Pensemos numa história de amor entre elementos de dois grupos rivais; um amor proibido e, até, trágico. Esta podia ser a sinopse de Romeu e Julieta, mas é a sinopse deste tão aclamado filme West Side Story, que vê a luz do dia, mais uma vez, agora pela mão de Steven Spielberg.
West Side Story de Steven Spielberg não é uma recriação, mas sim uma convocação de sentimentos antigos. Janusz Kaminski acompanha Steven Spielberg e transporta-nos para os anos 50, voando sobre escombros de prédios e aterrando num solo inóspito, onde persistem disputas entre Jets e Sharks.
Reconhecemos facilmente a sinopse deste filme, mas graças a Adam Stockhause, designer de produção, reconhecemos locais onde nunca fomos, anos que nunca vivemos, visto termos uma mise-en-scène fiel ao cenário imaginado por Arthur Laurents, em 1957. O guarda-roupa surge-nos como um aliado da mise-en-scène, que, ao mesmo tempo nos transporta para aquele mundo e nos apresenta uma nova visão dos grupos rivais.
Mudanças na nova versão
Ao contrário da versão de 1961, os Jets aparecem-nos com cores sóbrias, principalmente azuis-escuros e cinzentos, contrastando com as cores vibrantes que representam o grupo porto-riquenho, os Sharks, em que predominam as cores quentes e vibrantes. Tony e Maria vestem branco aquando do seu primeiro encontro, uma cor que significa um limbo e uma exclusão dos grupos a si associados. Tudo isto culmina num filme que faz lembrar os tão adorados musicais vintage.
O novo West Side Story mantem as músicas originais de Stephen Sondheim e Leonard Bernstein, preservando a musicalidade viciante do enredo. Todavia, altera a ordem das músicas, assemelhando-se à versão de palco de 1957, de modo a aumentar o desgosto amoroso para o público. Semelhantes são também as danças de jazz, bastante elaboradas e de grande produção, em que as linhas e movimentos retos e agressivos flutuam, sendo elementos auxiliares ao enredo.
Como é West Side Story em 2021
Apesar das semelhanças com as versões de 1957 e 1961, o filme de 2021 inova em alguns aspetos, principalmente no facto de dar oportunidade a jovens latino-americanos de representar os Sharks, Maria e suas famílias, pondo de lado o Brown-face, muito recorrente noutras adaptações, como a de 1961. Steven Spielberg e Tony Kushner criam novos diálogos, de modo a dar enfase a diálogos em espanhol, como vemos no momento em que os Sharks, cantam uma versão do hino porto-riquenho, La Borinqueña, onde reafirmam as suas raízes porto-riquenhas, mas também reivindicam a sua pertença a Manhattan. Este é um filme que, apesar de tratar de problemas territoriais entre grupos rivais, trata também questões de raça, classe e identidade cultural, temas tão pertinentes nos dias de hoje.
Regressos ao filme
Rita Moreno retorna a este West Side Story, que em 1962 lhe valeu um Óscar de Melhor Atriz coadjuvante, com a interpretação de Anita. Desta vez tem uma personagem inédita, criada apenas para si. Valentina é uma expansão da personagem de Doc., visto ser sua viúva e surge-nos como uma figura maternal de Tony. Tony, interpretado por Ansel Elgort, por sua vez, também sofreu algumas alterações, que neste filme acaba de sair da prisão devido a um ato de violência extrema. Já Maria, a nossa delicada protagonista, é interpretada por Rachel Zegler, que se estreia brilhantemente, numa performance impressionante e comovente, que, por entre um sotaque recortado, nos deslumbra. Destacar ainda a fantástica atriz que dá vida a uma Anita, Ariana DeBose, que percorre os extremos da emoção, mostrando-nos a paixão, esperança, desilusão, mas, principalmente, o luto de uma forma crua e interpretada de forma genial.
No fim do filme todos ambicionamos que nada de mal aconteça, apesar de conhecermos bem o desfecho desta tragédia. As personagens tão bem construídas e tão perto de serem reais fazem com que seja difícil alguém detestar algum das personagens. Ansel e Rachel têm uma química quase invejável, mostrando-nos um Tony inocente e, em muitos aspetos, mais real do que a interpretação de Richard Beymer, em 1961. Já Rachel traz-nos a latinidade e pureza de Maria, e faz-nos perder nas entrelinhas da sua voz melodiosa. Steven Spielberg revela-se um diretor multifacetado, neste que é a sua interpretação de um dos seus espetáculos e filmes favoritos, e apresenta-nos um dos melhores filmes do ano, com interpretação vem acrescentar dimensão de personagens, representatividade, densidade à história de Arthur Laurents.