Se há coisa que os franceses sempre saberão fazer é cinema. Façam obras nostálgicas ou modernistas, os pais da Sétima Arte sabem sempre o que fazem.
Abel, um jovem jornalista, reencontra uma ex-namorada que recentemente perdeu o marido com qual o trai há quase uma década. Neste novo período, este reavalia os seus sentimentos.
Trata-se da segunda longa-metragem protagonizada, escrita e realizada pelo Louis Garrel. Este que se tornou conhecido por protagonizar “Os Sonhadores”, do falecido Bernardo Bertolucci, e “As Canções de Amor”, do Christophe Honoré. Para além disso, interpretou Jean-Luc Godard na recente biografia “Godard, O Temível”, do Michael Hazanavicius, e está incluído no elenco de “Little Women”, o futuro filme da Greta Gerwig. Com uma visivelmente diversificada carreira de ator, decidiu se aventurar na realização com 3 curtas-metragens e “Os Dois Amigos”, de 2015. Eis que chegamos a “L’homme fidèle”.
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Com o seu mais recente filme, que teve estreia na passada edição do LEFFEST, o ator de 35 anos consolidou o seu grande potencial para se tornar num bom realizador autoral. Algo bastante distinto no seu trabalho é o equilíbrio entre dois tons praticamente quase contraditórios. A verdade é que este se beneficiou de uma parceria com o guionista veterano Jean-Claude Carrière.
Sendo assim, não só é o texto uma ferramenta extremamente útil para controlar uma história fúnebre de um modo levemente engraçado, constantemente relativo a um constrangimento tragicómico, mas igualmente um fator de peso na construção de diálogos característicos de uma fluidez natural presente nas interpretações. A mise-en-scène é outro acerto, assente maioritariamente em planos orgânicos e funcionais. Conforme os arcos, a cara dos atores preenche gradualmente o enquadramento e, em plenas discussões, o olhar permanece naquela tradicional troca de planos. Nada de muito elaborado, na verdade. O que mantém uma estética de filme independente muito prazerosa.
E, na equação, juntamente com uma edição assertiva, está uma ótima execução dos diálogos em si. Há momentos de pura passividade em que os personagens dialogam da maneira mais contraditória àquilo que é dito, o que cria, lá está, a tal vibe tragicómica, facilmente desencadeando risos no público. Não quer isto dizer que “L’homme fidèle” se trate de uma comédia. Pelo contrário, o filme acompanha desenvolve questões como luto, amor, casamento, filhos, obsessão, fidelidade e a falta dela.
No entanto, o que prejudica bastante o filme é a interminável narração coletiva. É que não é apenas o protagonista, mas sim três personagens. Estes explicam aquilo que, praticamente em todas as vezes, não precisa de ser explicado, sobretudo graças ao efetivo laço com visual storytelling. Laço que morre progressivamente. A condução da trama consegue-se sem algumas justificações óbvias, mas a narração é cansativa e incompreensivelmente excessiva. Curiosamente, “L’homme fidèle” provavelmente até seria um bom livro.
Na verdade, há muita coisa que se quer dizer da tela para fora. Daí a música, embora boa, se intrometa desnecessariamente em algumas cenas que deviam consistir em silêncios. No entanto, nos restantes parâmetros, o filme saiu-se bem. Destaque para a fotografia fria e lúcida da Irina Lubtchansky, subtilmente ostentadora de uma sensação quase de desconforto nas bonitas ruas francesas, e para a edição simplista e precisa da Joëlle Hache. O segundo trabalho de Louis Garrel atrás da câmara tem apenas 1 hora e 15, terminando exatamente onde devia. O final é simples, efetivo e objetivo.
E, para além disso, é um ótimo protagonista. Convence como um jovem desajeitado, paciente, ingénuo e desconfortável na própria pele. Observá-lo desde um rapaz destroçado pelo fim de uma relação e revê-lo progressivamente a construir o seu respeito e imponência é um arco muito bem desenvolvido, sobretudo por o personagem jamais perder aquele charme inocente e bem-intencionado.
A Laetitia Casta está deliciosamente provocadora. É uma mulher ainda com quebras consequentes de uma grande perda, mas com resquícios das emoções enterradas no passado. Em discussões desconfortavelmente passivas, perguntando ou afirmando X em busca do Y e com pequenos detalhes expressivos e comentários, a atriz consegue perfeitamente colocar o Louis Garrel na sua sombra. Existe, no entanto, um personagem bastante inútil relacionado com ela que acaba por não ter qualquer peso ou consequência na história. Mais valia descartá-lo.
A Lily-Rose Depp foi uma grata surpresa. Tenho sempre um preconceito em relação a atores filhos de grandes nomes de Hollywood. Mas a verdade é que filha de 20 anos do Johnny Depp e da Vanessa Paradis deu uma ótima prestação. A personagem é carismática e nota-se claramente falta de afeto nela.
O Joseph Engel é igualmente muito carismático, dentro do seu espaço reservado, introspetivo, calmamente revoltado e em busca de preenchimento afetivo. Não faço ideia quantos é que tem, mas o ator transmite muito bem a tristeza provocadora do personagem.