Creed II – a sequela do prelúdio para mais sequelas

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Quando “Creed” foi anunciado, mais de meio mundo torceu o nariz. Para surpresa coletiva, o sétimo filme duma franchise com (na altura) quase quarenta anos revelou ser um dos seus melhores. Por isso, como será daqui para a frente?

“Rocky IV” era pouco mais que uma propaganda da suposta exemplaridade americana durante a Guerra Fria. Aliás, era difícil que um combate entre um pugilista italo-americano e um pugilista russo da nova geração não abrangesse os valores defendidos por cada nação, de modo consciente ou não. A verdade é que todos aplaudimos depois de Rocky vencer aquele combate, pensando que estávamos a expressar uma euforia consequente do cumprimento da nossa sede coletiva de vingança, depois da morte de Apollo Creed, estando na verdade inconscientemente a saudar a bandeira estendida por (na altura) Ronald Reagan.

Creed

Mas seria injusto catalogar a quarta jornada de Balboa no cinema apenas como uma propaganda política. Stallone realizou, escreveu e protagonizou “Rocky IV”, numa altura em que as produções já começavam a expressar a sua descrença em relação à franchise outrora de sucesso entre os críticos. A seguir ao horroroso monólogo final de Stallone, “Rocky IV” é constituído (como maior parte dos restantes filmes) por bons combates, boas montagens de treino, bons arcos e bons personagens, nomeadamente (de novo) Apollo Creed.

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Onde é que quero chegar com este raciocínio? Simplesmente temia que “Creed II” fosse novamente (e sem sucesso) um filme liderado pelas convenções políticas do seu tempo. Mas tendo em que conta que Steven Caple Jr. (o realizador da vez, responsável por “The Land”) teve nas suas mãos o primeiro trabalho hollywoodiano, não seria provável que, nesta primeira oportunidade de chegar às massas, este decidisse destacar-se através de um combate Trump-Putin. Nada disto era relevante, por isso, temos aqui uma sequela digna do seu antecessor. E, acima de tudo, que solidifica algo que os críticos contemporâneos tendem a menosprezar – a estrutura narrativa formulaica.

Muitos são os filmes que, obedecendo a uma determinada conduta, se tornam previsíveis. Filmes de super-heróis, biografias e, lá está, dramas de desporto são alguns exemplos. No entanto, há que reconhecer uma coisa. Qualquer filme acaba por ser previsível, não todos como é óbvio, daí a mestria de alguns guionistas em escrever twists. Logo, censurar uma biografia sobre um artista musical ou um filme de boxe por seguir a fórmula ascensão-queda-redenção não é totalmente descabido, mas geralmente não nos leva a lado nenhum. Quando vejo uma má crítica a um desses penso: “Mas o que é vocês querem afinal? De qualquer maneira, não sabem exatamente o que vai acontecer?”. Para quê reformular a estrutura se na maioria das vezes só se sai a perder? Temos como ótimos exemplos “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” e “O Exterminador Implacável: Genisys”.

Creed

Isto para dizer o quê? Venham conflitos familiares, venham bandas sonoras energéticas em cima de montagens de treino, venham combates finais nos quais o protagonista geralmente sai vencedor, venham as mais pequenas surpresas. Eu só quero ver um filme no qual se observa um Adonis Creed a recuperar das suas falhas morais e físicas. A evoluir como marido, filho, discípulo, pai, lutador… homem. Sylvester Stallone despediu-se do personagem mais icónico da sua carreira. Pensei “Ok, sei perfeitamente o que vai acontecer ao Rocky. Que pena.”. Estava errado. Quem aguarda pela mínima surpresa, pode gostar daquilo que o realizador e os guionistas (o estreante Juel Taylor e o próprio Stallone) fizeram com o pugilista mais adorado do cinema.

No geral, “Creed II” é um dos filmes mais emotivos de toda a franchise. Não só devido ao arco do protagonista aliciado ao desenvolvimento da sua relação com a Bianca, novamente interpretada por uma irretocável Tessa Thompson (que canta também, já agora), mas também àquilo que é feito com os seus antagonistas. Ivan Drago está de volta e o filho Viktor Drago emerge. As expectativas costumam moderar o quanto gostamos de um filme. Eu esperava um Dolph Lundgren novamente monótono e inexpressivo, mas com a dose possível de carisma e imponência. Pelos vistos, acabei por receber um retrato bastante humano de um homem no fim da vida que, não tendo nada a perder, se vê na obrigação de forçar o filho a entrar no mesmo mundo numa busca por vingança e destruição, educando assim o rapaz desde uma idade precoce naquele ódio quase irreparável.

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O ator sueco evolui e deu-me vontade de o ver em “Aquaman”. Já em relação ao alemão Florian Munteanu posso dizer exatamente o mesmo. Eu esperava por ver um antagonista minimamente amedrontador e motivado pelos sentimentos de simples rivalidade e raiva genérica. No entanto, observei lentamente um jovem altamente danificado pelas faltas mais significativas, carregando inutilmente às costas a dor e o ódio do pai e sentindo-se socialmente deslocado por completo no processo. Está tudo no sítio: uma fisicalidade monstruosa (e invejável), um discurso tímido e até triste, bem como uma possível história de maus tratos. Eu não me importaria de todo de rever o Viktor Drago num futuro filme. O que faltou aqui foi aprofundar a personalidade da Ludmilla Vobet, mulher do Ivan no filme de 1985. A ligação entre pai e filho é muito bem desenvolvida (com poucos diálogos inicialmente), contudo a dinamarquesa Brigitte Nielsen não faz nada.

O Michael B. Jordan continua extremamente bem na pele do jovem Adonis e, mesmo que a sua prestação em “Black Panther” seja superior, o ator tem ainda muitas oportunidades para se superar, seja como ator dramático, seja a evoluir o corpo. O rapaz é um autêntico armário. O Sylvester Stallone, depois de reencontrar a sua voz em “Creed”, de 2015, continua lindamente emotivo e amargurado. É impossível desgostar do regresso maduro do personagem.

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A Phylicia Rashad continua igualmente competente, dentro do que lhe é pedido. O Wood Harris tem mais para fazer, sendo possível que o personagem se estabeleça melhor futuramente. Já o Russel Hornsby, depois da sólida prestação em “Vedações”, podia ter sido aproveitado para mais alguma coisa além do típico empresário ganancioso e despreocupado com o atleta.

O trabalho de câmara do Steven Caple Jr. não é comparável ao do Ryan Coogler, mas ostenta muito bem os combates, auxiliando o seu foco (e respeito) pelos personagens, constituindo-se por uma habitual fotografia acentuada e uma banda sonora deliciosa. Como disse, o filme no geral consegue ter mais emoção que o antecessor, quando navega sobretudo pelo território da paternalidade. Mas há alguns diálogos em específico que colocam em risco a seriedade das cenas. Há alguns momentos com palavras repetitivas que se beneficiariam antes de silêncios e algumas frases que tenho quase a certeza que o John J. B. Wilson adoraria premiar. Mas tal acontece pouco, são os instantes do guião em que eu senti mais a mão do Stallone e mexer onde não devia.

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