No infinito catálogo da Netflix, podemos encontrar “Mignonnes: Primeiros Passos”.
Uma história sobre crescimento que se tornou num dos filmes mais controversos do ano.
O que seria da Arte sem gerar controvérsia. A meu ver, só se consegue realmente criar obras duradouras e revolucionárias se se quebrar barreiras e gerar falatório e controvérsia em torno das mesmas.
Controvérsia é coisa que não falta no que toca à Sétima Arte. Todos os anos existe, no mínimo, um filme que irá criar mais conversa contraditória e escorrer tinta de caneta (ou criar calos nos mãos dos jornalistas digitais) sobre um único ponto do filme do que sobre o conteúdo do mesmo em questão.
Reza a lenda que em pleno século XIX Phineas T. Barnum disse “There´s no such thing as bad publicity”. Porém, em todos os casos é preciso analisar a conteúdo a ser discutido pelas mais variadas facetas e (pasme-se!) ver, neste caso, o filme em questão para saber dar uma opinião fundamentada sobre o tema.
Ao deparar-me que um filme que estreou recentemente na Netflix estava a gerar tremenda controvérsia decidi que seria justo da minha parte ver o filme em questão para poder falar sobre o mesmo com conhecimento e de forma aprofundada.
O filme em questão chama-se “Mignonnes – Primeiros Passos”, sendo mais conhecido no mercado Americano e nos conteúdos partilhados pelas redes sociais e artigos online como “Cuties”. Porém, daqui para a frente no artigo tratarei o filme por “Mignonnes” por ser o seu legítimo nome de nascimento.
Esta é a primeira película escrita e realizada por Maïmouna Doucouré e conta-nos a história de Amy (Fathia Youssouf), uma rapariga de 11 anos que se terá de adaptar a uma nova cidade e a uma nova escola, à medida que se apercebe dos problemas familiares com a poligamia do pai.
Assim, presa entre os valores religiosos e culturais da sua família e o impacto sexualização do século XXi, Amy junta-se a um grupo de dança feminino que estão numa altura adolescente de descoberta da sua própria sexualidade.
Só com esta pequena descrição, penso que já devem ter uma pequena noção dos tipos de criticismos que “Mignonnes” tem vindo a receber desde a sua estreia na Netflix.
Muito do falatório também adveio de um poster publicitário vindo dos escritórios do serviço de streaming que exacerbavam o nível de sensualidade/sexualidade posta aos ombros de um grupo de crianças entre os 11 e os 12 anos. Algo condenável e que foi rectificado pela Netflix.
Porém, uma grande percentagem dos subscritores do streaming viram o cartaz e a descrição do filme e os “insultos” dados ao filme não se fizeram esperar. Desde exploração infantil até pedofilia, “Mignonnes” foi alvo de quase todo o tipo de opiniões negativos que nenhum filme quer receber.
Com base nisto, decidi ver o porquê de tanto alarido e não é que, para meu espanto, em vez de me deparar com uma depravacidade do mais alto nível, encarei com um filme bem construído e narrado, com uma visão singular mas respeitosa sobre o tema em questão.
“Mignonnes” é cru, puro e duro, não se esconde por camadas de maquilhagem. Não passo com paninhos de água quente sobre assuntos importantes e que devem ser explicitamente falados. E, devido a toda a naturalidade presente ao longo do filme, não são tópicos de conversa aceitáveis para todas as pessoas.
Qualquer membro do elenco infiltra-se nos seus papéis como uma luva, com um à-vontade e uma naturalidade perfeitos. Não existem personagens mas sim pessoas, como se de um documentário se tratasse. Todos oferecem interpretações brilhantes, com especial destaque para a secção mais jovem do cast que são uma autêntica revolução no que toca a child acting.
E agora vamos ao busílis da questão: os momentos de dança das raparigas, especialmente a performance final.
De facto, existem muitos momentos em que estas raparigas exploram o seu lado sexual, descobrindo-se a si mesmas e os mundo que as rodeia. Isto pode ser visto seja pelas roupas que usam ou pelos movimentos de dança que executam.
Ver também: “I Know This Much is True” – Da infelicidade possível
Porém, e aqui está aquilo que afasta “Mignonnes” de tudo aquilo em que é acusado – o filme está realizado a demonstrar que não aceita esta corrupção da juventude. Também não condena de forma invasiva. Maïmouna Doucouré apenas tenta mostrar as coisas como elas são. Apenas quer mostrar como a sociedade poluída do século XXI consegue influenciar as mentes de esponja da juventude e corromper os valores aceites socialmente.
Doucouré também não se proíbe em mandar farpas às sociedades religiosas em que nossa protagonista está inserida – sociedades estas que não conseguiram acompanhar a evolução dos anos, tornando-se um pouco retrógradas e, talvez nalguns casos, obsoletas. Para uma jovem com uma vida conturbada como Amy facilmente verá caminhos mais virados para o lado pecaminoso do que focar-se naquilo que seria melhor para ela mesma.
Ao seja, com isto tudo, o que tenho eu a dizer relativamente a tudo o que rodeia “Mignonnes”. A controvérsia é totalmente infundada e incrivelmente exagerada. O filme é bastante cru e natural, pretendendo chocar a sua audiência de forma a alertar para aquilo que já acontece nas nossas ruas.
Nota-se que muitas das pessoas que alimentam estas conversas nem chegaram a ver o filme, apenas se baseiam naquilo que ouviram dizer (o que eu considero que seja uma atitude, desculpem a minha linguagem, ridícula).
“Mignonnes” não é perfeito, mas serve na perfeição para aquilo que quer alertar. Com um pé na realidade fria e o outro na doçura da juventude, a estreia da realizadora Doucouré é um filme viciante e arrebatador. Espero que a realizadora não se desentusiasme, porque vir a tornar-se um nome que ainda virá a provar-se como uma voz promissora nesta nova década – e que venham mais choques para o público.