Outubro de 2019 e estou no Mayfair Hotel para entrevistar o mais jovem realizador com quem já tive o prazer de conversar.
Vinte anos, sim…apenas vinte anos. Phillip Youmans trouxe o seu filme “Burning Cane” ao London Film Festival depois do sucesso no Tribeca Film Festival (onde arrecadou três prémios).
Posso dizer-vos que a idade de Phillip Youmans é apenas um pequeno detalhe. Ele demonstra uma sensibilidade e inteligência que me faz questionar o porquê de haver quem diga que a nova geração está “perdida”. Eu e Phillip conversamos sobre cinema, religião e a importância de mostrar a humanidade por detrás de quem prega a palavra.
Escreveste e realizaste este filme. O que te levou a escolher esta história para contar?
“É bastante pessoal para mim porque eu cresci numa igreja Baptista e cresci a discordar com muita coisa. Quando me separei da igreja quis criar uma forma de humanizar aquela comunidade e contar através da experiencia Afro-Americana.”
És mesmo de Louisiana (onde o filme se passa) ?
“Sim! Nasci e cresci em Nova Orleães Louisiana mas a história passa-se a uma hora mais para o sul, numa paróquia, que aqui são como pequenos municípios, então é como se tivessem o seu próprio ecossistema, um tipo específico de protestantes afro-americanos.”
Uma das coisas que captou a minha atenção no filme foi a luz. Fala-me de como usaste a iluminação como forma de contar esta história.
“Sim! Eu queria que o filme desse uma sensação de documentário. Para mim, cenas que são demasiado bem iluminadas não são tão reais porque a realidade nem sempre tem iluminação perfeita (risos) e também porque prefiro filmar com luz natural. É fixe teres orçamento para fazer as coisas ficarem bonitas mas eu não me quis preocupar em fazer um filme bonito.”
Este filme é bastante cru e tem cenas que nos fazem sentir um pouco desconfortáveis porque parece que estamos lá a assistir ao que se está a passar. Lembro-me de ver uma cena em que vemos o copo de leite da criança e depois vemos o copo de álcool do pai. Mexes com esta ideia de inocência e vício neste filme.
“Wow! Sem dúvida! Não há nada por acaso neste filme. Foi uma boa observação.”
Eu venho de um país maioritariamente Católico onde a religião influencia o dia-a-dia e até a dinâmica entre famílias. No teu filme exploras este conceito de divino e de vício.
” Sim! Mas mais do que isso, exploro a hipocrisia. O não seres capaz de fazer o que estás a pregar. Eu acho que nunca deveríamos querer que alguém viva padrões tão elevados. No meu filme eu quero mostrar que mesmo alguém tão partido possa na mesma falar as verdades. Quando vês que o discurso dele fala que não se deve valorizar os bens materiais mas sim as relações humanas, ele está a falar a verdade mas ao mesmo tempo ele está a batalhar os seus próprios demónios.”
Eu adoro o facto de vermos que ele está a tentar ajudar as pessoas mesmo assim. O que nos leva a pensar se alguém a batalhar com ele mesmo possa na mesma dar conselhos e ser ouvido.
“Ele continua a tentar mesmo estando preso a um sistema na qual foi educado. Mostra a verdade e também a hipocrisia. Na minha opinião eu não quero que o meu filme seja definido pelas minhas objeções pessoais. Quero que haja sempre uma discussão aberta sobre as coisas, que haja a possibilidade de questionar mesmo acreditando. Claro que não quero impor as minhas próprias ideias e no que acredito. Eu mesmo ainda estou a tentar descobrir isto por mim próprio (sorri)”
Porque razão colocaste uma cena do Livro da Selva?
“(risos) Tivemos que tirar essa cena mais tarde, infelizmente, devido a direitos. Mas a ideia era mostrar a dinâmica e a complexidade entre predador e presa. Eu adoro a cena em que o Shere Khan canta “That’s What Friends Are For”. Mas tive que substituir por outra coisa, que também funciona.”
E a pergunta final que faço a todos os realizadores, se pudesses escolher alguém para realizar um filme sobre a tua vida quem escolherias e porquê.
“Wow! Okay. Paul Thomas Anderson! Ele faria com que ficasse tão fixe!”
Eu e Phillip ainda ficámos a conversar mais um pouco e fomos juntos para apanhar o metro onde falámos de como é ter o apoio de alguém como Ava DuVernay. Phillip apenas teve coisas boas para contar sobre a realizadora. O seu apoio, energia e bondade foram cruciais para fazer de “Burning Cane” o filme que é. Porém este filme só vem provar como é importante dar oportunidades e espaço a vozes diferentes, experiências diferentes e pontos de vista que podem criar conversa e debate.
[ Desde a entrevista “Burning Cane” foi nomeado a 2 Independent Spirit Awards (Prémio John Cassavetes para ‘filmes com orçamento inferior a 500 mil $’ e Melhor Ator Secundário – Wendell Pierce), 2 Gotham Awards (Prémio Bingham Ray para Melhor Realizador em Ascensão e Prémio do Público), 2 Satellite Awards (Melhor Filme – Drama e Melhor Ator Secundário) e 2 Black Reel Awards (Melhor Filme Independente e Melhor Primeiro Argumento). ]