Dentro do universo dos X-Men, uma família americana vê-se totalmente descarrilada depois de drásticas mudanças consequentes da revelação mais inesperada das suas vidas.
Os irmãos Lauren e Andy Strucker são mutantes e, juntamente com os pais Reed e Caitlin, devem lutar contra o sistema, contando com a ajuda de um enorme grupo de mutantes clandestinos.
Sendo esta apenas a primeira série da Marvel que vejo, devo admitir que fiquei impressionado. Next stop: Netflix! A série “The Gifted” foi exibida a partir de dia 3 de Outubro na Fox em Portugal e, para além de mais uma adaptação da obra do Stan Lee, é uma criação do Matt Nix, também responsável por APB, com o Bryan Singer a na produção. A série, mesmo muito frenética e bem direcionada, não é isenta de episódios aborrecidos ou esporádicos momentos arrastados. Mas já falaremos disso…
O começo é muito bom. A família Strucker tem uma boa introdução, os irmãos têm uma boa e genuína relação, na qual os dois atores estão investidos emocionalmente e as suas interações são as mais promissoras inicialmente. A cena com os rufias no ginásio da escola, por exemplo, é facilmente um dos melhores momentos da série. Os efeitos visuais são completamente operantes, mas o que se vende é o conflito dos personagens. Aliás, os arcos e diálogos são os fatores que recebem mais espaço durante toda a série. Quem espera mais um produto cheio de luzes e da ação típica da Marvel pode não ficar muito satisfeito. Dito isto, “The Gifted” não é isento de excelentes cenas de ação ou perseguição e de bons twists.
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Porém, já no primeiro episódio, surgiu um problema que me acompanhou pelo resto do tempo. Quando é revelado que os irmãos eram mutantes sem antecedentes familiares, o choque é grande, principalmente para a mãe deles. No entanto, para o pai, um procurador que trabalhava com mutantes criminosos, a surpresa parece não ter sido tão grande. Como se, de alguma maneira o mesmo já soubesse… Tal não faz sentido tendo em conta o desenrolar da trama. O seu choque e desconforto com a situação deviam ser maiores e mais manifestados. No entanto, o desenvolvimento do fim do preconceito do casal para com a “raça mutante” é muito bem feito. O Reed e a Caitlin Strucker depressa percebem que apenas querem proteger os filhos, independentemente da sua condição. Em específico, o Reed, ao se juntar aos Mutantes Clandestinos, apercebe-se do ambiente onde, do dia para a noite, foi inserido, que somente quer sobreviver face às condições presentes dadas à sua espécie.
Particularmente, o Agente Turner, juntamente com outros antagonistas, é um dos personagens mais interessantes de toda a série. Aliás, dizer que ele é o antagonista é errado. Na verdade, este é um simples homem que passou por uma perda inestimável. Quer consequentemente ver justiça a ser feita, ou o mundo a arder. O Coby Bell deu uma das minhas interpretações favoritas. É um personagem humano e relacionável, apesar de sabermos que está atrás dos protagonistas, pelos quais o público torce incondicionalmente.
Como de costume no universo do X-Men, os personagens e os seus arcos estão envoltos num importante e atual comentário social e político. “The Gifted” fala sobre a importante questão dos refugiados, do terrorismo nos EUA, do habitual e ainda bastante presente racismo e preconceito geral da população americana, privilegiada ou não. É interessante, é bem desenvolvido e provoca todo o tipo de sentimentos no público. Sejam estes de raiva, pena ou uma grande vontade de solidariedade…
Progressivamente, a série começa a revelar os seus maiores defeitos. O guião tem algumas boas ideias que, na teoria, funcionam muito bem, mas quando postas em prática resultam em arcos dispensáveis. A Natalie Alyn Lind e o Percy Hynes White têm uma química excecional, como já disse. A melhor personagem é sem dúvida a Lauren. Na maior parte do tempo, o Andy é um adolescente mimado e temperamental que decide sair da sala quando as coisas não correm conforme o seu agrado. É repetitivo e chega a ser cansativo facilmente.
Para além disso, todas estas pequenas discussões mostram o quão mau ator o Percy Hynes White é. Felizmente, o Stephen Moyer e a Amy Acker estão impecáveis e muito carismáticos e, como os ótimos atores que são, salvam todas as cenas estragadas pelo Percy Hynes White. Na verdade, há muito mais que se diga em relação a este duo. A relação é genuína, assim com o seu amor e jornada, acreditamos facilmente que existe ali uma história apaixonante.
Os Mutantes Clandestinos sofrem de algo recorrente. O abrigo é enorme, assim como o próprio grupo. Por isso, era impossível desenvolver todos os personagens, mesmo numa série de 13 episódios. No entanto, o trabalho em conjunto e a química entre todos é irrepreensível. Todos os principais mutantes recebem a sua devida atenção, desenvolvimento, e merecidos arcos, sem jamais deixar a trama desorganizada.
Os grandes destaques são o Sean Teale e a Emma Dumont, que constroem uma relação ainda mais carismática e credível, apesar das suas personalidades constantemente chocarem. O Marcos é hesitante, paciente e inseguro, enquanto a Lorna é agressiva, confiante e, por vezes, nervosamente apressada, mesmo o público compreende perfeitamente a sua motivação. Chateou-me um pouco a série deixar um ponto da personalidade do Marcos em águas de bacalhau. Explorarem esse traço resultaria em repercussões sensacionais. Parece que deixaram isso possivelmente para a segunda temporada ou para não mancharem o personagem. Mas uma simples conversa espontânea ter-me-ia bastado. Fiquei desiludido.
Quem eu mais gostei foi o Blair Redford. Ambos o ator e o personagem são os mais carismáticos de toda a série, assim como o seu conflito pessoal e motivações claras. Eu estava com ele! De resto, a Jamie Chung tem uma presença muito amigável, misteriosa e com um enorme potencial para uma segunda jornada, e a Elena Satine, mesmo com uma menor participação, consegue manter uma presença muito calorosa e até maternal. Há um mutante interpretado pelo Danny Ramirez que entra a meio da série que me deu mesmo vontade de o ver a morrer o mais depressa possível. O personagem entra num arco que mais parecia de uma comédia romântica e o ator é muito limitado dramaticamente.
Em relação à fotografia e à banda sonora, a série é completamente irreconhecível. Hoje não me consigo lembrar de nenhuma composição ou plano específico ou melodia que me tenha ficado na cabeça. Mas tudo bem, afinal é uma série e não um filme da Marvel. Há que reconhecer, no entanto que, nos devidos momentos, estes dois fatores fazem o seu trabalho. À parte de todos os deslizes técnicos ou narrativos, a série acha uma maneira inteligente de nos manter ansiosos pelo próximo momento. Progressivamente, a trama resolve alguns plot holes e o final, em particular, é espetacular e não tão previsível assim.
“The Gifted” é uma simples boa série para quem quer começar uma maratona de conteúdo televiso da Marvel ou outro. Tem os seus bons e maus personagens, arcos e momentos. Tecnicamente, é esquecível, mas vale sobretudo pelos conflitos envolventes e pelo comentário da sociedade atual, tão presente no universo dos X-Men.