Paulo Araújo não se considera realizador de profissão, no entanto trabalha de perto na área audiovisual e já conta com duas curtas metragens no seu currículo.
Em conversa com o Cinema Pla’net, Paulo falou-nos um pouco do seu trabalho. Deu também algumas considerações relativamente ao cinema em Portugal.
Para quem não conhece o Paulo pode-se apresentar?
Sou o Paulo Araújo, não sou conhecido propriamente no cinema, mas já fiz duas curtas metragens. Fiz a primeira para experimentar e tomei-lhe o gosto e fiz uma segunda. Mas foram feitas a pensar no Festival Internacional de Cinema de Terror (o Motel X) e ambas foram seleccionadas; uma em 2013 e “O Tesouro” em 2015.
Como recebeu o “empurrãozinho” para fazer as curtas que referiu?
Desde logo porque gosto muito de cinema e vejo muitos filmes. Não sou um fã propriamente dito do cinema de terror; fiz estes filmes a pensar no Festival de Cinema de Terror, logo os filmes tinham que ter essa característica. Mas foi o facto de gostar muito de cinema e de gostar muito de audiovisual (eu sou designer gráfico e ilustrador).
Além disso vou fazendo uns vídeos agora porque fui ganhando experiência desde 2013 nessa área; já faço alguns vídeos profissionais e algum equipamento meu. Entretanto quero continuar, já tenho um argumento praticamente acabado e vou começar a fazer este ano uma outra curta que também vai ser de terror e mais uma vez a pensar no Festival de Cinema de Terror.
Pode-me falar um pouco mais sobre as duas curtas que fez?
“Nico – a Revolta” é uma curta que tem sete minutos. Nico é a personagem principal e há revolta porque há ali uma reviravolta na sua história. Essa curta foi filmada a dia 25 de abril e de algum modo tem uma analogia à Revolução de Abril, porque de facto há uma reviravolta e o filme faz uma analogia a isso.
É um filme violento em que há uma revolta mas tem referências históricas. A história é simples, mas não a vou contar toda. Há um indivíduo que tem uma rapariga presa em sua casa que é tratada como se fosse um animal (a casa está vedada, a comida é colocada no chão, as janelas estão tapadas, enfim um sentimento de clausura) e ele ainda põe a rapariga a fazer serviços “menos próprios”. E há um dia no qual ela se irá revoltar contra isso.
“O Tesouro” foi um argumento que praticamente é uma “colagem” ao conto de Eça de Queirós. A única coisa que fizemos foi criar diálogos, mas de resto a história é exatamente como a do conto. Aliás o conto até se passa antes da Idade Média embora eu tivesse colocado a história como se tivesse ocorrido mais ou menos por volta dessa época.
Trata-se do conto de três irmãos que são fidalgos, mas que caíram na desgraça: têm uma casa que está toda destroçada, não têm dinheiro nem para se alimentar. E entretanto descobrem um tesouro, tesouro esse que tem três chaves (para os três irmãos). Mas depois a ganância é tanta que eles resolvem ficar com o máximo de dinheiro possível, há zaragata entre os irmãos e depois acaba por acontecer uma desgraça no fim.
Onde foram filmadas as duas curtas?
A primeira foi filmada em minha casa. Foi quase tudo na sala porque tem muita pós-produção e ainda filmei algumas coisas em green screen o que me permitiu criar vários tipos de cenários como o hall, a sala, a cozinha e o corredor.
A segunda foi gravada essencialmente no exterior e foi à volta de Vila Real num vale que há mais a norte. Não faltam sítios engraçados para se filmar em Trás-os-Montes.
Pode-me falar do projeto futuro que está a desenvolver?
O projeto que tenho em mente é um filme que em termos de produção vai ser mais simples. Só são três personagens numa conversa à volta de uma mesa numa ação que se vai passar em dois tempos diferentes.
Há um tempo atual que é de madrugada em que uma dessas três personagens que é a mulher está morta. As duas outras personagens não sabem que ela está morta e aparentemente não sabem como ela morreu e acusam-se um ao outro. Entretanto vão passar cenas do tempo anterior (que foi na altura do jantar) e vai-se aos poucos descobrindo quem é que matou quem e porquê.
É um thriller psicológico numa curta metragem que vai durar quase 15 minutos.
Acha que o cinema em Portugal está a começar a ganhar futuro?
Não sei. Quem sou eu que tenho poucos conhecimentos dessa realidade, mas sou interessado por alguns aspetos dessa área.
Acho que se produz muito mais cinema do que há uns anos atrás e vemos muitos filmes a serem distribuídos comercialmente nas salas portuguesas. Agora quase todos os meses sai um filme português, mas está muito longe de ser uma indústria como em Espanha ou França ou Alemanha.
Portugal não tem esse tipo de indústria por ser um país pequenino, com poucos meios e pouco dinheiro, mas há muita mais produção, muita mais qualidade e acho que a tendência será para melhorar. Mesmo não tendo grande apoio do Estado, as pessoas vão-se motivando e há escolas de cinema e de audiovisual e muita gente a sair com talento e com qualidades. Não só realizadores, mas também na própria produção.
Mas até termos uma indústria de cinema portuguesa ainda falta muito para isso acontecer.
Mas acha que tem crescido o número de interessados em cinema independente?
O público português também precisava de ser um bocadinho mais “educado”. Porque ainda há muito preconceito ainda em relação ao cinema português. Nós estamos habituados a ver aqueles filmes portugueses que normalmente dizem que são filmes “chatos” e filmes de cinema intelectual (que muitas vezes nem sequer se tratam de cinema intelectual, mas são tratados como isso).
Depois claro temos a seleção dos filmes de Hollywood não só nas salas, mas também na própria televisão. As pessoas estão muito formatadas e custa-lhes muito ver cinema que não é falado em inglês da América. Não só por ser cinema português, mas também por ser cinema francês, ou cinema alemão ou até cinema sueco ou russo. Enquanto esse estigma não for ultrapassado as pessoas não vão estar abertas a outras experiências.
Há uma diferença muito grande na aceitação. E o cinema português também tem disso, tal como a música portuguesa há uns anos , por exemplo. Temos tanta música portuguesa (nas áreas do pop e do rock com qualidade) de que as pessoas gostam. Há 20 ou 30 anos também existia esse problema: poucos artistas portugueses conseguiam.
Nós hoje podemos dizer quase que já há uma indústria de música portuguesa e que há muita aceitação e essa mesma música é até é exportada e ouvida. Nós sabemos que temos tantos artistas lá fora que fazem sucessos de vendas. E falta um pouco isso ao cinema português.
Falta as pessoas perceberem que há gente com qualidade, há cinema bom, há cinema mainstream, cinema intelectual, enfim, filmes bons portugueses que são para todos os públicos. As pessoas têm que aprender a gostar disso também, bem como a apoiar e a defender conforme fazem com a música.
A qualidade dos portugueses é tanta na música como no cinema. Do mesmo modo que há vários conservatórios de música, também há cada vez mais escolas que têm cinema e audiovisual. Se há jovens talentos na música, claro que também os há no cinema. O público português é que precisa de ir mudando a mentalidade em relação a isso.