La Casa de Papel (Honey Heist) é a série espanhola do momento. Emitida originalmente pela Antena 3, foi catapultada e distribuída para o mundo através da Netflix. Aqui fica o que há para assinalar na 1ª temporada que deixa até o mais resistente colado ao ecrã.
Álex Pina surge como o criador desta série de 2017 que compila todos os bons argumentos e estrutura para deixar o espectador aficionado e curioso, quase desde o primeiro minuto. A narração fica a cargo de uma das personagens principais, Tokio (Úrsula Corberó). A história inicia-se precisamente com esta fuga às autoridades, a travar conhecimento com o enigmático Professor (Álvaro Morte). Segundo ela, o seu Anjo da Guarda.
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O mote é lançado logo no primeiro episódio. Arquitetar até ao mais ínfimo pormenor o assalto mais ousado e megalómano da História, a ter lugar na inatingível Casa da Moeda de Espanha. Para esse efeito, o carismático Professor, adepto de Anthony Quinn, recruta um total de oito elementos com diferentes habilidades e características, e em situações de vida desfavoráveis e com cadastro. Quanto a ele próprio, clean, um fantasma. Durante cinco meses de isolamento e preparação, não é autorizado o estreitar de relação entre eles. Daí escolherem nomes de cidades como nome código. Mas ora, todos sabemos que o fruto proibido é o mais apetecido… E o amor, esse safado, pode acontecer em qualquer ocasião. Como nos diz a Tokio num dado momento: “Afinal, o amor é uma boa razão para que tudo fracasse.”
O enredo avança e o assalto preparado exaustivamente começa numa sexta-feira, com os pupilos a envergarem o afamado macacão vermelho e a máscara da cara do Salvador Dali, que já nos surge em tudo o que é lugar. O Professor monitoriza todo o processo de fora. O relato decorre com a conjugação da atualidade alternada com o flashback da antecipação do Professor desse mesmo momento e qual a reacção que lhe é requerida – o Professor torna-se um pequeno grande Deus da maquinação e execução do plano, mas nem tudo é fácil, e ele terá de gladiar com a perspicaz Raquel Murillo (Itziar Ituño) – a inspetora escolhida para negociar com os sequestradores e, mais importante ainda, ele próprio.
Não sucumbam ao juízo de valor de achar que se trata de uma réplica de Ocean’s Eleven (2001, Steven Soderbergh). Mas também não ignorem as referências a Tarantino e a Breaking Bad (quem não se lembra daquela cama de dinheiro?). A série cumpre no que toca ao crescendo, ficando a apoteose para a reta final. No entanto, a história respira, respeita alguns silêncios para o espectador processar os acontecimentos e, principalmente, deixa-nos desnorteados. Até os que se consideram mais experientes terão as voltas trocadas em determinados episódios. Ainda assim, permite a evolução das suas personagens, o seu insuflar – ninguém é perfeito e bom ou mau, exclusivamente, daí surgir a empatia com os demónios e fantasmas de todos eles. Ficamos, literalmente, a torcer pelos ladrões e remexemo-nos continuamente no sofá quando parece que tudo falhará.
Continuando, a Casa da Moeda assegura a produção do dinheiro, logo uma das concepções é que não se subtrairá dinheiro com destino. Pelo contrário, produzir-se-á porque aquele é o único local possível. Esta auto proclamação de Robin dos Bosques é apenas o primeiro engodo. Então o que falta a esta equação para se tornar perfeita? Tempo. Tempo para produzir e a certeza que a polícia não tentará invadir o edifício. Para esse efeito, não se limitam a ter 67 reféns, entre eles detêm a filha de um diplomata inglês, Alison Parker (María Pedraza) – o nomeado, cordeirinho. A concepção do tempo também é explorada pela velha máximo de que tempo é dinheiro, ali absolutamente, assim como o mesmo não pára e tão pouco volta para trás – ali dentro, o tempo desacelerou e redefiniu novas regras de relacionamento humano. Quanto tempo demora uma bala a chegar ao destino? Afinal, “todos vamos morrer”, diz-nos o Denver (Jaime Lorente).
O ritmo é intenso e a interpretação exemplar em muitas cenas marcantes que dificilmente esqueceremos: Denver (Jaime Lorente), Mónica (Esther Acebo), Arturo (Enrique Arce), Rio (Miguel Herrán), Nairobi (Alba Flores), Angel (Fernando Soto), Berlim (Pedro Alonso), Moscou (Paco Tous) são apenas algumas das personagens que nos entram pelo ecrã adentro e nos arrebatam. Estamos continuamente numa partida de xadrez, com becos sem saída, portas mágicas, migalhas e jogos mentais onde “A resistência é sempre bem-vinda”. Ainda que com protestos pacíficos de palmas, “Divide et impera”. O Seat Ibiza vermelho de 92′ e o lápis são detalhes a ter em conta. Conjugando toda a cenografia e dinâmica, a realização não desilude. Se apreciarem este género de fotografia com a intensidade dos vermelhos utilizados, aconselho Only God Forgives (2013, Nicolas Winding Refn).
Para acabar até porque ainda há uma temporada por ver, temos tempo para ouvir português pela voz de Piedade Fernandes, cantando o “Fado Boémio e Vadio” e a mesma termina no maior impasse. Conseguirão eles passar pelos pingos da chuva e terminar o que começaram?
Uma coisa é irrevogável. Darás por ti a trautear “Oh bella ciao, bella ciao, bella ciao, ciao, ciao…” sem conseguir parar!