“Lamento de Uma América em Ruínas” (“Hillbilly Elegy”, no original) estreou na Netflix no passado dia 24 de novembro.
Antes da estreia, já a crítica norte-americana desmontava o filme de tal forma que a sua pontuação em sites agregadores de críticas era pouco mais que sofrível.
Após a estreia alargada ao circuito digital de “Lamento de uma América em Ruínas”, a comunidade de fãs salvou a honra do convento de Ron Howard, e acabou por levantar a moral tanto do realizador (não que seja necessário, claro) como da plataforma de streaming, que viu o filme elevar-se nos seus tops de visualizações.
A autora destas linhas tinha expetativas em relação ao mais recente trabalho de Howard, mesmo tendo em conta que no percurso do veterano cineasta nem todos os seus trabalhos são pérolas, mas é preciso não esquecer o seu contributo gera e a sua longa e diversa carreira.
Para além da realização entregue a Ron Howard, os nomes de Glenn Close e Amy Adams abriam o apetite àquele que em tudo aparentava ter potencial para ser um dos filmes grandes deste atípico ano.
Howard, uma inveterada máquina de trabalho a quem bastam quatro dias de descanso entre cada filme, pegou no galardoado romance homónimo de J.D. Vance, publicado em 2016, e adaptou-o a cinema, mas esqueceu-se de inúmeros pormenores – ou simplesmente não tinha o coração no sítio certo.
“Lamento de Uma América em Ruínas” é um projeto ambicioso que conta a história verídica de J.D. Vance, um ex-oficial da Marinha originário do Sul do Ohio que acaba a ir estudar Direito em Yale, depois de uma infância passada com dificuldades.
É sobre essa infância, sobre os problemas de dependência de drogas, as dificuldades em sair do ciclo de pobreza numa região que luta com o desemprego e a falta de esperança que nos fala “Lamento de Uma América em Ruínas”.
J.D. conta a sua história na primeira pessoa e é, na realidade, uma história com que muita gente se consegue identificar, cheia de potencial emocional e cinematográfico e Ron Howard percebeu isso.
O que Ron Howard pode não ter percebido é que nem sempre se pode viver uma vida fora daqueles contextos e depois fazer um filme fingindo perceber-se perfeitamente as dificuldades pelas quais aquelas comunidades passam.
“Lamento de Uma América em Ruínas” resulta praticamente ao contrário daquilo que parecem ter sido as intenções de Ron Howard e nem mesmo Amy Adams, reconhecidamente talentosa e sempre desafiante, consegue resgatar o filme de uma imensa pobreza emocional e identitária.
Se a história não consegue mais que uma série de caricaturas, a estética poderia trazer algo de refrescante ao filme, mas também aí falha do modo mais estereotipado, recorrendo a escolhas que atiram o filme para a aparência de um antiquado telefilme cheio de lugares-comuns visuais.
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Acresce ainda o fator “parte pelo todo”, que Ron Howard adotou de forma muito livre, dando um cariz quase abusivo ao facto de a história de uma família poder contaminar toda uma região e perpetuar estigmas sociais. Apesar de tudo, neste ponto pode condescender-se ligeiramente dada as escolhas criativas a que, claro, o realizador tem absolutamente todo o direito.
“Lamento de Uma América em Ruínas” resulta numa oportunidade desperdiçada de se passar uma mensagem, até porque na realidade não se demora muito a construir personagens com grande profundidade, não lhes conferindo um contexto para lá das ideias pré-concebidas.
São pessoas reais que na adaptação não têm muito para dizer, a não ser mostrar aquilo que já tantos outros filmes mostraram e “Lamento de Uma América em Ruínas” mostra-se apenas como um telefilme cheio de comiseração pela pobreza, mas que não propõem nem justifica nada.
No final, resta apenas um melodrama hiper exagerado que caricatura as pessoas a as suas histórias de vida, mas não passa nenhuma mensagem significativa, apenas se lamenta.
A espaços, até a banda-sonora se torna um empecilho, quando as escolhas musicais parecem colocadas à força em cenas que não as pedem e a juntar ao chorrilho de lugares-comuns no argumento e na caracterização humana tiram ainda mais a vontade de continuar a ver o filme.
O único motivo de atração em “Lamento de Uma América em Ruínas” é, definitivamente, a grande Glenn Close que no seu papel de avó de J.D. – a maior do que a vida Mamaw – acaba a destoar de tudo o resto.
“Lamento de Uma América em Ruínas” trazia consigo todos os ingredientes para um bom filme, mas nem na edição e montagem o conjunto esparso de elementos que não combinam bem juntos conseguiu formar um todo coeso.
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Em inúmeras ocasiões, a linha temporal é confusa e a sequência lógica dos eventos não é explicada quando de tal carecia. “Lamento de Uma América em Ruínas” é, na maior parte do tempo, um seguimento de cenas coladas umas às outras o que, por si só, não é condição sine qua non para constituir um filme.
“Lamento de uma América em Ruínas” encontra-se disponível na Netflix desde 24 de Novembro.