Após uma fantástica primeira temporada, a ânsia de saber se a segunda manteria o mesmo nível era grande. Será que conseguiu?
A resposta é… pouco importa. A segunda temporada é, certamente, bastante menos subtil que a primeira. Mas isso não tem de ser, nem é, um ponto negativo. Os temas tratados nesta segunda temporada pedem que se reduza a subtileza. Antes de tudo, quero estabelecer que neste artigo não encontrarão uma crítica ‘fria’ ou tradicional, que se vá limitar a analisar os vários aspetos da série qualitativamente. Muito menos me focarei nos aspetos técnicos. Se é isso que procuram, este não é certamente o lugar ideal. O que procurarei fazer neste espaço é melhor descrito como uma análise aos temas de Westworld, e respetivos significados.
Podem também encontrar algumas reflexões sobre a primeira temporada neste link.
O simples facto de estar a escrever um artigo sobre Westworld já diz muito do apreço que tenho por esta série. Porque a verdade é esta, estou muito longe de ser um apreciador de séries. Contam-se pelos dedos as que consegui acompanhar até ao fim… Não é que não reconheça a qualidade dos trabalhos nesta área, inclusive de algumas séries que deixei de acompanhar, mas preciso de um investimento emocional forte para me prender a um conteúdo que é transmitido de forma contínua, às fatias de 45 minutos ou uma hora por semana. Mas deixemo-nos de introduções e vamos partir para o que interessa: A segunda temporada de Westworld. Caso ainda não tenham visto, deixo já o aviso – spoiler alert!
Bem, se há um aspeto em que certamente todos concordaremos após assistir esta segunda temporada, é que há vários temas recorrentes na primeira temporada que foram abandonados ou suavizados nesta continuação da história. A sexualidade, a sede de violência, e os instintos primitivos no geral, passaram assim para segundo plano. A violência talvez menos um bocadinho, mas mesmo esse tema acabou por ser mais ‘mostrado’ do que ‘explorado’. Os temas dominantes da segunda temporada foram então o conceito de família (real e artificial), e as (dis)funcionalidades da mesma; Bem como a ligação entre a humanidade presente nos hosts, e as automações presentes nos humanos.
Ao contrário do que poderá ser natural pensar tendo em conta a variedade de parques e povos introduzidos, não é crível que Westworld esteja a viver uma crise de identidade. O parque ”Westworld” era o nosso conhecido da 1ª temporada, e foi por lá ainda assim que se passou a maioria desta 2ª temporada, mas tal não quer dizer que os planos de James Delos, Arnold Weber e Robert Ford fossem exclusivos a esse parque. Episódios como Akane No Mai ou Kiksuya não foram apenas detours casuais para introduzir novos cenários e personagens. O objetivo foi, sim, levantar um pouco o véu e mostrar-nos parte da chamada ”bigger picture”. É sempre importante em qualquer história, e especialmente numa obra como Westworld, ir ligando pontos distantes.
Ao longo de toda a temporada existiu uma narrativa constante: A procura por um determinado local por várias personagens. Cada entidade que partia em busca deste destino, fazia-o por razões diferentes dos restantes. Dolores, talvez a mais assertiva, apelidava o lugar de ”The Valley Beyond”. Após muita especulação, viemos a descobrir que se tratava dum mundo virtual criado por Robert Ford, exclusivamente para os hosts. No entanto, e sem que o soubessem, tinham de abandonar o seu corpo para lá chegar. Esta foi uma de várias metáforas bíblicas presentes ao longo da 2ª temporada, mas principalmente no último episódio. A cena em que Clementine cavalga pelo meio dos hosts, qual cavaleira do apocalipse, é um dos mais belos visuais que a série já nos ofereceu.
Na primeira parte da temporada, fomos levados a acreditar que o propósito do projeto da Delos era avaliar as ações dos convidados humanos do parque para de certa forma os categorizar e estudar os seus instintos mais primitivos. Poderia ser, de facto, um rumo interessante para a série. E no fundo, demonstrou-se verdade parte desta suposição, os guests estavam constantemente a ser avaliados… Mas por razões bem longe de serem puramente académicas ou de interesse social. Os hosts, no fundo, são o protótipo do projeto da Delos, que pretende explorar a possibilidade de replicar e transferir a mente humana para um meio artificial, onde eventualmente se eternizaria… tal como acontece com os hosts.
Outra grande questão presente ao longo da temporada é a moralidade. É inevitável reconhecer personagens que representam quase simbolicamente o bem. Da mesma forma, há personagens que representam o mal, bem como personagens claramente em conflito com a sua moralidade. Até aqui, tudo bem. Mas em Westworld, raramente a moralidade é contínua, porque os personagens se deterioram com o caos, ou encontram salvação no meio deste, havendo até casos em que a sua moralidade é forçosamente alterada por uma ação exterior. Os casos de Clementine e Teddy (cuja moralidade foi manualmente alterada), bem como de William (que vai cada vez mais perdendo a capacidade de distinguir o bem do mal… e o real do fictício) ou até da própria Dolores, ela própria uma amálgama de duas personalidades moralmente opostas, são bons exemplos disto. Até nos próprios humanos como Stubbs ou Sizemore essa fluidez moral é notória.
Todavia, talvez o maior destaque desta temporada seja a forma como Westworld abandona certas tropes da ficção científica. Não acho que isto seja, por si só, um ponto positivo (embora neste caso específico ache que tenha resultado bem). Mas trata-se, no mínimo, dum exercício entusiasmante. O mais significante exemplo é que em Westworld, vivemos a história maioritariamente através do ponto de vista das ”máquinas”. Os humanos, na sua generalidade, ocupam o papel de vilões. Não quer isso dizer que todos os hosts sejam pintados como ”bonzinhos”, mesmo se falarmos apenas dos hosts sencientes. A vilania, aqui, mais do que ao caráter, está ligada aos propósitos da Delos e dos seus parceiros, por oposição à rebelião dos hosts contra os seus opressores.
Não farei menção ao conteúdo aqui, mas o final do último episódio deixou muitas portas abertas para a 3ª temporada. E provou-nos, como se não tivesse sido claro até aqui, que em Westworld pouco é como pensamos que seja. Certamente não faltarão teorias sobre o possível desenrolar dos acontecimentos.
Uma palavra para as fantásticas covers no piano de clássicos como ”Heart-Shaped Box”. Entre o seu trabalho em Game of Thrones e Westworld, a HBO tem tido uma sorte imensa em contar com o trabalho da pérola que é Ramin Djawadi.