Quentin Dupieux volta a surpreender com este “100% Camurça”, um filme bizarro e absurdo sobre as consequências de uma obsessão de um homem com o seu casaco.
O realizador francês Quentin Dupieux não é um estranho nas andanças de criar filmes com conceitos fora do comum. Desde um a matança de um pneu assassino em “Rubber” ou a jornada de um homem à procura do seu cão em “Wrong”, Dupieux não se acanha em mostrar a sua imaginação peculiar.
Desta vez oferece-nos “100% Camurça”, onde Georges (Jean Dujardin) fica obcecado com o seu casaco de camurça, estilo cowboy. Depois de investir todo o dinheiro que tinha na compra deste casaco, ele mente ao dizer que é realizador de forma a obter dinheiro de uma aspirante a editora de filmes. Porém, à medida que vai gravando os seus vídeos sobre o casaco, o caso começa a ter contornos sinistros e depressa o plano de Georges se torna mais agressivo do que seria de esperar.
Se estranhou a história do filme, não se preocupe. A intenção de Dupieux é mesmo levar-nos numa jornada estranha, alienar ao início a audiência à medida que nos deixa cada vez mais curiosos com o desenrolar do enredo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Raros são os casos em que eu, como espectador, não sei bem como será que o filme que estou a ver irá terminar. Porém, este “100% Camurça” deixou-me sempre intrigado até aos momentos finais, conseguindo-me surpreender várias vezes ao longo do filme.
Apesar da excentricidade do enredo, o argumento é bastante completo e bem formulado, contido em termos de história mas que oferece conteúdo suficiente para deixar o espectador a pensar e poder debater sobre o lado metafórico da história.
E a profundidade e sucesso do filme não seriam possíveis sem umas óptimas interpretações, especialmente pelo duo principal. Tanto Jean Dujardin como Adéle Haenel se entregam totalmente aos seus papéis, conseguindo trazer naturalidade e credibilidade a um conceito e uma abordagem de filme completamente bizarros. Principalmente Dujardin, que demonstra o nascimento de um psicopata de um modo incomum, subtil e estranhamente aterrador.
São poucos os filmes em que arriscam colocar o vilão da história como protagonista. Porém, “100% Camurça” não tem medo de arriscar e joga-se de pés e cabeça para uma ideia que, para muitos, pode vir a ser desprezível e repugnante.
Como já referido várias vezes ao longo deste artigo, “100% Camurça” é particular, singular, bizarro. Portanto, certamente que este não será um filme que todos irão apreciar, principalmente devido ao facto de não se comprometer na totalidade a um tom de filme.
Apesar do conceito e da abordagem serem hilariantes, o filme depressa oferece momentos e imagens difíceis de digerir, muito devido à abordagem natural que Dupieux injeta. Assim, o filme brinca com comédia, horror e drama, passando de um para o outro de forma desconcertante, sendo que algumas das vezes não é um progresso fluído.
Com uma duração de apenas 77 minutos, o filme beneficiaria de mais tempo para construir a reviravolta mental de Georges, de modo a tornar-se mais convincente e entranhar a audiência nesta transformação. A mudança de simples apreciador de casacos para completo lunático é um pouco brusca.
“100% Camurça” não é para todos, mas certamente que os que virem nunca o esquecerão. É um filme que pode uma reação por parte da audiência, seja esta positiva ou negativa. Apesar de não ter uma filmografia consistente, este “100% Camurça” veio confirmar Dupieux como uma das vozes mais singulares que temos neste momento no cinema europeu.
“100% Camurça” está disponível na Filmin a partir de 14 de Maio. Brevemente a Cinema BOLD colocará o filme nos cinemas portugueses.