Para celebrarmos o mês Pride, e para arrancar com uma nova rubrica no nosso site que irá ser inteiramente dedicada aos realizadores, escolhi Damon Cardasis. Durante o London Film Festival de 2017 organizado pelo BFI sentei-me com ele para conversarmos sobre a sua estreia por detrás das câmaras e também como argumentista. “Saturday Church” é o seu primeiro filme mas antes vamos descobrir como Damon chegou até aqui.
Damon Cardasis tem experiência como produtor, actor e agora realizador e argumentista. Mas como todas estas facetas apareceram na sua vida? Como ele chegou até aqui?
Eu frequentei a NYU como actor mas quando terminei o curso trabalhei em agências de talentos e mais tarde como assistente da Rebecca Miller. Entretanto fui criando o meu próprio trabalho enquanto trabalhava para pagar as contas. Durante esses trabalhos fui fazendo um show que se tornou numa web series e que chegou a ser nomeado para o Writer’s Guild Award. Mais tarde criei um festival de cinema chamado East Side Festival que agora vai no seu oitavo ano de edição. Enquanto eu fazia tudo isto e ao mesmo tempo era assistente da Rebecca Miller que, quando voltou aos EUA, me perguntou se eu queria produzir com ela um documentário sobre o seu pai, Arthur Miller, e eu aceitei e agora vai sair pela HBO. Ela sempre me apoiou na minha escrita e quando decidi escrever e realizar o meu primeiro filme, ela produziu.”
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Escrever e realizar é um caminho bastante diferente de apenas produzir ou até interpretar. Principalmente quando se trata de um primeiro projecto. Mas como é para Damon tomar as rédeas de um filme?
Amei a experiência! É bastante diferente no sentido que é muito mais intenso que apenas produzir. Como produtor tu és aquele que resolve os problemas mas como realizador/argumentista, quando escreves a tua alma e coração estão em jogo. Mas eu amei todo o processo. Aprendi imenso e correu tão bem que irei voltar a fazê-lo, sem dúvida!
“Saturday Church” é um “coming of age” onde um jovem tenta descobrir não só a sua identidade como a sua sexualidade, num drama/fantasia com sequências musicais. Um filme que, quando vi apenas um minuto de trailer me transportou imediatamente para o documentário imperdível “Paris is Burning” e o tão aclamado “Moonlight”.
(risos) Eu vejo como uma especie de “Paris is Burning” meets “Billy Elliott” mas o facto de mencionares “Moonlight” deixa-me lisonjeado! Para mim é um musical, um coming of age, uma historia sobre um rapaz afro-americano. Eu filmei muito antes destes filmes terem saído, no Verão de 2016, e quando estávamos na sala de edição e vimos o “Moonlight” pela primeira vez ficamos em êxtase! Não é o mesmo filme, mas eu vejo as semelhanças o que é bizarro.
Nas artes haver semelhanças ou uma certa ligação entre trabalhos (não contando com plagio) é algo que acontece e que de certa forma torna tudo mais interessante. É quase como se houvesse uma linha de consciência partilhada entre artistas porque certos assuntos tocam em certas sensibilidades que fazem parte dessas pessoas.
Exactamente! E é algo que me é muito pessoal porque eu fiz voluntariado num destes programas no West Village e chama-se precisamente Saturday Church. Eles ajudam pessoas da comunidade LGTB e funcionam ainda hoje e muitas estão em risco. Muitos dos miúdos que aparecem no filme vêm da comunidade. Um primeiro-filme-primeiros-actores: O Musical! (risos). Eu quis envolver a comunidade e não fazer da experiência algo voyeurístico.
“Paris is Burning” é um documentário que eu recomendo vivamente, porém apesar de ter sido feito décadas atrás os seus temas são ainda bem reais na comunidade Nova Yorquina. Para quem vê o seu filme “Saturday Church”, que mensagem o realizador quer passar?
Penso que a humanidade destas personagens. Mesmo não sendo de uma certa raça ou de uma certa sexualidade ou género. Mesmo sendo bastante underground eu penso que as pessoas se podem identificar mesmo se forem um homem branco, hetero e viva no campo, há muito coisa com que se possa identificar nesta historia. Não é só para as pessoas da comunidade e é uma historia sobre amor e todas as emoções de quem se apaixona pela primeira vez, e de quem se sente isolado ou com receio. Isto é o que eu mais quero que as se conectem com este filme. E talvez fiquem com uma mente mais aberta. Para as pessoas da comunidade é importante saberem que as suas historias estão a ser contadas e se vejam elas próprias.
O cinema queer é algo que vemos a crescer de ano para ano, seja em curtas ou produções pela Netflix e Amazon. Mas será que o este género de cinema sempre existiu porém só agora estamos a ver um crescimento?
Eu acredito que já exista a algum tempo. Talvez agora as pessoas se sintam mais confortáveis com elas mesmas de forma a possam ver estes filmes sem sentirem que a sua sexualidade está em jogo. À medida que as coisas vão progredindo e seguindo em frente é mais fácil alguém dizer que viu “Moonlight” e achou o filme belíssimo sem pensar que isso o vai tornar gay (risos) As pessoas estão mais confortáveis com elas mesmas e isso faz com que o cinema queer cresça mais porque essas historias estão a ser contadas por vozes diferentes.
O cinema, no que diz respeito à forma como retrata o amor, está a mudar. Nem toda a gente se sente ou confortável ou com vontade de ver a mesma rapariga-conhece-rapaz onde se não encontras a tua alma-gémea atá chegares aos trinta então depois não vale a pena. Há muito mais para explorar dentro deste tema.
Existem muitas narrativas e muito mais interessantes do que a rapaz branco-sozinho-sem-sorte. Tantas possibilidades, uma protagonista feminina, uma pessoa de cor, alguém que seja gay, o que seja. Estou muito mais interessado nessas historias porque a maioria não se vê reflectido numa certa idade ou raça e é isso que me fascina, algo não mundano mas sim as pessoas que fazem algo excepcional e lindo. Essas historias deveriam ser contadas e há tantas plataformas hoje em dia para as mostrar.
Damon pode ser agora um realizador, porém, se alguém fizesse um filme sobre a sua vida, quem é que ele escolheria para realizar?
Eu simplesmente amo Mike Nicholls. Ele era um realizador fabuloso. Ele fez comédia e drama, ele fez de tudo! Desde “A gaiola das loucas” até à “Morte de um vendedor”.
Mas o que faria este realizador se ele pudesse pegar uma peça de Shakespeare e a transformar de maneira mais queer possível? Que peça escolheria? E porquê?
(risos) Eu acho que “Sonho numa noite de Verão” é por si só já bastante gay. Talvez o “Rei Lear” seria interessante porque as pessoas esperavam que fosse uma das comédias dele mas escolher um dos dramas seria mais um desafio. Eu estudei um Verão aqui em Londres na escola RADA em 2005 e fizemos uma produção do “Enrique V” que foi bastante bizarra (risos). Mas eu adorava voltar a fazer teatro!
E assim tivemos que nos despedir. Damon Cardasis tem muito mais para oferecer. No ano passado promoveu o seu filme em conjunto com o documentário que produziu sobre a vida de Arthur Miller e já se encontra a preparar um novo projecto. E nós estaremos lá para acompanhar a sua carreira.