Num papel bem diferente de “A Lei do Mercado”, Vincent Lindon é a alma do novo filme de Xavier Giannolli sobre a crença religiosa – “A Aparição”.
Ao longo da sua carreira de realizador, Xavier Giannolli sempre explorou as ramificações do tema da crença, quer na mentira (no verídico “A l’origine” um aldrabão convence uma comunidade a construir uma auto-estrada) quer na ilusão (em “Marguerite”, adaptação livre da vida de Florence Foster Jenkins, uma mulher acredita que sabe cantar bem e ninguém do seu círculo próximo lhe diz o contrário). No seu filme mais recente, “A Aparição”, o realizador entra claramente, portanto, no território da crença religiosa.
Similarmente ao que aconteceu em casos como Fátima, Garabandal e Medjugorge, neste filme uma jovem rapariga vê uma aparição da Nossa Senhora e rapidamente milhares de pessoas começam a fazer peregrinações à pequena localidade nas montanhas. Posteriormente, quando o caso começa a ter uma dimensão maior e à beira de perturbar a ordem pública, o Vaticano forma uma comissão de inquérito para determinar se a rapariga está a dizer a verdade ou a mentir.
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No meio desta comissão encontra-se um repórter de guerra, interpretado por Vincent Lindon num dos melhores papéis da sua carreira, carreira essa que ultimamente lhe corre muito bem, com o premiado “A Lei do Mercado” e o prestes a estrear a 1 de Novembro “Em Guerra”, ambos de Stéphane Brizé. Neste filme, longe das lutas sociais de outros papéis, Lindon explora um lado mais sensível e interior de alguém que é atirado para fora da sua zona de conforto e cuja decisão terá um forte impacto na vida de muitas pessoas, mas de uma maneira totalmente diferente dos papéis a que é mais associado nos filmes de Brizé. Acima de tudo a sua personagem representa o “Je ne sais pas” (Eu não sei) cada vez mais presente na população europeia, das pessoas que não acreditam nem rejeitam a existência de Deus, simplesmente não sabem se existe.
No centro de tudo encontra-se uma rapariga que afirma ter avistado uma aparição, interpretada pela estreante Galatea Bellugi, numa representação credível e desafiante, crucial ao nível de olhares e gestos, que mantém o espectador constantemente em dúvida sobre se deve ou não acreditar nas suas palavras sem dar algo a ceder para um dos lados. A ligação entre Lindon e Bellugi é um dos pontos mais fortes do filme.
Com uma longa duração de 2h30, “A Aparição” começa com uma abordagem muito realista que pouco a pouco vai dando espaço a um lado mais artístico, dividido por capítulos, que inicia com um atentado do Daesh no Médio Oriente e respetivas consequências, passando para o Vaticano e a aldeia do sudeste francês onde quase todo o filme se passa, regressando ao ponto inicial para fechar todo um ciclo, mostrando dois mundos opostos ambos ligados aos problemas da religião, quer seja o extremismo religioso islâmico ou a devoção cega dos católicos praticantes face a um possível milagre.
É de salientar que “A Aparição” foi o primeiro filme a ter autorização para filmar num campo de refugiados junto à fronteira da Síria, algo que é merecido e justificado pela mensagem importante do seu final.