“Small Axe” é a nova série do aclamado realizador Steve McQueen, em que cada episódio é um filme sobre momentos marcantes da comunidade negra no Reino Unido.
Neste artigo analisamos os dois primeiros filmes “Mangrove” e “Lovers Rock”.
Aclamado pelas suas aventuras pelo mundo do grande ecrã, Steve McQueen decide contar as suas próximas histórias em formato de série, tendo sobre os ombros o tremendo desafio de realizar 5 filmes para preencher este “Small Axe”.
Porém, ao percebermos que o tema recorrente e que interliga cada episódio da série são momentos importantes para a comunidade negra no Reino Unido e a sua emancipação social, percebemos a carga emocional presente para McQueen e que o mesmo realizará cada entrada da série com todo o prazer.
E essa paixão em contar estas histórias é perceptível em cada episódio daqueles que já estão disponíveis em Portugal na plataforma de streaming da HBO.
Toda esta jornada começa com “Mangrove”, que nos conta a história verídica dos 9 de Mangrove, uma união revolucionária contra uma unidade policial que abusa o seu poder para com o restaurante Mangrove e o seu dono Frank Crichlow (Shaun Parkes). Toda a revolução termina num julgamento que ficou conhecido para a história como o primeiro julgamento em tribunal contra comportamento motivado por racismo por parte da Polícia.
“Mangrove” é um “filme” marcante, potente e extremamente educativo, sem nunca se esquecer de que é uma peça de entretenimento.
McQueen utiliza todas as suas ferramentas para contar esta história de um modo ponderado, com um estilo visual e um ritmo tão característico e bem visível em todas as suas obras anteriores.
Como um maestro, o realizador conduz esta sinfonia e todos os seus elementos com calma, a pedir paciência por parte do espectador, pedindo-nos que o sigamos nesta viagem e que promete que será recompensadora. E, de facto, recompensa e bem.
O enredo vai ficando mais denso, a tensão aumenta a cada momento do episódio. Ficamos mais próximos das personagens e das suas lutas, com mais compaixão pelas mesmas. E muito deste impacto emocional advém das interpretações do elenco, em especial pela parte de Shaun Parkes.
O actor oferece-nos uma interpretação pura, com emoções à flor da pele. Uma personagem profunda, com momentos de pura alegria e de pura raiva, tudo numa questão de minutos. Parkes é a âncora que assenta este episódio. É através dele que navegamos pela história, é através dele que sentimos o arco emocional. Esta é, possivelmente, uma das melhores interpretações do ano e um marco gigante para a carreira do actor.
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Apesar de um primeiro acto um pouco aleatório e ligeiramente desordenado, onde estamos a tentar conhecer as personagens e a perceber qual o rumo da história, “Mangrove” é uma excelente e promissora entrada para “Small Axe”, na qual McQueen despeja todo o seu input emocional.
E se “Mangrove” é uma história com tremenda impacto social e sobre a emancipação da comunidade negra, o episódio seguinte – “Lovers Rock” – é uma celebração efervescente dessa comunidade e dos seus rituais.
“Lovers Rock” não conta uma história em específico. Aqui, McQueen não está interessado num storytelling tradicional, numa história banal. Ela está presente, certamente, mas a grande força impulsionadora deste episódio é a celebração das raízes da comunidade negra, a paixão por festejarem e de, por momentos, serem livres, sem preocupações do mundo que os rodeia.
Neste episódio, seguimos a preparação, decorrer e o após uma festa de aniversário, que tanto tem momentos gloriosos como também não tem medo de mostrar as facetas mais sombrias das pessoas.
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Nós somos guiados nesta festa por Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), que vai a esta festa e conhece Franklyn (Micheal Ward), um possível par romântico para essa noite. Porém, esta história tem tanto peso como muitas outras que nos são contadas ao longo da noite, com personagens distintas e apelativas.
Mas o grande foco de “Lovers Rock” é a festa em si, com todos os seus altos e baixos, encontros e desencontros, danças e drogas, prazer e desconforto.
Apesar da sua escassez no que toca a carga emocional e impacto do enredo, McQueen compensa em momentos fulminantes e festivaleiros, com a música e a festa a adensar à medida que a noite vai ficando mais velha.
Este não é um episódio fácil de digerir, porque pede ao espectador que apenas se deixe absorver neste ambiente tão caótico que McQueen nos empurra, sem termos uma história forte e concreta para nos sustentar. Não é um episódio para todos, mas é igualmente merecedor de pertencer a esta série.
Apenas com estes episódios conseguimos perceber as motivações de McQueen por detrás de “Small Axe”. Esta série é ao mesmo tempo uma tentativa de trazer ao público histórias verídicas marcantes para a evolução social e para a emancipação da comunidade negra – como perceptível em “Mangrove” – como uma celebração e júbilo das tradições, levando ao peito com orgulho a medalha de se pertencer à comunidade negra – como no caso de “Lovers Rock”.
Este é um pêndulo em que McQueen caminha. Ele quer ser o porta-voz desta histórias, mais ou menos complexas e aprofundadas, e fá-lo de maneira tão meticulosa e bela que é impossível ficarmos indiferentes. Seja para mostrar a revolução ou a celebração, “Small Axe” tem algo para todos e promete ser um machado afiado em todos os episódios.
“Small Axe” está disponível na HBO Portugal.