A Agente Vermelha – Um verdadeiro thriller, Perverso e Violento

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Num elegante, tenso e absorvente thriller de espionagem que traz à memória os trabalhos mais sombrios de David FincherA Agente Vermelha oferece-nos uma fusão entre A Toupeira e Instinto Fatal.

Neste filme, seguimos uma personagem que é muito mais que apenas uma nova espia no grande ecrã. É também um ser humano desesperado. Ao ponto de cada cena no filme se basear à volta das escolhas que faz, da forma como avalia e apreende cada momento, mostrando uma espia que é em si também uma atriz. Lawrence demonstra o que é ter presença no ecrã. Cada momento que tem no ecrã é uma mistura de mistério e revelação, que deixa o público a tentar antecipar cada passo seu, mesmo que o próprio público esteja a ser, tal como os seus alvos no filme, enganado.

A Agente Vermelha

O filme é realizado por Francis Lawrence (Jogos da Fome), que dá vida ao argumento de Justin Haythe (baseado no livro de Jason Matthews, um ex-operativo da C.I.A.). Argumento esse que não insulta a inteligência do público e deixa a história desenrolar em vez de dar a papinha toda à boca. Dominika Egorova (Lawrence), é vítima de um constante estado de perigo instável do qual tem que encontrar saída, e o filme desenvolve como um sinistro jogo de xadrez. O filme começa com Egorova como uma bailarina no Ballet de Bolshoi num espetáculo perante a elite de Moscovo. No entanto, esta carreira não dura muito devido a um horrível acidente em pleno palco. É neste momento que o jogo de xadrez é revelado, e Dominika se vê na posição de peão. Ao mesmo tempo, é-nos apresentado o lado mais implacável de Dominika. Assim que fica furiosa, haverá sangue.

Dominika vive num apartamento muito modesto, o qual partilha com a sua mãe (Joely Richardson). Mãe a quem Dominika se dedicou e cuja presença é essencial para o gancho emocional do filme. Quando os seus dias de dança acabam, descobre que irá perder o seguro, a enfermeira da mãe e o apartamento. Neste cenário de desespero em perder tudo, Dominika forçosamente aceita a oferta do seu tio Ivan (Matthias Schoenaerts), de sorriso burocrata-sociopata alá Vladimir Putin. Este tio é o director-adjunto do Serviço Russo de Inteligência Externa, SVR. Este irá mantê-la à tona, desde que aceite levar a cabo uma missão.

A Agente Vermelha

A Agente Vermelha começa com o que seria o climax num clássico de Hitchock, inter-cortando a calamidade de Dominika no teatro Bolshoi com o encontro mal acabado entre o operativo Americano da C.I.A. Nate Nash (Joel Edgerton), que está no momento a trocar informação com a sua toupeira no Parque Gorky, até ser interrompido por agentes da divisão de narcóticos. Cada cena do filme contém mais revelações do que aquelas das quais nos apercebemos. 

Inadvertidamente, Dominika assiste a algo que não devia. O que significa que ela mesma terá de morrer. Em alternativa terá de concordar em se tornar recruta da escola do Estado 4. Na sua superfície, é fácil ver estas agentes como prostitutas letais. Soa a cliché da natureza mais sexista possível. Mas A Agente Vermelha é de facto uma crítica a esta noção que foi criada na nossa consciência graças aos retratos aos quais assistimos com filmes mais insensíveis a este tópico.

A Agente Vermelha

Neste cenário, vemos uma heroína cujo livre-arbítrio lhe foi retirado graças à patriarquia corrupta. Na escola, que tem como directora uma tutora rígida e tão fria como a própria Rússia (Charlotte Rampling), vemos em sequência uma série de sessões nas quais os recrutas são despidos de todas as formas que possamos imaginar. Por conseguinte, vemo-los reduzidos a meros objectos que eles mesmos aprendem a manipular. Lawrence faz da sua nudez um brilhante drama, conseguindo representar o lado envergonhado mas também o orgulho inerente na personagem. O filme apresenta a sua nova e transacional relação com a sexualidade como projecção dos tormentos dos quais muitas mulher foram, e são, vítimas. Nisso, há algo a louvar. Enquanto que em filmes como James Bond dormir com alguém é algo natural na vida de espião, aqui não. Durante o resto do filme vemos como Dominika guarda rancor do seu treino na “escola de prostitutas”.

Egorova é enviada para Budapeste a fim de “acidentalmente” se encontrar com Nash. A intenção é descobrir a toupeira. E enquanto nos preparamos para o cliché de dois espiões a enfeitiçarem-se um ao outro para depois tentarmos perceber “quem está a enganar quem”. Red Sparrow surpreende novamente por ser mais esperto do que parece à primeira vista, e por constantemente fazer o público questionar o que realmente está em jogo. Por ser uma narrativa cuja intriga, mistério e surpresa são os condutores, não será revelado mais do enredo aqui. A piada está em o quanto A Agente Vermelha deita abaixo as convenções e clichés que esperamos. Para o bem ou para o mal.

A premissa é simples: Irá Dominika descobrir a toupeira? Mas A Agente Vermelha tem reviravoltas e peças em jogo suficientes para dar duas horas de entretenimento. Com um  mistério da mais alta qualidade no que toca ao género no qual se encontra.

A Agente Vermelha

É muito mais guiado por diálogo e investigação do que ação. De certo não podendo ser mais comparado ao possível filme de  Black Widow (A Viúva Negra). As sequências mais intensas e mais cobertas em suspense do filme não são nada fílmicas. São desalinhadas, com um tom de desespero e genuinamente apanham os personagens de surpresa, não apenas pelo que diz no argumento. Edgerton faz de Nash um operativo com os pés firmemente no chão, guiado por impulsos nobres mas longe de ser um super-herói. E nunca é demais elogiar o que Lawrence dá a Dominika. Uma personagem magnética, pois a forma que esta encontra de se mover perante a trama é o improviso constante. Foi treinada para sobreviver e fá-lo, encontrando forma de escapar. Sejam cenas de tortura brutais e difíceis de assistir, sejam do seu atiradiço contacto e também superior hierárquico em Budapeste.

Lawrence interpreta uma Russa com um discreto sotaque, algo que se pode dizer sobre todo o elenco. Um ator de renome, que não será revelado pois foi uma surpresa vê-lo surgir, é o campeão dos sotaques. Quase se poderia dizer que nem tenta o sotaque, mas acaba por funcionar. Claro que este senhor é brilhante no papel. Schoenaerts cria um personagem mais repugnante do que nos apercebemos de início. Está fixado em Dominika desde a sua infância, e fá-lo com uma perversa alegria.

A Agente Vermelha

Enquanto que Putin não está no filme, ao ponto de nem sequer ser referenciado, ele tem presença no filme. Sentimo-lo como o deus da corrupção cujos personagens levam a cabo. Pela primeira vez em muitos anos, um thriller de espionagem traz à memória as angústias e tensões presentes na Guerra Fria numa forma original e que não nos faz sentir que já o vimos mil vezes antes, dado que os Russos no filme têm um novo objectivo em mente. Criar um mercado mundial para seres humanos venderem-se a si mesmos. O que dá novos níveis e apresenta novos desafios à noção de “ser espião”.

Com tantos bons ingredientes na aparente receita para o sucesso perfeito, A Agente Vermelha apenas não sucede numa coisa. Em saber quando parar. A narrativa, que é deveras interessante, é arrastada mais do que o necessário. Mas oferece sem dúvida um princípio, meio e fim satisfatórios e refrescantes quer ou não dentro do género. Irá sem dúvida tornar-se alvo de discussão contemporânea para o público que não ignora as entrelinhas e o efeito do clima político. Seja na vida de Dominika, ou na nossa.

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