter passado da ponte na qual teria efetivamente morrido.

Mas bem, agora que tiramos isto da frente, vamos lá ao que realmente importa. A restante temporada salta alguns anos no futuro para apresentar uma sociedade bem estabelecida. Entre Oceanside, Alexandria, Hilltop, Kingdom e Salvadores, as comunidades parecem bem integradas. Neste contexto temos Daryl a viver fora das comunidades, numa busca pelo corpo desaparecido de Rick. Michonne lidera Alexandria e cuida do seu filho RJ e filha Judith Grimes. Carol, mais feliz do que nunca, vive no Reino a par de Ezekiel. Além do elenco principal temos a introdução de cinco novas personagens, Magna, Yumiko, Connie, Kelly e Luke.

Tudo estava bem, até que chegam os Sussurradores. A estrutura de The Walking Dead tem sido sempre a mesma desde a terceira temporada. Os protagonistas andam pelos Estados Unidos à procura de uma nova casa. Estabelecem-se no local e são atacados por um novo vilão. Porém havia algo em falta nas temporadas anteriores. Um fator de medo.

A luta pessoal de Rick contra Negan, perdeu a tensão durante a maior parte da sétima temporada devido a um ritmo alongado que quebrava qualquer tensão sobre o antagonista da série. Desta forma, os Sussurradores são uma lufada de ar fresco na série. A sua introdução é misteriosa e confunde o grupo que acha que os zombies evoluíram. Eis que numa das cenas mais assustadoras da série, situada num cemitério cheio de fumaça, os Sussurradores são revelados como humanos com máscaras de zombies. Para mim que nunca li as bandas desenhadas, esta decisão foi extremamente inteligente e deu aos zombies um fator de medo que a série tinha perdido dos anos.

Melhor que o grupo em si, a vilã Alpha demonstra-se implacável e sádica. A construção da sua história reflete-se em boa parte pela personagem de Lydia, sua filha, cuja infância com Alpha revela a sua mãe como um parente abusivo.

Daqui para a frente a série não parava. Era surpresa atrás de surpresa, destaque para o episódio 14, completamente focado numa missão da Michonne poucos meses após a morte de Rick. Os últimos dois episódios quebram o grupo que sofre um grande ataque pelos Sussuradores no qual Enid e o filho de Ezekiel e Carol a par de outras personagens secundárias, são decapitadas. Estava o cerco montado para a décima temporada da série.

Esta chega em grande. A sua primeira metade foca-se no grupo, agora afetado pela perda dos seus entes queridos. Se a temporada anterior tinha um ritmo mais acelerado, a primeira metade da nova temporada, foca-se nas consequências do impacto deixado pelos Sussurradores. Carol mergulha numa espiral de depressão. Com problemas em dormir, esta começa a tomar comprimidos para se manter acordada e continuar focada na sua vingança. Isto leva a personagem a tomar decisões arriscadas ao longo da série sem tomar em conta o dano que isso faz em seu redor.

No meio disto tudo temos Daryl que além de tentar ajudar Carol a voltar ao normal, tem a seu cargo a personagem de Lydia cuja presença em Alexandria é ameaçada por aqueles que não perdoam o facto de ser filha de Alpha. É neste contexto que Lydia se aproxima de Negan. Também ele é renegado pela comunidade pelas suas ações. Este tem um debate interior muito interessante no qual tem de descobrir se é na verdade boa ou má pessoa. Por boas intenções que ele tenha, Negan percebe que de certa forma ele tem prazer em estar no poder ainda que ache que haja limites. O sádico vilão transforma-se num anti herói, sem nunca largar o carisma inerente à personagem.

Outro grande foco da primeira metade da temporada é a personagem Siddiq que após ter visto os seus amigos a serem decapitados à sua frente, sofre de pesadelos e visões à luz do dia. Em pleno stress pós traumáticos, quase todos os episódios focam-se neste seu trauma, e tenho a dizer que inicialmente estava a ficar cansado desta história. As visões nunca mudavam e ficávamos sempre a saber o mesmo, de forma que a história da personagem estava a ficar um tanto desinteressante.

Eis que chegamos ao sétimo episódio e todo esse tempo com Siddiq é completamente justificado num plot twist que me apanhou completamente de surpresa. Numa conversa com Dante, o seu assistente de médico, este é revelado como um Sussurador e assassina Siddiq. Tínhamos então um infiltrado em Alexandria que passava informação a Alpha.

No meio deste caos, Michonne encontra-se fora de Alexandria e é Daryl quem tem de tomar conta da situação. Cada vez mais me parece que a personagem se irá tornar o líder oficial do grupo, já que ele é o elo que liga todas as comunidades.

A segunda metade da temporada volta ao ritmo mais agressivo da nona série. Cada episódio é uma montanha russa. A temporada começa dentro da gruta onde se esconde a horda de Alpha. Lá dentro está boa parte do elenco principal, entre eles Daryl, Carol, Jerry e Magna, sem aparente escapatória. O episódio monta muito bem um clima claustrofóbico num labirinto de paredes e estalactites que sufocam as personagens. No meio disto tudo, Carol encontra-se mais desequilibrada do que nunca. A personagem não pensa em mais nada senão vingar-se de Alpha e acaba por tomar algumas decisões arriscadas ao explodir uma barra de dinamite que soterra Magna e Connie na gruta após as personagens saírem. Carol não se perdoa. O grupo em seu redor não lhe dirige a palavra e esta acode a Daryl que não consegue olhá-la nos olhos.

É neste clima emocional que chega o episódio seguinte intitulado “Stalker”. Outro capítulo cheio de grandes momentos no qual Daryl confronta Alpha, quase eliminando a inimiga num combate de facas e punhos. As personagens acabam numa fábrica, feridas e sujeitas a serem mortas por zombies. Contudo Lydia resgata Daryl, deixando a mãe para trás, que acaba por ser salva por Sussurradores.

Se os dois primeiros episódios já tinham sido muito bons, os seguintes foram ainda melhores. Ainda sem sinais de Magna e Connie, a horda de Alpha aproxima-se de Hilltop. O grupo contudo está fragmentado e as restantes comunidades estão demasiado distantes para partirem em seu auxílio, o que deixa Daryl no comando do pequeno grupo. Estes reforçam as muralhas e batalham contra a horda de zombies numa das batalhas mais épicas da série. Destaque para a banda sonora de Bear Mcreary que brilha neste episódio.

 Hilltop é completamente destruída e o grupo é forcado a fugir para Alexandria. No meio de tudo isto, Negan, que se havia infiltrado nos Sussurradores assassina Alpha, num plano que se revela ter sido forjado por Carol.

A par destes acontecimentos chega-nos o episódio de despedida da atriz Danai Gurira que interpreta Michonne. O episódio afasta-se da trama principal e segue Michonne e Virgil. Estes encontram-se na ilha de Virgil que havia prometido um carregamento de armas para Michonne levar para Alexandria. Contudo isto não passava de uma farsa e Virgil prende Michonne numa sala na qual a droga. Esta alucina e revive todos os seus grandes momentos da série como se esta fosse a vilã.

É um episódio muito interessante que mergulha na dor que a personagem sente, consequente das perdas que sentiu ao longo da série. Perda esta, que a mesma acaba por descobrir que pode na verdade não o ser. No final do episódio, Michonne descobre vestígios do famoso Rick Grimes num navio e parte em busca do mesmo. Assim sendo, tudo indica que veremos a personagem juntar-se a Rick na trilogia de filmes. Será que veremos o resto do elenco principal a juntar-se aos filmes? Não me parece, de qualquer das formas, foi uma boa despedida ainda que gostasse que a personagem se tivesse mantido na série pelo menos até ao fim da temporada.

Pois bem, parece que os Zombies não são a única pandemia que afeta The Walking Dead já que o seu último episódio foi adiado devido ao COVID-19. Assim sendo, o penúltimo episódio acompanha as personagens agora escondidas num refúgio à medida que Beta e a restante horda de Zombies se dirige para os assassinar. Foi um bom episódio, um tanto mais calmo quando comparado aos anteriores, mas criou o terreno para um season finale cheio de potencial.

Além disso, foi-nos introduzida uma nova personagem chamada Princesa. Se no episódio anterior a sua pequena aparição me pareceu um tanto estranha, a personagem revela-se muito carismática com o devido tempo de antena e promete ser alvo de destaque em episódios vindouros.

Como se não bastasse termos de esperar pelo próximo episódio, a AMC já divulgou um trailer que além de demonstrar o começo de uma enorme batalha, também revela o regresso de uma das personagens mais importantes da série, Maggie. A minha pergunta é: Será que a personagem veio para ficar? Ou virá apenas de passagem?

De qualquer das formas, mal posso esperar pelo próximo episódio especial que irá concluir a ótima décima temporada. Custa a acreditar que The Walking Dead voltou aos eixos, mas Angela Kang provou com as últimas duas temporadas, que ainda havia algum fôlego para manter a série interessante.

Para aqueles, como eu, inteligentes, que abandonaram a série na sétima temporada, faço um apelo para que voltem a dar uma chance a este universo. Prometo que não se vão arrepender.

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