“The Undoing”, a nova minissérie da HBO, é um rebuçado muito bem embrulhado e promissor, não tanto pela história, mas sobretudo porque tem um elenco de luxo a que se alia um dos mais bem-sucedidos produtores de séries das últimas décadas, David E. Kelley.
Nicole Kidman é mais uma vez produtora executiva, à semelhança do que aconteceu em “Big Little Lies”, David E. Kelley volta a ser o produtor e a realização fica a cargo de Susanne Bier, a cineasta de origem dinamarquesa responsável, por exemplo, pela série “O Gerente da Noite” ou por “Às Cegas” (“Bird box”).
No elenco, junta-se a Nicole Kidman o eterno charmoso britânico Hugh Grant, que é aqui o seu bem-sucedido marido, Edgar Ramirez (o Versace de “American Crime Story”), Lily Rabe (“American Horror Story) e Donald Sutherland – que dispensa apresentações -, entre outros nomes menos sonantes, mas igualmente competentes.
De olhos bem fechados e contando apenas estes pormenores, seria de esperar um possível imenso deslumbre, mesmo sabendo que a história nada tem de extraordinário – mas “Big Little Lies” também não tinha.
O que é certo é que nos dois primeiros episódios disponibilizados pela HBO para visionamento apenas se encontram motivos de espanto pelo lado menos positivo. “The Undoing” é um conjunto de lugares-comuns que se expandem um pouco por todo o lado, desde a realização à edição, passando pelos diálogos.
Neste preâmbulo de “The Undoing” seria de esperar que o melhor da série fosse apresentado ao espetador, mas apenas fica a sensação de que a competente equipa de alguma forma se terá descoordenado em grande medida ou entrado em desacordo no que diz respeito à linguagem ou direção que a série deveria tomar.
Hugh Grant chega até a soar a grande salvador de “The Undoing”, uma pequena pérola de humor e savoir-faire a que o ator, aliás, sempre habituou o público, mas depois chega a lembrança de que desta vez não se trata de mais um filme romântico e percebe-se que o seu papel pode ter sido decalcado de um modelo de sucesso que na série se torna apenas deslocado.
Nicole Kidman, seja por inadequação do argumento, seja por descoordenação da equipa, é aqui apenas uma pálida cópia dos seus melhores papéis, com os mesmos lugares-comuns, os mesmo olhares, as mesmas frases, com uma personagem tão deslocada como todas as outras.
Com dois episódios iniciais relativamente extensos, o tempo seria mais do que suficiente para enriquecer e entregar contexto e envolvimento que faça com que o espetador se importe com aquelas pessoas e com aquela história. Ao invés, fica uma suave sensação de pena pelo facto de tanto talento se ter desperdiçado.
A ideia de uma sociedade rica e bem-sucedida, do casal perfeito com o filho perfeito, não são novas, e, à partida, espera-se que o modo como esse mundo é retratado seja igualmente perfeito. Em “The Undoing” até a escolha para representar essa perfeição soa a falso, nomeadamente na realização e na escolha da luz nos exteriores, por exemplo.
“The Undoing” assemelha-se a um daqueles momentos da vida de alguém em que nada se adequa, em que há sempre alguém que diz o que não devia dizer ou o diz na altura errada, um olhar nervoso ou fora de contexto, uma fala introduzida à força no diálogo porque é aquilo que se espera seja dito.
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Alguém concretizou uma minissérie para a HBO e contou apenas com os fatores de sucesso passados ou não teve tempo para construir uma história coesa e coerente. Na maior parte do tempo, nem há uma explicação mínima para a construção do argumento, basta lembrar, por exemplo, a chegada dos dois detetives à história que, sem demais pormenores, de repente estão a vasculhar papéis na casa de Grace Fraser (Nicole Kidman) como se procurassem as cábulas na escola secundária.
A sequência de eventos nem sempre é lógica e praticamente todos os momentos soam a falso, desde a introdução da família menos afortunada no seio das famílias ricas de Nova Iorque, até à própria atuação do pequeno Miguel, que num determinado momento surge claramente com lágrimas falsas.
“The Undoing”, à primeira vista, é uma telenovela mexicana de baixo calibre, o que é surpreendente para algo vindo da HBO, que, sem sombra de dúvidas, habituou os espetadores a um nível de qualidade que não se coaduna com este tipo de produções. Muito menos se esperaria que com a equipa e elenco desta minissérie o resultado fosse tão medíocre ao ponto de roçar o inacreditável.
A impressão causada pelos dois primeiros episódios a visionamento é acima de tudo de incredulidade, embora se mantenha a esperança de que eventualmente o seguimento da história tenha algo mais para dar ou encontre até o caminho que lhe é devido.
A verdade é que quer na sua linguagem estética quer no seu conteúdo, “The Undoing” não tem um caminho próprio, parece ter juntado apenas uma série de fórmulas de sucesso vistas noutros lugares sem se preocupar com nexo ou linguagem própria. Para além de não contar uma história com algo de novo, não inova ainda no modo de a contar ou sequer se importa com criar personagens com dimensões, com cabeça, tronco e membros.
Os diálogos e as interações entre personagens são muitas vezes tremendamente apressados e fora de contexto: aqui está um personagem sozinho a contemplar o horizonte, ali chega um outro personagem de rompante que lança um parágrafo de texto apressado e nervoso, não há qualquer momento de tensão, o personagem interpelado não tem tempo de sequer responder ou respirar e a seguir já se segue para outra cena.
“The Undoing” é um grande puzzle de fórmulas bem pensadas que não teve tempo para ser construída como um conjunto real. Por isso, talvez até se possa considerar uma minissérie a 33 rotações por minuto ou um grande fast forward num vídeo de 4 minutos naqueles dias em que não há paciência para nada. Fica apenas a esperança de que para lá dos dois primeiros episódios possa residir a sua grande salvação.